Templars and Hospitallers as Professed Religious in the Holy Land | Jonathan Simon Christopher Riley-Smith

As relações entre templários e hospitalários, assim como a explicitação de suas especificidades, suscitaram discussões e debates cuja relevância é demonstrada, sobretudo, tanto pelas fontes papais relativas aos conflitos e concórdias estabelecidos entre eles, quanto pelo exame comparativo da documentação normativa de ambas as instituições. Tendo em mente essa pertinência, o historiador inglês Jonathan Simon Christopher Riley Smith se propôs a realizar uma comparação entre a Ordem do Hospital e a Ordem do Templo, estabelecendo uma discussão a partir do que chamou de “seu papel primário como ordens religiosas” (Riley-Smith, 2009, p. 2).

Riley-Smith utilizou, como suporte para seu estudo, crônicas, os textos normativos das instituições, além da arquitetura dos edifícios das duas ordens na Palestina. Segundo o autor, a valorização do aspecto militar do Hospital de São João nos séculos XII e XIII decorreria de uma projeção da efetiva participação militar dos hospitalários em Rodes e Malta, no mar Mediterrâneo, contra os turcos nos séculos posteriores. Essa observação coaduna-se com uma diferenciação entre as atividades e as responsabilidades dos templários e dos hospitalários, como religiosos professos, nos séculos XII e XIII.

O estudo de Riley-Smith pode ser posto ao lado daquele de Simonetta Cerrini (2007). Esta autora, através de um estudo sobre diferentes exemplares da Regra dos Templários e se inspirando nos estudos clássicos de Andrés Vauchez1 sobre a espiritualidade medieval, procurou estudar o que ela chamou de “revolução espiritual” dos templários. Se Cerrini se debruçou sobre algumas edições da regra templária, identificando as expressões de uma nova espiritualidade, Riley-Smith abordou os escritos normativos do Templo e do Hospital de modo a salientar a diferença das práticas, missões e propostas de ambas as instituições. Pode-se propor que, mesmo que Riley-Smith não tenha sustentado abertamente que os hospitalários fossem “mais religiosos” que os templários, como será discutido adiante, o autor demonstrou as diferenças de suas missões e as suas perspectivas quanto a elas.

Riley-Smith salientou o enraizamento da história de ambas as ordens no devir do monasticismo ocidental e de suas instituições, ou melhor, enfatizou que “a cavalaria templária estava enraizada na história monástica” (Riley-Smith, 2009, p. 12). Autores como Damien Carraz (2005) seguem essa proposição e sustentam a ligação da espiritualidade templária com o chamado “monasticismo reformado ocidental”. Nesse sentido, a figura de São Bernardo, abade de Claraval, grande apoiador dos templários, assume um lugar capital (Salles, 2008).

Além disso, Riley-Smith apontou as dificuldades de conciliação, no seio do Hospital, da atividade de “cuidar”2 dos peregrinos, dos fracos, dos feridos e dos doentes com a atividade militar. Se, para determinados historiadores, o dilema principal das ordens militares estava na conciliação do ofício militar com as práticas monásticas, Riley-Smith sublinhou os meandros da junção entre as práticas militares e “as artes do cuidar”. Tal conciliação teria se dado por volta de 1180 e consistiria no principal fator, não apenas de inquietação, mas também de sucesso da Ordem do Hospital no século XIV, após o fim da Ordem do Templo.

O que se qualificou como militarização do Hospital foi um dos apoios da argumentação de Riley-Smith (2009, p. 17-19) para, não somente diferenciar o Templo do Hospital, identificando, a partir disso, suas especificidades, mas também refletir acerca do fim do primeiro e da perenidade do segundo. Nessa linha de raciocínio, Riley-Smith apresentou uma argumentação consistente que demonstra como os deveres iniciais do Hospital não diziam respeito à guerra, mas, sim, exclusivamente ao cuidado dos fracos, doentes e feridos. De fato, analisando a documentação apresentada pelo autor e dialogando com a historiografia especializada, podemos constatar a verossimilhança de suas proposições.3

A militarização do Hospital teria como pano de fundo as dificuldades internas da Ordem, talvez uma crise de recursos e um questionamento da figura do mestre no final da década de 1160. A partir desse momento, os hospitalários demonstrariam uma preocupação mais explícita com a aquisição de castelos e com o compromisso de compor sua guarnição (RileySmith, 2009, p. 17-19).4 O autor sublinhou que, no caso do Hospital, não pode ser subestimada a importância da conciliação das práticas do “cuidar” com as atividades militares, a qual “foi complementada por volta de 1180” (Riley-Smith, 2009, p. 23). Mesmo apresentando uma proposta de estudo comparativo, é possível propor, a partir da ênfase no dito processo de militarização dos hospitalários, que o foco da análise de Riley-Smith recaiu mais sobre a Ordem do Hospital.

