Terra, Território e Identidades | Fronteiras – Revista de História I 2009
Anunciado no número anterior de “Fronteiras: Revista de História” como Dossiê sobre História Indígena, apresentamos aqui o Dossiê “Terra, Território e Identidades”, fazendo com isso jus às contribuições recebidas de pesquisadores e pesquisadoras do âmbito da História e da Antropologia do Brasil e do exterior. Como organizadoras desta publicação, sentimo-nos honradas em poder publicar trabalhos de qualidade que concretizam a trajetória de profissionais nas áreas da História Indígena, Comunidades Quilombolas, Movimento Sociais e Campesinato.
Da excelente Dissertação de Mestrado do historiador e indigenista Ivori Garlet, falecido precocemente em fevereiro de 2004, recebemos através da antropóloga e historiadora Valéria S. de Assis, o artigo “Desterritorialização e reterritorialização: a compreensão do território e da mobilidade Mbyá-Guarani através das fontes históricas”. A mobilidade “guarani”, sem especificação étnica, já foi estudada e avaliada por outros autores, como Bartomeu Melià (1988) e, para etnias específicas, como a apapokuva, por Kurt Unkel Nimuandaju ([1914] 1987). Ivori e Valéria o fazem para a etnia mbyá, trabalhando a partir de fontes primárias para a história mbyá, sem, no entanto, desconsiderar a historiografia disponível para situações análogas vividas por outros grupos tupi e guarani, assim como da etnografia dos grupos mbyá na década de noventa. Suas seguras indicações à situação dessas comunidades o atestam.
Em “Identidad y territorio en Paraguay antes de la independencia”, o historiador Ignacio Telesca, espanhol radicado em Paraguai, nos oferece um artigo baseado num capítulo da sua tese de doutorado. O historiador, professor da Universidade Católica de Asunción, no Paraguai, se apóia num extenso material cartográfico publicado por autores consagrados, numa síntese bibliográfica da produção recente e pretérita sobre a grande mudança demográfica e territorial no Paraguai, nos últimos anos das reduções jesuíticas e depois da expulsão da Companhia de Jesus em 1767/8 até a primeira década do século XIX. Telesca descreve como essas mudanças incidiram, por um lado, na reconfiguração de uma nova identidade na província e, por outro, no surgimento de uma elite fazendeira pecuarista. Consegue, assim, inserir a História Indígena na História do Paraguai, a partir de uma perspectiva de longa duração, o que confere ao texto relevância ímpar frente à historiografia sul americana referente ao período por ele estudado.
Já Guillermo Wilde, historiador e antropólogo argentino, em seu artigo “Territorio y Etnogénesis misional en el Paraguay del siglo XVIII”, reinterpreta documentos clássicos para a história indígena a partir de uma atenta revisão de categorias antropológicas e de minuciosa leitura comparativa de documentos. Ele chama a atenção para a inoperância dos conceitos antropológicos que sugerem uma sociedade colonial homogênea no século XVIII, pois os povoados indígenas fora e dentro das reduções jesuíticas eram ambíguos, heterogêneos e sócio-culturalmente diversificados. Ao analisar as interações entre indígenas da missão e os considerados “infiéis”, o autor sugere que a missão era um espaço permeável que comportava certa autonomia da população indígena, no sentido de poder ela mesma definir estratégias alternativas que desafiavam os mecanismos oficiais de controle.
No artigo “Os guarani e a erva mate” a Mestra em história Eva Maria Luis Ferreira e o professor da UCDB Antonio Brand apresentam, em base a fontes orais e de época, a exploração da mão-de-obra indígena guarani e kaiowá nas atividades econômicas do ciclo da erva mate. O artigo combina muito bem pesquisa documental, bibliográfica e de campo e revela a experiência de seu autor e da sua autora na pesquisa dessa temática. Um de seus aportes é mostrar que os indígenas fizeram sim parte das ervateiras e rebater uma frequente afirmação, de que eles não integraram as equipes de extração e elaboração da erva.
