Teoria e prática do ensino de Geografia: memórias da terra | Roberto Filozola e Salete Kozel

A presente obra é voltada à Geografia do Ensino Fundamental, principalmente ao seu início, do 1º ao 5º ano, mas saliento aqui que sua apreciação também é válida para os professores que atuam no Ensino Médio. O livro retoma um pouco da história da Geografia e renova nossa prática como docente, auxiliando-nos na bela missão de ensinar a ler-escrever o mundo

O livro organiza-se em duas partes, a primeira “Quem vai ao mar aparelha-se em terra”, divide-se em dois itens “A Geografia tem história” e “Da escrita da Terra à produção do espaço”, abordando a origem e sistematização da Geografia como ciência e sua presença na área do ensino. A segunda parte “Navegar é preciso… Viver não é preciso” está constituída dos seguintes itens: Usando múltiplas linguagens nas aulas de Geografia; Trabalhando a paisagem nas obras de arte e na literatura; A cartografia na sala de aula: linguagem ou técnica?; Como abordar em aula o urbano e o rural no mundo contemporâneo?; Ensina quem de repente aprende: o que e como avaliar em Geografia. Esta última parte aborda alguns conceitos fundamentais, além de metodologias de ensino.

Os agrupamentos humanos em tempos remotos, mesmo que sutilmente e sem darem-se conta, já faziam Geografia ao coletar e caçar, pois realizavam alterações no ambiente. Através de desenhos em cavernas, por exemplo, registravam direções e referências na paisagem para buscar alimentos, enfim, comunicavam-se sobre o espaço.

Registros sistemáticos com especificidades entre os locais só surgiram com os gregos, que criaram a palavra “Geografia”, significando “escrever sobre a Terra”. Sobre alguns povos e suas contribuições à ciência, os romanos produziam mapas simples, os chineses, com suas navegações, eram bons no sistema de orientação e os árabes, em 800 d.C. na formação do Império Muçulmano, tinham vasto domínio sobre a questão territorial.

O contato entre culturas e paisagens diferenciadas contribuiu muito para uma série de estudos, como Astronomia, Astrologia, Matemática, Artes e a própria Geografia; assim como os viajantes elaboravam relatos e mapas com muitos conhecimentos espaciais. No entanto, até o século XVIII as informações existentes estavam dispersas e não faziam alusão específica à Geografia.

Com as grandes navegações, interesses comerciais e religiosos expandiram-se para além-mar. Portugal com seus conhecimentos cartográficos e geoestratégicos recebeu o adjetivo de “pioneiro da globalização”, sendo usado como modelo por outros governos. Conquistas ultramarinas estão fortemente relacionadas com a mundialização capitalista. Foi na transição do feudalismo para o capitalismo, época de mudanças na Europa, que as condições para a sistematização dos conhecimentos geográficos se deram.

No século XIX a Geografia é elevada a categoria de ciência, já que alguns conhecimentos estavam suficientemente amadurecidos, como: o conhecimento sobre as dimensões e formato do planeta; as informações sobre as diferentes regiões da superfície terrestre; o aprimoramento de técnicas cartográficas. À época, vários países europeus possuíam sociedades geográficas financiadas pelos governos, empresas e famílias ricas. Eram organizadas expedições exploratórias e entre os profissionais envolvidos sempre havia aqueles considerados geógrafos, responsáveis pela elaboração de mapeamentos e identificação de recursos naturais. Tais conhecimentos eram de grande valia ao capitalismo, auxiliando no planejamento da ocupação e controle de novos territórios.

Na segunda metade do século XIX pode-se falar de ensino de Geografia no Brasil, e, no final deste século e início do século XX ocorreu um aumento de escolas voltadas para a formação de professores para atuarem nas escolas primárias.

Em 1926 foi fundado o Curso Livre de Geografia Superior, por intelectuais preocupados com a melhoria do ensino desta ciência no Brasil, como o engenheiro Everardo Backheuser e o cientista político Carlos Delgado de Carvalho. Em 1934 institucionalizou-se a Geografia no ensino superior, na Universidade de São Paulo.

A parte primeira do livro encerra-se fazendo uma discussão sobre a evolução do pensamento geográfico e sobre qual a função do ensino da Geografia. Relembrando as diferentes “fases” da historiografia, tivemos a Geografia Tradicional no início do século XX, onde o ser humano era “encaixado” ao trabalho após toda a descrição e explicação do meio ambiente físico. Também houve a Geografia Quantitativa, após a Segunda Guerra Mundial, lembrada como uma “matematização” do espaço, pois seus procedimentos de análise privilegiavam modelos matemáticos, era um planejamento territorial técnico. A partir da década de 1960 tivemos vários movimentos de renovação da ciência geográfica, dentre os quais os que mais se descaram foram a Geografia Humanista e a Geografia Radical. Neste momento percebeu-se que a Geografia era uma Ciência Humana.

Se o ser humano é produtor do espaço e cabe à Geografia estudar as relações entre ambos, então devemos ajudar a desenvolver um raciocínio geográfico nos estudantes. As seguintes questões auxiliam no entendimento do que devemos prezar nos estudos: “Onde?”; “Por que aqui e não noutro lugar”; “Como é esse lugar?”; “Por que esse lugar é assim?”; “Quais os impactos dessa localização sobre os lugares?”. O trabalho com os elementos e instrumentos cartográficos ajuda muito a responder tais questões. Precisamos desenvolver a consciência espacial do educando.