Para fundamentar suas proposições, o autor procedeu a uma análise do recrutamento, da composição dos reforços, das características arquitetônicas e dos aspectos ditos administrativos de templários e hospitalários. O levantamento numérico que Riley-Smith realizou, para o século XIII, quanto às baixas, ao envio de reforços e à composição dos efetivos de ambas as ordens na Palestina, é de importância fundamental. Tal levantamento justifica-se não apenas para a história dos estabelecimentos das ordens na Palestina – idade dos recrutas e dos membros, ausência/existência de tempo para preparação ou noviciado etc. –, mas para examinar a existência de um pessoal especializado no cuidado dos peregrinos, feridos e doentes, no caso do Hospital. Segundo o autor, “os recrutas hospitalários deviam ter sido conscientes, enquanto os templários não o eram, da presença de irmãos e irmãs dedicados ao cuidado dos doentes” (Riley-Smith, 2009, p. 29).5

Apesar do comprometimento com o cuidado dos doentes exigir certas características das construções hospitalárias, como, por exemplo, alas para os enfermos, grandes cisternas, dentre outras, o autor constatou que, como religiosos professos, as construções das ordens militares deveriam ser “governadas pelas necessidades da vida religiosa” além das necessidades militares e administrativas (Riley-Smith, 2009, p. 31). Mesmo que isso seja observado no caso das fortificações das ordens militares na Palestina, a composição do pessoal e as determinações normativas, para ele, encontravam aspectos distintos, tanto no Templo quanto no Hospital.

É possível explicitar dois desses aspectos abordados pelo autor: a presença de irmãs dedicadas ao cuidado dos doentes e a situação dos irmãos sargentos.6 Riley-Smith destacou que a presença de irmãs no seio das comunidades hospitalárias era algo relativamente comum e que o tratamento dessas seguiam os costumes das ordens beneditinas. Por outro lado, os templários seriam pouco propensos a aceitar formalmente mulheres como membros de suas comunidades e até mesmo desencorajariam tal pretensão (Riley-Smith, 2009, p. 41). Logo, por causa do papel de cuidar dos peregrinos, dos doentes e dos feridos, Riley-Smith (2009, p. 42) sugeriu que os hospitalários estariam mais dispostos a aceitar mulheres.

Quanto ao segundo aspecto, afirma o autor, os hospitalários não teriam tantos irmãos sargentos quanto os templários, preferindo a adoção de servos pagos. Da mesma forma, as diferenciações entre esses irmãos sargentos e os irmãos cavaleiros, no caso das vestimentas, por exemplo, seria mais rígida no Templo do que no Hospital (Riley-Smith, 2009, p. 39-40). Para o autor, o “realçado” estatuto templário para os irmãos sargentos devia-se ao caráter eminentemente militar da Ordem, o que exigiria um maior rigor e uma diferenciação mais nítida. Eles seriam explicitados na diferenciação das vestimentas, na distinção e na acentuação da hierarquia. Riley-Smith (2009, p. 40) também ressaltou uma disposição dos cavaleiros templários a restringir a participação e as atividades de um grupo numericamente expressivo dentro da Ordem.

Segundo o autor, a constituição do Hospital teria evoluído em linha e a do Templo teria se fechado no decorrer do século XII (p. 53). Tal observação foi sustentada devido à diferença entre a participação das comunidades templárias e hospitalárias do Ocidente nas decisões dos seus respectivos centros de decisão na Palestina. Para Riley-Smith, a participação provincial do Hospital nas decisões dos rumos da Ordem na Palestina seria mais efetiva do que a do Templo. Em um sentido semelhante às restrições aos irmãos sargentos, a centralização das decisões dos rumos da Ordem do Templo na Palestina deveria- se- ia ao seu caráter eminentemente militar. Estender as decisões às outras regiões, retirando a proeminência da cabeça da Ordem na Terra Santa, dificultaria ou proporcionaria entraves a um planejamento e a uma ação militar mais efetivos ou eficazes. Em outras palavras, mesmo com os esforços da década de 1180 e a progressiva aquisição de castelos e praças fortes na Terra Santa, os hospitalários, até por volta do século XIII, seriam menos orientados para a guerra que os templários (Riley-Smith, 2009, p. 62).

