O desaparecimento dos rituais: uma topologia do presente é um ensaio publicado em 2019, originalmente em língua alemã, foi traduzido em inglês e em português em 2020, esta última pela editora Herder. Trata-se de uma obra curta, como ocorre com as outras produções do filósofo e teórico cultural sul-coreano Byung-Chul Han, que é professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Artes de Berlim. O livro possui pouco mais de cem páginas divididos em dez capítulos que discutem temas como a produtividade, a autenticidade, os rituais, “o fim da história”, o império dos signos, os dados (dataísmo), entre outros assuntos que estão concatenados pela escrita direta e simples, inclusive, aos outros ritos da vida moderna, como a pornografia.
O autor toma como ponto de partida as reflexões sobre a vida moderna e a tecnologia, aliando-as ao seu pensamento filosófico e, em certa medida, recorrendo aos referentes históricos para embasar noções teórico-críticas quanto ao mundo contemporâneo, como por exemplo as tecnologias digitais e os seus impactos na sociedade. Nessa perspectiva, caso venhamos a pensar nas proposições de Agamben (2013) quanto ao contemporâneo – o qual também é referenciado por Han neste e em outros ensaios –, é possível dizer que Han é um contemporâneo de seu tempo. Isto significa que ele enxerga as obscuridades do momento em que vive ao estabelecer uma relação de dissociação e anacronismo, de desconforto com o tempo a que “pertence” e percebendo os confrontos e problemáticas de seu entorno.
No primeiro capítulo, o teórico cultural discorre sobre a compulsão ou pressão por produção. E sua escrita deixa claro que ele não pretende instigar uma nostalgia do passado para a recuperação de rituais e de vínculos comunitários. Pretende-se, no capítulo, traçar uma genealogia do desaparecimento desses ritos, processo que não significa uma emancipação dos sujeitos. Em vista disso, tornam-se visíveis, segundo o autor, as patologias do presente, as quais revelam a erosão da noção de comunidade. Desse modo, Han reflete sobre formas de vida que podem ser capazes de libertar a sociedade do narcisismo coletivo. Essas reflexões fazem parte do seu pensamento para além da própria obra aqui resenhada.
Ou seja, em livros anteriores como Sociedade do cansaço (HAN, 2015) e No enxame (HAN, 2018), por exemplo, são pontuadas as nuances do cansaço da informação, no qual cada época teria as suas enfermidades. E a violência do começo do século XXI não seria bacteriológica, nem mesmo viral, mas neuronal.2 Assim, ao cansaço da informação também pertencem sintomas das enfermidades numa era de Narcisos, que são sujeitos geridos por autorreferências exageradas e sobrecarregados de si, em que desaparece a noção do coletivo.
A sociedade de hoje passa a ser mais narcisista, isso porque as mídias sociais acentuam esse desenvolvimento por serem mídias narcísicas que acentuam a mercantilização das emoções e dos valores. Os quais servem como objeto de consumo individual, dado que tudo isso é consumido como marca de distinção social ao indivíduo. Portanto, são direcionados ao ego, o que aumenta a autoestima narcisista numa incessante busca por destaque. Ou seja, a pessoa não se relaciona com a comunidade, mas apenas se refere ao seu próprio ego.
Dessa forma, dando continuidade a esses tópicos de obras anteriores, Byung-Chul Han aborda que os rituais, enquanto atos simbólicos (o símbolo serve para o reconhecimento), estabilizam a vida, porque representam e transmitem valores e ordens nos quais a comunidade é baseada. Entretanto, hoje prevalece a comunidade sem comunicação em um mundo pobre de símbolos, visto que os dados e as informações não processam forças simbólicas e, por isso, não permitem reconhecimento.
O excesso de informação, em ordem serial e compartimentada, uma sendo sucedida pela outra, de uma experiência a outra, de uma sensação a outra, sem terminar nada de modo efetivo e contemplativo, engendram vazios de rituais e de solidez. Desse modo, as antigas imagens e metáforas que geravam sentidos e noções de comunidade – que encontravam significado e estabilizavam a vida coletiva –, foram perdidas em vazios simbólicos. Assim, a experiência da duração diminui, isso porque a percepção simbólica, de ritos, de comunidade, por exemplo, percebe o duradouro, com a sua perda, aumenta-se a contingência.
Por conseguinte, a pressão contemporânea para produção constante rouba a duração dessas coisas e proporciona a erosão da duração para impulsionar mais produção, forçando mais consumo. Em vista disso, as coisas não podem durar se são usadas apenas para consumo. Nesse sentido, nota-se que consumimos não apenas coisas em si, mas também as emoções ligadas às coisas.