A segunda parte da obra inicia tratando das múltiplas linguagens a serem usadas nas aulas, entre elas a das imagens, que podem ser fotografias, propagandas, filmes e por que não, desenhos animados. A imagem proporciona uma viagem sem sair do lugar.

Ao escolhermos este tipo de linguagem para trabalharmos em aula, devemos atentar para possíveis mensagens subliminares que induzam ao consumo ou a algo impróprio à faixa etária dos estudantes. Deve-se prezar pelo desenvolvimento crítico e uma visão menos passiva do que é observado, aproveitando cada detalhe.

Um conceito chave da Geografia, a paisagem, pode ser trabalhado de modo satisfatório a partir da apreciação de obras de arte e da literatura, por exemplo. Paisagens são construídas e estão sempre em mutação; guardam marcas do passado e revelam características da sociedade. A este estudo agrega-se o conceito de lugar. Os cheiros e sons das paisagens nos revelam um vínculo afetivo com o espaço de vivência. Pessoas que vivem perto do oceano, possuem uma lembrança sonora a respeito com que se identificam… É o seu lugar. Os elementos da paisagem dão identidade ao espaço e nossa vivência origina o lugar.

Ainda, de fundamental importância no ensino da Geografia, temos os conhecimentos cartográficos. Alguns aspectos devem ser considerados para termos usuários críticos e mapeadores conscientes, são eles: uma superfície curva é representada em outro plano (projeções cartográficas); o mapa representa a superfície da Terra em escala (modelo reduzido da realidade, mantendo as proporções); as representações exigem a elaboração de símbolos e o uso de cores (construção da legenda); há visão vertical empregada nos mapeamentos (desenvolvimentos das visões frontal, oblíqua e vertical).

Na sequência destacam-se duas propostas de trabalho quanto à Cartografia, a primeira sugere que seja representado o espaço de vivência dos educandos, preferencialmente a escola, que é uma referência socioespacial para eles.

Elaborar uma maquete ou planta auxilia na compreensão de que o mapa representa um conjunto de elementos em tridimensionais e implica na aplicação do conhecimento. Se representada a sala de aula, a própria disposição das carteiras é um prato cheio para o trabalho com o sistema de coordenadas geográficas, onde cada fileira e coluna terão um símbolo (números, letras ou cores) e a pergunta “qual a localização de sua carteira?” faz com que a procura pela resposta contribua na assimilação do que são pares de coordenadas, que após, transfere-se para a escala global.

A segunda sugestão trata da movimentação aparente do Sol. É importante que os pontos cardeais sejam trabalhados durante os anos escolares e no decorrer de um ano, já que a inclinação da Terra em relação ao seu movimento de translação gera diferentes fases de luminosidade.

No início do ano letivo pode-se observar e localizar a posição em que o Sol é visado pela manhã ou início da tarde, anotando a data da leitura. No mês de junho retoma-se a atividade, verificando que “o Sol mudou de posição”.

Outros conteúdos significativos e sempre presentes ao estudo geográfico são os espaços urbanos e rurais. Como abordá-los na contemporaneidade? Conforme os autores, de forma a integrar estes conceitos, ambos os espaços interpenetram-se e percebemos atualmente no espaço rural muitas características urbanas, como a presença de agroindústrias. Portanto, o conceito do que é urbano ultrapassa os limites administrativos dos perímetros urbanos municipais.

Uma possibilidade de trabalho com esta temática é realizar uma aula-visita ao supermercado, orientando os estudantes a observarem que os produtos consumidos cotidianamente costumam ficar, estrategicamente, nos fundos da loja, então os consumidores são obrigados a passar por toda a extensão da mesma e acaba levando produtos que não estavam na lista. Ainda, a leitura dos rótulos apresenta uma série de informações em que podemos localizar onde foram fabricados os produtos, trazendo uma discussão sobre o seu “caminho” até chegar às prateleiras e levantando questões sociais e ambientais sobre todo o processo.

O livro encerra-se com um item sobre a avaliação em Geografia, apresentando que a mesma deve ser concebida como um processo que objetiva o crescimento do indivíduo, sendo contínua, diagnóstica e processual. Os instrumentos avaliativos devem ser diversificados, não podendo faltar-nos mesmos as seguintes referências: as transformações espaciais provenientes do trabalho humano; a dinâmica da sociedade e o funcionamento da natureza; a maneira como o ser humano organiza e produz o espaço geográfico.

Concluindo, deixa-se claro que as provas não devem ser abolidas, desde que sejam um dos vários instrumentos de avaliação e coerentes ao desenvolvimento cognitivo do educando. Também, os livros didáticos não precisam ser vistos com maus olhos, pois muitos possuem textos e ilustrações de boa qualidade, facilitando o trabalho do professor. No entanto, reforçam que tal recurso não pode ser a única fonte de pesquisa e de recurso didático a ser empregada em sala de aula. Cabe ao professor selecionar adequadamente e criativamente seus instrumentos de trabalho, inclusive construindo seu próprio livro-texto e registrando suas experiências no ensino.


Resenhista

Dalvana Brasil do Nascimento – Licenciada e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: dbngeo@hotmail.com


Referências desta Resenha

FILIZOLA, Roberto; KOZEL, Salete. Teoria e prática do ensino de Geografia: memórias da terra. São Paulo: FTD, 2009. Resenha de: NASCIMENTO, Dalvana Brasil do. Revista Brasileira de Educação Geográfica. Campinas, v. 3, n. 5, p. 161-165, jan./jun. 2013. Acessar publicação original

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