Mesmo que templários e hospitalários tenham criado um novo gênero de ordem em que irmãos conversos teriam proeminência sobre os professos e os padres, em um caso haveria o crescimento de uma companhia de cavaleiros seculares e, em outro, o de um grupo de monges “cassianos” (p. 61-62). As observações do autor acerca das especificidades das construções hospitalárias, de sua missão em cuidar dos doentes, da recepção de irmãs e de certo “relaxamento” quanto à distinção entre irmãos cavaleiros e irmãos sargentos, a preferência por servos pagos, e uma maior participação de outros dignitários da Ordem do Hospital nas reuniões do convento central na Palestina seriam fatores de sucesso para o Hospital. Fala-se em sucesso uma vez que, após a expulsão dos cristãos da Terra Santa em 1291, suas práticas caritativas quanto ao cuidar dos doentes não lhe atribuiria um ônus tão grande em razão do fracasso militar (Riley-Smith, 2009, p. 63). Este raciocínio conduz a pensar que o Hospital seria mais próximo de uma ordem monástica convencional, ao contrário dos templários, que, mesmo sendo religiosos professos, estariam mais próximos de uma confraria militar laica.

Em outras palavras, a dualidade ou a ambiguidade da missão do Hospital – cuidar dos doentes e, após a década de 1180, defender de maneira efetiva os peregrinos – tornaria a Ordem mais receptiva às adaptações institucionais – recepção de irmãs, maior participação das outras comunidades etc. –, enquanto o Templo, na segunda metade do século XII e no decorrer do século XIII, parecia se fechar nos moldes convencionais e centralizadores de seus inícios, expressos no exercício rígido de poder de um abade beneditino do século XI. Esse caráter centralizador e exclusivista das práticas templárias, quando contrastado com as práticas hospitalárias, tal como foi exposto anteriormente, levou Riley-Smith (2009, p. 63) a atribuir aos templários uma “imaturidade institucional”.

As conclusões do autor são coerentes com suas propostas iniciais, que se inserem em um esforço de diferenciar as duas ordens, mas também se convertem em uma possível explicação para a supressão da Ordem dos Templários no início do século XIV. Historiadores como Malcolm Barber (1984), trabalhando com uma documentação diferente da de Riley-Smith, explicaram o fim da Ordem do Templo a partir de uma discrepância entre as propostas iniciais da instituição – a proteção dos peregrinos cristãos nos caminhos para os lugares santos e o comprometimento com os votos de pobreza, obediência e castidade – e seu enriquecimento posterior acentuado por suas práticas senhoriais. Para Barber (1984), os contemporâneos templários, sobretudo na segunda metade do século XIII, estariam desacreditados quanto à piedade da instituição. Mesmo que seja possível contradizer Barber, considerando a inserção dos templários nas diversas expressões da ordem senhorial no Ocidente como um fator de sucesso e não de fracasso, uma vez que sua articulação com as aristocracias cristãs ocidentais produziria um apoio e uma adesão evidenciados pela documentação, a perspectiva do autor em questão traz para o debate a situação das comunidades templárias no Ocidente. Por outro lado, Riley-Smith enfatizou em seu estudo, tal como Jochen Burgtorf (2008), aspectos dos conventos centrais de templários e hospitalários.

O que, no decorrer da leitura do livro de Riley-Smith, mostra-se questionável é se as especificidades identificadas para o Templo e o Hospital, a partir de suas comunidades na Palestina, podem ser consideradas para as comunidades em geral do Ocidente. Ou seja, como apreciar as observações de Riley-Smith quando se abordam não somente os textos normativos e as crônicas, mas também os cartulários7 e, a partir desses, identificam-se os problemas relativos às práticas senhoriais de templários e hospitalários? As ideias do autor se revelam pertinentes como ponto de partida ou como um conjunto de hipóteses fundamentadas que proporciona uma problematização frutuosa para a relação entre as especificidades de templários e hospitalários, como religiosos professos, e as singularidades de suas práticas senhoriais no Ocidente dos séculos XII e XIII.

Notas

1 Dentre as obras de André Vauchez citadas por Cerrini, enumeramos as seguintes traduções para a língua portuguesa. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995; Santidade. Enciclopédia Einaudi, Lisboa: Imprensa Nacional, 1987, v. 12, p. 287-300.