Assim, o filósofo observa que valores tais como a justiça, a humanidade ou a sustentabilidade, por exemplo, são explorados com fins lucrativos, dado que o neoliberalismo faz uso da moralidade para seus próprios fins. E os valores são consumidos como marcadores de distinção, servem ao ego e ao autorrespeito narcisista. Outros autores, ao analisarem sociedades ocidentais contemporâneas, visualizaram cenários do que denominaram pós-modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, líquida etc., no qual se assemelham ao que Han observa (BAUDRILLARD, 2007; LIPOVETSKY, 2004). Isto é, o modo como nessa temporalidade de liquidez e perda de assentamentos solidificados, tudo é tornado produto e item de consumo em que o Narciso impera.
Segundo Gilles Lipovetsky (2004), o Narciso surge nesta era que ele chama de hipermodernidade, num período do hiperconsumo e do hipernarcisismo. Perde-se, continua Lipovetsky, a confrontação simbólica, há uma perda de sentido do presente. E para Han, como visto, com o fim da experiência de durabilidade, surge a corrida em busca de informações e experiências, de uma informação para o anseio da próxima, um processo que não se fecha e é, devido a isso, efêmero. Isto posto, da percepção simbólica (intensa) há a transição ao que o Han denomina de “percepção serial” (extensa), que é incapaz de produzir a experiência da durabilidade e dos fechamentos.
Os rituais são caracterizados pela repetição, mas ao nos mantermos em busca de novos estímulos e experiências, perdemos essa capacidade de repetir, pois os dispositivos neoliberais de autenticidade envolvem uma compulsão para a busca do novo. Han reflete sobre aspectos trabalhados em obras anteriores, somando-se aos parâmetros dos ritualismos. A tecnologia é uma centralidade, na qual os canais de comunicação digital, por exemplo, estão repletos de eco, as vozes que ouvimos são as nossas e a rede de seguidores fortalece ecos do “Eu”.
Nessas mídias, a razão é substituída pelo efeito imediato. Afinal, a razão consome muito tempo por ter a necessidade de ser acentuada em reflexões e trocas que requerem durabilidade comunicacional, troca e escuta. E em plataformas e modos de vida precedidos pela fragmentação e pela referida “percepção serial”, a possibilidade de que indivíduos contemplem e processem informações com o uso da racionalidade é diminuído. A imediatez impera.
A formação de sentimentos coletivos passa a ser menos frequente, nessa proporção, afetos e emoções fugazes, bem como indivíduos isolados são predominantes. Outrossim, o regime neoliberal isola as pessoas e, ao mesmo tempo, invoca a empatia. Todavia, como um corpo ressonante, a comunidade ritual não requer empatia, pois a demanda por empatia é ouvida em sociedades atomizadas.
Essa demanda gera causas econômicas ao direcionar pessoas para propósitos que surgem e desaparecem rapidamente, que é efetivamente fugaz, como notável, visto que produzir é, hoje, a expressão de pressões para a comunicação, que é capitalizada. Han compara estas redes na internet e suas demandas rápidas a um enxame digital – numa metáfora com abelhas – em que pessoas se juntam em uma pauta que rapidamente se desfaz, como melhor abordado em No Enxame. Por isso, há uma comunicação maior e menos comunidade.
No segundo capítulo da obra, Han discorre sobre a compulsão por autenticidade. Em que uma sociedade da autenticidade é performativa, ou representativa. É um meio do culto ao “Eu”, sendo, portanto, inimiga da comunidade. As ideias de liberdade e autorrealização são narrativas que servem para uma exploração mais eficiente, dado que o indivíduo “pode tudo”, caso não consiga esse “tudo” possível, é tido como fracassado.
Assim, com o sujeito neoliberal na sociedade do desempenho, são gerados “fracassados” (HAN, 2015), diferentemente do universo disciplinar foucaultiano do sujeito da obediência (FOUCAULT, 2008). Com efeito, são potencializadas as violências neuronais nesse novo sujeito, as quais foram apontadas no início deste texto. Ademais, um sujeito que, na leitura de Lipovetsky (2004), tem vontade de exprimir identidades únicas, de celebrar uma identidade pessoal, ligando-o ao que põe Han, encontramos o narcísico. Isto é, “tudo” é voltado ao “Eu” na referida perda comunal.