No que diz respeito aos debates sobre as Comunidades Quilombolas Sherol Santos, Mestre em história, oferece-nos o artigo “Territórios étnicos no pós-abolição: o caso do quilombo da Mormaça (RS)”. Nele, a autora articula discussão teórica sobre os quilombos históricos e a noção contemporânea acerca do tema a partir de um estudo de caso. Co-autora de Relatório Histórico- -Antropológico referente à Comunidade de Mormaça, no município de Sertão/RS, a autora se vale de fontes primárias e trabalho de campo realizado no norte do estado do Rio Grande do Sul para construir seus argumentos. Por fim, destaca a importância do papel da negociação e das relações sociais com a sociedade envolvente como necessárias para a permanência dessa comunidades em seu território. Dialoga, assim, com discussão atual e efervescente acerca das comunidades quilombolas reconhecidas de norte a sul do Brasil.
Maristela Andrade, antropóloga com densa experiência de campo, é autora do texto “Racismo, etnocídio e limpeza étnica – ação oficial junto a quilombolas no Brasil” construído a partir de anos de pesquisa com comunidades quilombola no Maranhão. Pesquisadora cuidadosa, leva-nos a acompanhar suas análises acerca das políticas públicas que reiteradamente tratam as comunidades quilombolas a partir de estereótipos, sem levar em consideração suas especificidades socioculturais. O artigo nos explica como perspectivas que obedecem à lógica “desenvolvimentista” e ao ideal de “civilidade” justificam a implementação de políticas públicas. A luta pela titulação de seus territórios em espaços altamente valorizados em termos estratégicos leva as comunidades quilombolas do Maranhão a conviverem com obstáculos que se opõem ao seu modo de vida e vivenciarem uma nova experiência de “cativeiro”.
Também no que tange aos quilombos contemporâneos Eliane Cantarino O’Dwyer, antropóloga, apresenta-nos “Quilombos: os caminhos do reconhecimento em uma perspectiva contrastiva entre o Direito e a Antropologia”. Neste texto, a autora expõe pistas sobre como o Direito e a Antropologia têm dialogado no âmbito das políticas de reconhecimento dos territórios das comunidades quilombolas no Brasil. A pesquisadora, que acompanhou as discussões acerca da nova Instrução Normativa que regulamenta os trabalhos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em suas atividades de regularização dos territórios quilombolas, expõe críticas à forma como o trabalho de perícia antropológica foi alvo de forte regulamentação estatal. Além disso, o artigo nos apresenta uma discussão teórica, que privilegia os referenciais teóricos da antropologia acerca dos quilombos contemporâneos. O artigo oferece ao público referências teóricas clássicas e o atualiza quanto aos debates acerca dos quilombos contemporâneos e às práticas dos antropólogos envolvidos em situação de pericia e pesquisa neste campo.
Por fim, a historiadora Maria Celma Borges, nos brinda com seu artigo “Identidade, alteridade e memória na luta pela terra e para nela permanecer: uma análise do Grupo dos Nove no Pontal do Paranapanema/SP”. Nele, a autora articula representações acerca da “terra” e da luta para conquistá-la por parte de agricultores assentados após anos de pleito pela terra através do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Assim, a autora constrói sua pesquisa a partir de rico trabalho de campo e articula o diálogo teórico referente aos movimentos sociais e a construção social de uma identidade, firmemente calcada na memória social compartilhada pelo grupo. A discussão sobre a construção de uma identidade social, reconhecida enquanto coletiva, o significado da terra para o grupo, bem como seu histórico de pleito através do MST, compõe e finaliza este Dossiê.
Organizadores
Graciela Chamorro – Doutora. Professora Adjunta do Curso de História e do Programa de Pós-Graduação de História – UFGD.
Cintia Beatriz Muller – Doutora. Professora Adjunta do Curso de Ciências Sociais -UFGD/Vice-Coordenadora do GT Quilombos/ABA.
Referências desta apresentação
CHAMORRO, Graciela; MULLER, Cintia Beatriz. Terra, território e identidades: discussões acerca da construção de identidades e alteridades. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.11, n.19, p.11-14, jan./jun. 2009. Acessar publicação original [DR]