Teorias do espetáculo e da recepção | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2006
Os textos que fazem parte deste Dossiê da Fênix – Revista de História e Estudos Culturais são frutos das primeiras atividades do Grupo de Trabalho Teorias do Espetáculo e da Recepção, realizadas em 2006 no Rio de Janeiro, por ocasião do IV Congresso da ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas.
Durante as sessões de trabalho, percebemos que os variados e complexos caminhos de investigação trilhados abriam um leque interessante de propostas que não somente discutiam questões ligadas à Teoria e Recepção e do Espetáculo Teatral, mas mesclavam uma rica teia de preocupações na abordagem do espetáculo.
Essa experiência, que se mostrara tão frutífera, levou-nos a pensar na criação de um espaço público, por meio do qual as discussões realizadas não apenas pudessem ser expandidas, mas acrescidas por novas contribuições que dinamizassem o rico processo iniciado. Veio ao encontro desse sentimento o convite/desafio feito por Alcides Freire Ramos e Rosangela Patriota, participantes/fundadores do GT e editores da Fênix, para organizar e editar o Dossiê que agora vem a público.
Este Dossiê é composto por nove artigos, cujas abordagens certamente aprofundam o debate do Grupo de Trabalho Teorias do Espetáculo e da Recepção e, a partir deste momento, estimularão novas perspectivas de pesquisa.
Abrindo o Dossiê, Edélcio Mostaço, um dos fundadores de nosso GT e seu primeiro coordenador, mergulha em pressupostos da estética da recepção e do teatro pós-dramático, na observação de um espetáculo sui-generis, apresentado no Rio Grande do Sul: Borboletas de sol de asas magoadas, criado e interpretado por Evelyn Ligocki. Ao abordar a questão da representação de um travesti por uma mulher, Mostaço nos instiga a refletir sobre o lugar da representação. O artigo é uma leitura que nos remete à cena e ao seu questionamento. Trata-se, pois, de uma leitura polêmica e prazerosa, nos marcos da pós-modernidade.
Adriana Fernandes, por sua vez, traz para o centro do debate as inter-relações entre corpo e dança. Essa possibilidade de trabalho foi detectada em sua pesquisa sobre a dança do baião no nordeste e em São Paulo. Neste sentido, o “Paradoxo de Ana” busca compreender, fundamentando-se em Spinoza e na conhecida dança do migrante nordestino, os momentos de suspensão dos sentidos que se estabelecem, ao nos fazer participar de seu ato.
Já Marcus Mota, pesquisador e encenador da UnB, nos convida a mergulhar na amplitude das concepções teatrais presentes em Natyasastra, o tratado sanscrítico de teatro. Em sua abordagem, o autor lança luz sobre os problemas relacionados à teoria do espetáculo, adotando uma outra perspectiva, pois, ao adentrar o tratado sanscrítico, percorre as relações propostas entre palavra, música e movimento, percebendo o sentido teatral de maneira muito distanciada da tradição hegeliana que se consolidou no Ocidente.
John Dawsey, coordenador do Núcleo de Antropologia da Performance (Napedra), sacoleja Benjamin, Brecht e Victor Turner em seu encontro com os caminhões dos bóias-frias da região de Piracicaba. Seu artigo nos traz para o presente e, ao longo da leitura, somos convidados não só a conhecer o insólito dessas encenações e de sua dramaturgia, mas, sobretudo, a questionar os valores destas performances cotidianas, precisando o lugar desses dramas sociais e de sua representação. Enfim, Dawsey nos mostra o seu modo de ver as possíveis interpretações deste “teatro” e, ao mesmo tempo, nos instiga a estabelecer outras.
Alcides Freire Ramos e Rosangela Patriota, pesquisadores que vão se tornando centrais na análise histórica do teatro e cinema brasileiros, nos levam para junto de um dos nossos grandes diretores: Fernando Peixoto. Acompanhar a trajetória estética do diretor, detalhes de suas montagens, nos tempos “de chumbo” da ditadura militar, nos permite não apenas conhecer seu trabalho, sua contraditória existência, que cruza elencos e proposituras díspares como o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, a vanguarda norte-americana da década de 1960 e Ruggero Jacobbi, como também acompanhar aspectos da discussão teatral que se estabelecia, além de suas atividades cinematográficas e televisivas, trazendo um novo olhar ao nosso passado recente.
Vera Collaço recompõe os bastidores e o palco dos trabalhadores teatrais de Santa Catarina em processo de montagem teatral, de suas conexões sociais até sua apresentação pública trazendo, seus códigos estéticos e culturais diferenciados e específicos. A análise deste tipo de teatro, quase esquecido, torna-se central para entender um momento no qual o trabalho com teatro se ligava a uma atividade cultural ampla, bem como para perceber sua constituição particular, que se afasta do praticado pelos círculos paulistas.
O texto que apresento sobre o teatro de feira e a pantomima almeja descortinar as opções formais e estéticas de um tipo de teatro quase esquecido (praticado nos séculos XVII e XVIII), dando voz à constituição deste espetáculo emudecido, procurando entender como ele pode colaborar para novas formas de entendimento do espetáculo teatral.
Ao final, temos contribuições de duas jovens pesquisadoras: Vanessa Curty e Taís Ferreira. A primeira discute o teatro artaudiano entrecruzando algumas de suas concepções com as de Derrida e Foucault, principalmente pela proposição e questionamento da metafísica dualista ocidental pelo ator francês. Já o artigo da segunda pesquisadora procura estabelecer articulações entre os Estudos Culturais da Recepção e a Recepção Teatral propriamente dita.
Esperamos que esta abordagem variada e contrastante, que tem o pensar o espetáculo como seu centro dinâmico, propicie a ampliação crítica de seu estudo.
Uma boa leitura a todos e um bom espetáculo!
Organizador
Robson Corrêa de Camargo – Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: camargo@uol.com.br
Referências desta apresentação
CAMARGO, Robson Corrêa de. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.3, n.4, out,/dez. 2006. Acessar publicação original [DR]