No terceiro capítulo, Han aborda que a enxurrada de imagens e informações impossibilita a negatividade do “fechamento”, de fechar ciclos, o que temos é sempre positividade. O deslocamento da negatividade para a positividade foi tratado pelo autor em outras obras referidas (HAN, 2014; 2015; 2018). O que emerge é um infinito de positividade de algo que é sempre o mesmo, em mais informação. No lugar em que tudo está conectado, nenhuma completude é possível (p. 27), tudo é provisório e incompleto.
Os rituais dão forma ao que é essencial nas transições da vida, eles são, portanto, formas de completude, eles são diluídos. Byung-Chul Han faz um amálgama na relação entre tecnologia e mídias sociais em seus eternos ruídos de comunicação, com o silêncio que é essencial para os festivais no sentido religioso, a técnica cultural religiosa serve de demonstração da necessidade de atenção profunda para as práticas ritualísticas, as quais se perdem na efemeridade e inquietação. Assim, há a ligação da perda da capacidade para o descanso que é próprio de rituais, caracterizado pela intensidade da vida e da contemplação, posta em A sociedade do cansaço (2015).
Onde tudo está subordinado à produção, o ritual desaparece. Para o sul-coreano, o que devemos recuperar é o descanso e o silêncio contemplativo, algo que o capitalismo repudia. Nos próximos capítulos, como “um jogo de vida e morte”, o autor reflete sobre o âmbito em que a sociedade de produção é dominada pelo medo da morte, dado que o capital age como uma garantia contra a morte. Afinal, com o dinheiro é possível fazer outra pessoa trabalhar para você, ter precauções contra perigos ambientais, entre outros aspectos. Assim, banir a morte na vida seria constitutivo da produção capitalista, para demonstrar isso, a abordagem parte da observação nas quais sociedades “arcaicas” não distinguem nitidamente vida e morte.
Por conseguinte, em “o fim da História”, há uma observação de âmbito filosófico para a percepção da dialética hegeliana, em que a dialética do senhor e escravo olha para a experiência humana a partir da perspectiva do trabalho. A partir de Hegel, Marx abraçaria a primazia do trabalho, nisso, a História começa com o trabalho (HAN, 2015, p. 57), os humanos teriam história por causa do trabalho. Em outra ocasião, Han tinha notado que na sociedade do desempenho surgem novas coerções, pois na dialética de senhor e escravo, o senhor se transformou em escravo do trabalho (HAN, 2015, p. 25).
O capitalismo é baseado na economia do desejo. Em vista disso, é incompatível com uma sociedade do ritual e com uma volta ao descanso e ao silencio contemplativo. Alguns paradoxos são apresentados na reflexão de que a sociedade contemporânea é caracterizada por uma constante e implacável moralização. Entretanto, ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais brutal, ao fim, formas de polidez desaparecem frente ao culto de autenticidade, no qual a moralidade e a barbarização parecem ser compatíveis.
Em sentido histórico, a ritualização da guerra teria aprimorado os padrões éticos, desde as trocas e reconhecimentos da outra parte (oponente) como um igual, os rituais geralmente têm, portanto, um poder formativo (HAN, 2015, p. 70). Segundo o código de cavalaria que influenciou o desenvolvimento da noção de honra militar na Europa, não é honroso atacar um inimigo sem se colocar em risco, só é honroso atacá-lo no campo de batalha. Se o oponente possui apenas uma espada, então não se pode usar outra arma, além disso, ao longo da história da guerra houve tentativas de limitar o uso letal de armas.
As guerras modernas carecem desse caráter. Afinal, aplica-se, aqui, uma fórmula básica, ou seja, a de que a pressão produtiva destrói o jogo, o ritual, visto que aviões de caça impedem o confronto ou o duelo “cara a cara” (HAN, 2015, p. 72). Com isso, no sentido topológico, a superioridade gera atitudes mentais diferentes frente ao inimigo, porque a assimetria dos meios de destruição de um frente ao outro passa a permitir que o “superior” adote estimas diferentes com relação ao inimigo.
Logo, a superioridade tecnológica se transforma em suposição de uma superioridade moral. Por isso, matar passa a ser visto como um trabalho, existe algo de pornográfico e obsceno nisso, torna-se uma operação baseada em dados, o inimigo é, agora, um dado, e a matança ocorre sem luta, tudo é mecânico. Sob tal perspectiva, nos dias de hoje os processos são feitos para se adequarem à forma de produção.