2 Riley-Smith utilizou em sua obra o termo “nursing” cuja tradução seria enfermagem. A língua inglesa atribui o termo “nursing” às atividades de enfermagem contemporâneas. Entretanto, empregamos o termo “cuidar” quando nos referimos a “nursing”, cuja tradução também se mostra apropriada. Disciplinas dos cursos de graduação de saúde, como História da Enfermagem, não atribuem uma ligação estreita entre as práticas contemporâneas de enfermagem e as práticas do “cuidar” das ordens militares como o Hospital de São João ou o Hospital de Santa Maria dos Teutões. As práticas contemporâneas de enfermagem teriam como precursora Florence Nightingale (1820-1910), que desenvolveu suas atividades no cuidado dos feridos na guerra da Crimeia (1853-1856). Por essa razão, ao nos referirmos ao “nursing”, preferimos a definição “cuidar”.

3 Referimo-nos, sobretudo, a Hiestand, Rudolf, 1984. O apanhado e o estudo documental de Hiestand dizem respeito a bulas papais emitidas para templários e hospitalários. Uma edição confiável da Regra dos Templários: Upton-Ward, 1992.

4 A discussão acerca da militarização do Hospital é um tema muito discutido pela historiografia das ordens militares. Como demonstrou Alain Demurger (2003), em sua síntese da história das ordens militares, uma opinião tradicional de que os hospitalários fossem desde seus inícios comprometidos com a atividade militar deve ser questionada – neste sentido a bula de Pascoal II de 1113, um dos textos fundadores da Ordem do Hospital, não menciona atividades militares, apenas as práticas do “cuidar” ou o “nursing”. Como sustentou Riley-Smith, a militarização do Hospital de São João pode ser situada entre o final da década de 1160 e o início da de 1180, ou seja, bem posterior a 1113.

5 O autor cita a presença de físicos, cirurgiões, “sangradores”, barbeiros e outros homens e mulheres exercendo as práticas do cuidar.

6 Os irmãos sargentos eram aqueles irmãos laicos que se distinguiam dos cavaleiros templários. De origem social variada, eles compunham tropas auxiliares. Podiam combater a cavalo, mas eram menos bem equipados e tinham menos montarias que os cavaleiros professos. Os sargentos do Templo utilizavam mantos castanhos ou marrons para se distinguirem dos cavaleiros de fato. Os hospitalários faziam uma distinção mais profunda entre os sargentos, definindo-os como sargentos de armas e sargentos de serviço, como demonstra seu estatuto de 1206. Para mais referências, Demurger, Alain. Sergents d’Armes. In: Bériou, Nicole & Josserrand, Philippe (Dir.). Prier et Combattre: dictionarie européen des ordres mlilitaires au Moyen Âge. Paris: Fayard, 2009, p. 865.

7 Os cartulários medievais podem ser definidos como um apanhado documental. Trata-se de cópias de documentos originais relativos a transações envolvendo uma instituição comanditária, laica, mas na maioria das vezes eclesiásticas com o objetivo de preservar uma documentação original, reunir documentos dispersos ou formar uma espécie de dossiê contendo as provas da possessão sobre determinados bens ou direitos sobre bens. Para referências mais precisas, Chastang, Pierre. Lire, Écrire, Transcrire; le travail des rédacteurs de cartulaires em Bas-Languedoc (XIe – XIIIe siécles). Paris: Éditions du CTHS, 2001.

Referências

BARBER, M. The social context of the Templars. Transactions of the Royal Historical Society, v. 34, p. 27-46, 1984.

BURGTORF, J. The Central Convent of Hospitallers and Templars: history, organization and personannel (1099/1120-1310). Boston: Brill Academic Pub, 2008.

CARRAZ, D. L’Ordre du Temple dans la Basse Vallée du Rhône (1124-1312): ordres militaries, croisades et sociétés meridionales. Lyon: PUL, 2005.

CERRINI, S. La Révolution des Templiers: une histoire perdue du XIIe siècle. Paris: Perrin, 2007.


Resenhista

Bruno Tadeu Salles – Professor de História Medieval da Universidade Estadual de Goiás. Mestre em História Medieval pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando na mesma instituição. Pesquisador da Rede Goiana de Pesquisa em História Antiga e História Medieval/Fapeg e do Laboratório de Estudos Medievais – (LEME). E-mail: letemplier2003@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

RILEY-SMITH, Jonathan Simon Christopher. Templars and Hospitallers as Professed Religious in the Holy Land. Indiana: University of Notre Dame Press, 2009. Resenha de: SALLES, Bruno Tadeu. História Revista. Goiânia, v.16, n.2, p. 229-235, jul./dez.2011. Acessar publicação original [DR]

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