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Tenho algo a dizer: memórias da UNESP na ditadura civil militar (1964-1985) | Maria R. Valle, Clodoaldo M. Cardoso, Antonio C. Ferreira e Ana Maria M. Corrêa

A obra Tenho algo a dizer faz parte de um projeto desenvolvido pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) buscou rememorar a sua fundação, as conjunturas políticas e sociais dos anos da Ditadura Civil Militar.

O livro foi lançado no ano de 2014, ano em que se completou 50 anos do Golpe Civil-Militar no Brasil. Através de sua leitura, o leitor é apresentado como o sistema universitário foi burocratizado e perseguido ao longo dos anos do regime de exceção instaurados a partir de 1964. Ao mesmo tempo que eram vítimas deste sistema, as universidades buscaram fazer sua resistência a partir das lutas pela redemocratização dentro da sua comunidade acadêmica.

A obra divide-se em duas partes. A primeira unidade denominada Dizeres 1: Pesquisadores e a segunda unidade Dizeres 2: Os depoentes. A estrutura de sua organização buscou apresentar a constituição e fundação da UNESP durante os anos que seguem o Regime Militar (Dizeres 1) através da apresentação de sua história e depoimentos de pessoas que tiveram participação ativa na instituição (Dizeres 2).

No primeiro capítulo, Pelo direito a Memória e a verdade na UNESP, Clodoaldo Meneguello Cardoso relembrou a luta de diversos grupos contra a ditadura civil-militar (1964-1985) e seus ecos que permanecem até hoje nos espaços da instituição. É apresentado o projeto que deu origem ao livro que em um primeiro momento foi desenvolvida pelo Observatório de Educação e Direitos Humanos (OEDH) da UNESP e se chamava Peço a palavra, que seria uma contribuição para uma futura Comissão da Verdade da UNESP.

A criação da Comissão Nacional da Verdade, pela lei nº 12.528 de 18 de novembro de 2011, e instalada em maio de 2012, possibilitou ao país a rememoração de um passado triste de sua história e ajudou na criação de comissões da verdade universitárias.

Em 2012, a parceria entre o Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM) com o Observatório de Educação e Direitos Humanos (OEDH) foi apresentado o projeto Tenho algo a dizer. O projeto teria como objetivo resgatar a memória da instituição nos tempos da Ditadura Militar a partir da história dos Institutos Isolados que a constituíram, parte importante da memória da formação da UNESP. O eixo norteador do projeto seria memória, história e direitos humanos.

No segundo capítulo, A universidade nos tempos da Guerra Fria e da Ditadura Militar: Contestação e Repressão, de Antonio Celso Ferreira apresentou os panoramas nacional e internacional do período da Ditadura Militar, é mostrado que não podemos desassociar os dois cenários, ligada ao combate ao comunismo empregado pelos EUA no mundo e o período de boom econômico caracterizado como a expansão dos setores econômicos de diversos países.

Com a Ditadura Civil Militar, aconteceram operações que prenderam diversos cientistas e intelectuais de esquerda, intervenções nas reitorias de diversas universidades, invasão as editoras e expurgo de livros considerados perigosos para o Regime. Segundo o autor, diversas áreas da ciência brasileira foram afetadas com essas medidas tanto as humanidades quanto as de exatas e biológicas, pois danificaram muito o desenvolvimento científico brasileiro.

No capítulo seguinte, Institutos isolados, Unesp e a ditadura, Ana Maria Martines Corrêa reconstruiu a trajetória do ensino universitário paulista nos primeiros anos de fundação da UNESP. Na Constituição Paulista de 1947 era previsto o desenvolvimento do ensino superior público e sua expansão para o interior do Estado, desta forma ocorreram à criação de diversos institutos de ensino superior.

As seis primeiras faculdades criadas eram administradas pela atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Os docentes das instituições eram precedentes de seu quadro de professores e muitas vezes recém-titulados. A implantação destes centros de ensino superior contava com os interesses de políticos locais que participavam dos trabalhos sobre os cursos que deveriam receber cada localidade. Esta crítica é presente até os dias de hoje na instituição que muitas vezes a sua expansão tiveram motivações políticas, pessoais e partidários.

A expansão do ensino superior pelo interior do estado de São Paulo era criticada por diversos veículos de imprensa, como o jornal O Estado de São Paulo. O periódico acreditava que estes institutos absorveriam verbas da USP e comprometeria a qualidade do que era considerado o bem mais precioso daquela instituição: a formação da intelectualidade paulista.

No ano de 1963, os institutos isolados tiveram sua administração desvinculada da USP e passam a ser submetidas hierarquicamente ao Conselho Estadual de Educação, onde se buscavam diversas propostas para melhorias em sua gestão.

Após a implantação da Ditadura Civil Militar, ocorreram diversas prisões em vários institutos isolados como, por exemplo, Araçatuba, Assis, Marília, Araraquara, São José do Rio Preto e Rio Claro. Em 1967, o Movimento dos Estudantes de Medicina de Botucatu pediu recursos à instituição e a melhoria de sua estrutura é duramente reprimida. Neste ano, ocorreu a intensificação do Movimento Estudantil dentro dos institutos isolados levantando a bandeira da Reforma Universitária.