O autor vai demonstrando que a sociedade se torna uma questão de trabalho, de produção e de desempenho. Lipovetsky (2004) ao esmiuçar o “processo” da modernidade à pós modernidade, alerta quanto ao abandono do universo disciplinar foucaultiano. Nesse sentido, as proposições de Han, neste e em outros ensaios, vão ao encontro de tais pressupostos observados por Lipovetsky, visto que em Michel Foucault (2008) existe o controle de produtividade. Para Lipovetsky, os anos 1980 anunciaram a entrada na sociedade pós-disciplinar e pós-moderna. Portanto, podemos notar que Han, bem como Lipovetsky, rompem com a leitura foucaultiana.
Para Han estaria ocorrendo uma nova mudança de paradigma, dado que a virada copernicana, que elevou o homem a um produtor autônomo de conhecimento, é substituída por uma virada dataísta. O homem deve, assim, ser governado por dados, no qual a produção de conhecimento baseada em dados é feita sem um sujeito ou consciência humana. Nessa perspectiva, apregoando discussões historiográficas para embasar a argumentação, autores contemporâneos têm tratado do tema relacionado ao campo da tecnologia e dos dados (dataísmo), como é o caso do historiador Yuval Harari em Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã (2016).
Na perspectiva do dataísmo em Han, a dominação se disfarça de liberdade, ponto apresentado em outras obras (HAN, 2015). O big data gera um saber dominador que possibilita administrar a psique humana. O autor designa, assim, o funcionamento da sociedade ocidental contemporânea pós-disciplinar (“supera” a leitura foucaultiana).
Anteriormente, Han já observara que na Idade Moderna a violência da força bruta vai perdendo legitimidade, como expressão dessa mudança topológica ele citara, em Topologia da Violência (2017), os campos de concentração. Há uma modificação estrutural da violência. Em sua análise, o terrorismo e a “ciberguerra” (típica do século XXI), operam de forma viral, não compõem suas forças destrutivas de modo frontal. Na Modernidade, portanto, a violência assume uma forma psicologizada, internalizada; adotando formas intrapsíquicas na sociedade de desempenho. Conclui-se que há uma mudança topológica da violência: mais internalizada, psicologizada e virtualizada. Assim, vai se tornando invisível e autorreferente; entretanto, é confundida com a liberdade.
Nas reflexões finais quanto ao “desaparecimento dos rituais”, e com a coerência frente ao que veio pontuando até aqui e que esta resenha procurou dialogar com o histórico de seu pensamento, Byung-Chul Han faz uma observação, de forma interconectada, sobre a pornografia. Desse modo, segundo as considerações, a pornografia acaba condenando ao fim a sedução. Dado o seu âmbito narcísico, reconecta-se a reflexão a um panorama apresentado ao longo da obra, no qual a perda de ritualização também é potencializada para ser pensada e distribuída por outros âmbitos da vida social dos sujeitos. Visto que qualquer sedução é um processo ritualizado, no qual os ritos tornam-se mais apagados com um novo imperativo sexual.
Sob pressão para produzir, tudo passa a ser exibido. A “espetacularização” toma forma, está à mercê da transparência (HAN, 2015, 2017). E o fim dos ritualismos, o narcísico, o dataísmo, a pornografia, a violência neuronal, a positividade, tudo se conecta na análise sócio-histórica de uma leitura da sociedade contemporânea. Por fim, consolidando o histórico de visão crítica ao excesso de positividade, Han finaliza constatando o que constitui uma patologia na sociedade atual, que é a referida positividade, pela qual o que torna a sociedade contemporânea doente não é a escassez, mas o excesso.
Observa-se uma constância nas reflexões das obras mais antigas de Byung-Chul Han até as mais recentes, como a que aqui foi resenhada. Torna-se evidente, ainda, que tendo em referência outras produções e os conceitos elementares nas reflexões quando ao presente, Han demonstra uma coerência teórico-conceitual ao complementar seus pensamentos recentes aos temas já levantados no âmbito da psicopolítica neoliberal.
O pensamento de Han potencializa questões no nosso tempo, ao pensarmos a História a partir de Marc Bloch (2001, p. 55), isto é, como a ciência dos homens no tempo, nota-se que o seu o objeto seria, por natureza, o homem, ou os homens. Assim, pensar a relação dos sujeitos na era pós-disciplinar. Ou seja, do desempenho, permite-nos problematizar, em um diálogo no campo filosófico e sociológico, as intersecções no tempo presente. Sobretudo no olhar de Han aos ritualismos e na leitura da guerra, enfatizando o uso tecnológico.
Assim, em uma reflexão voltada ao âmbito teórico, na teoria da História, bem como na filosofia da História, emerge a discussão historiográfica em que a história do tempo presente, de acordo François Dosse (2012, p. 16), gera uma gama de possibilidades pela abundância de arquivos (imagens, imprensa etc.). Enquanto conceito, a expressão “história do tempo presente” entra no vocabulário dos historiadores especialmente após os conflitos mundiais, quando a pesquisa passa a sofrer mudanças, com explorações das relações entre memória e história, bem como o impulso da história cultural, entre outros aspectos (FERREIRA, 2018). Para Koselleck (2014, p. 231) as histórias são histórias do tempo e estão vinculadas ao seu presente, que pode ser interpretado em vista do passado e do futuro, os quais absorvem o presente. Em síntese, toda história é história temporal, e toda história foi, é e será uma história do presente.
Assim, Marc Bloch (2001, p. 68) alertava que investigações históricas não sofrem de autarquia e que, ninguém, de modo isolado, compreenderá nada senão pela metade. Sendo assim, o ensaio de Han, bem como suas outras obras, proporciona um diálogo potente de reflexão histórico-social e cultural. Se pensarmos na relação com o tempo presente, voltando a François Dosse (2012, p. 14), entende-se que entre as realizações da história do tempo presente, há a necessidade de que historiadores que lidam com o presente (no contemporâneo, no presentismo referido pelos autores elencados ao longo da resenha) têm a necessidade, para maior êxito, de trabalhar com outros profissionais.
Visto que novos tempos levam a novas historicidades (BLOCH, 2001), esses novos sujeitos em um novo tempo requerem pontos de escuta que tracem interlocuções na tentativa de ampliar o campo de compreensão do tempo presente. É interessante que o leitor faça uma interlocução entre as obras de Han, dado que elas são curtas e conectam o pensamento em múltiplas obras, não impedem a leitura em separado. Não obstante, a interlocução das reflexões do autor abrange interconexões que dão conta de um amplo aspecto das sociedades ocidentais contemporâneas. Não é uma linguagem que distancie o leitor e torne a leitura hermética, suas obras têm ganhado visibilidade.
Por outro lado, é importante problematizar e questionar para não homogeneizar toda uma categoria “ocidental” heterogênea tentando inserir a sociedade na teoria. Dado que o conceito não aloca “todas” as fragmentações da própria época em que o autor, e similares, observam.
O desaparecimento dos rituais: uma topologia do presente contribui, assim, para a disseminação de reflexões de cunho filosófico e cultural da era contemporânea. É uma obra em que Han não foge do posicionamento frente ao neoliberalismo e aos seus dispositivos psicopolíticos, que sujeitam o indivíduo para além do corpo, bem como às tecnologias e mídias sociais. Por isso, seu pensamento se diferencia por uma escrita envolvente e clara, sempre trazendo posições vistas em obras anteriores, permitindo a conexão entre as reflexões e os conceitos. O que nos atrai ao posicionamento crítico frente ao mundo que desfrutamos de algum modo sem perceber determinadas nuances.
Nota
2 “[…] depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI […]” (HAN, 2015, p. 7).
Referências
AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo? In: _____. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, p. 55-73, 2013.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edições 70, Lda, 2007.
BLOCH, Marc L. B. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
DOSSE, François. História do tempo presente e historiografia. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 4, n. 1 p. 05-22, jan/jun. 2012.
FERREIRA, Marieta de M. Notas iniciais sobre a história do tempo presente e a historiografia no Brasil. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 80 ‐ 108, jan./mar. 2018.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Traducción de Alfredo Bergés. Barcelona: Herder Editorial S.L., 2014.
_____. Sociedade do cansaço. Trad. de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
_____. Sociedade da transparência. Trad. de Enio Paulo Giachini, Petrópolis, Rj: Vozes, 2017.
_____. Topologia da violência. Trad. de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
_____. No enxame: perspectivas do digital. Trad. de Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2014.
LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sebástien. Os Tempos Hipermodernos. Tra. Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2004.
Resenhista
Kelvin Oliveira do Prado – Mestrando em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: kelvinprado17@gmail.com
Referências desta Resenha
HAN, Byung-Chul. The disappearance of rituals: a topology of the present. Cambridge: Polity Press, 2020. Resenha de: PRADO, Kelvin Oliveira do. O tempo presente em Byung-Chul Han: o desaparecimento dos rituais. Aedos. Porto Alegre, v. 13, n. 30, p. 272-279, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]
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