A situação dos institutos foi levada para a Secretária de Educação do Estado, em 1968, fazendo uma avaliação de suas edificações, laboratórios, bibliotecas, número de docentes, funcionários, alunos e infraestrutura. O resultado deste levantamento buscava definições dos destinos para estas instituições, sem contar com a participação de membros destas faculdades, as características que cada vinha assumindo desde suas fundações ou a expectativa que cada uma tinha com seu próprio futuro. Em 1969, com a criação da Coordenadoria do Ensino Superior do Estado de São Paulo (CESESP), os institutos isolados passam a ser regidos por essa coordenação.

A partir de 1975, quando assumiu José Bonifácio de Oliveira como secretário da Educação, foi gestada uma ideia de criação de uma universidade, o que agradava diversos membros dos institutos embora com certa desconfiança a respeito da forma que seria feita. Em outubro do mesmo ano, o governador Paulo Egydio apresentou a Assembleia um projeto para a criação da Universidade Estadual Paulista. Entre os diferentes setores (alunos, professores e funcionários) dos institutos havia uma expectativa e apreensão por ser uma proposta de um governo nada democrático.

Em 31 de janeiro de 1976 foi anunciado a criação da UNESP e o seu primeiro reitor indicado pelo governador. Em nenhum momento a comunidade acadêmica foi chamada para colaborar no seu processo de criação. O nome Júlio de Mesquita Filho foi escolhido porque Paulo Egydio o considerava um grande educador paulista, não foi levado em conta as fortes críticas que o jornal O Estado de São Paulo fazia aos institutos.

No quarto capítulo, Tenho Algo a dizer sobre a ditadura na UNESP, Maria Ribeiro do Valle rememorou o cenário geral que vivenciou a instituição dos primeiros aos últimos dias do Regime Militar, período de lutas e enfrentamentos.

Além das retaliações sofridas por docentes, funcionários e alunos, os próprios campi foram penalizados com a transferência e fechamento de diversos cursos nas diversas unidades que compunham a UNESP. O campus de Presidente Prudente foi o que mais se prejudicou com tais atos, foi o que perdeu o maior número de cursos de toda a instituição.

Mesmo diante das arbitrariedades do período, a comunidade acadêmica da UNESP participou de diversos atos democráticos, como o apoio de diversos alunos ao Movimento Estudantil e a fundação da Adunesp, o primeiro sindicato de docentes universitários no país que defendia a democratização da Universidade, reformulação dos estatutos e regimentos internos, eleições para reitor e diretor e o aumento de verbas para a Educação e Saúde.

Ao final do capítulo é mostrado o eixo condutor da segunda parte do livro. Foram ouvidos particularmente docentes e ex-alunos de Assis e Botucatu sobre dois episódios destacados na história da instituição, a eleição para diretor no campus de Assis em 1983 e a de reitor em 1984. Uma pequena falha cometida ao longo da segunda parte foi não ser apresentada depoimentos de funcionários administrativo da UNESP no recorte apresentado na obra, esquecendo que este setor também faz parte da memória da instituição.

A segunda unidade da obra Dizeres 2 é constituído ao todo por onze depoimentos de professores e alunos do período abordado, cada um mostrando seus pontos de vistas e sua participação nos fatos narrados dos episódios da eleição para a reitoria, em 1984, e da direção do campus de Assis, em 1983, que desencadeou em uma greve que ganhou grande repercussão.

Os depoimentos possuem pontos em comum, como: preconceitos das sociedades locais na instalação dos institutos isolados; o fechamento de cursos e suas redistribuições eram em função de interesses locais e partidários; a forte burocratização que a UNESP sofreu durante o Regime Militar; as assembleias não eram por categorias, onde acontecia à participação de todos os seguimentos universitários que apoiavam uma decisão única e diferente da USP e UNICAMP; a interferência de poderes locais; interesses e intervenções de deputados na UNESP eram mais nítido, fato que acontece até os dias de hoje quando ocorre a abertura de um novo campus.

Os depoentes concordam que a instituição foi vítima de um sistema autoritário desde seu nascimento que perpassa os dias de hoje. Pois, ficou subordinada aos interesses partidários do regime e a abertura de suas unidades ao longo do tempo sempre foram moedas de barganha com poderes locais.

O livro é atual, ao demonstrar as feridas ainda presentes na UNESP mesmo após a redemocratização do país e trazer reflexões como a Educação foi moeda de troca por motivações políticas, pessoais e partidárias. Ao apoiar a obra, a UNESP quis rememorar sua fundação e erros cometidos no passado. De certa forma, podemos considerar um mea culpa de fatos que percorreram um bom período de sua história, desde intervenções que a instituição passou durante a Ditadura como as próprias perseguições em sua comunidade acadêmica. É uma contribuição para a compreensão de sua memória e trajetória institucional no tempo dos militares.

Thiago Henrique Sampaio – Mestrando em História pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: thiago.sampaio92@gmail.com


VALLE, Maria Ribeiro do; CARDOSO, Clodoaldo Meneguello; FERREIRA, Antonio Celso; CORRÊA, Anna Maria Martinez (Orgs). Tenho algo a dizer: memórias da UNESP na ditadura civil militar (1964-1985). Bauru: Cultura Acadêmica, 2014. Resenha de: SAMPAIO, Thiago Henrique. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.7, n.13, p. 177-181, jul./dez. 2017. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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