MARIZ, Vasco. Temas da Política Internacional: ensaios, palestras e recordações diplomáticas. Rio de Janeiro: Topbooks, sd.. Resenha de: PEREIRA, Antônio Celso Alves. Ensaios históricos e saborosas inconfidências diplomáticas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.170, n.442, p.413-416, jan./mar., 2006.
Experiência diplomática, arguta observação, análise política precisa e, sobretudo, cultura humanista e senso de humor estão presentes nas páginas desse novo livro de Vasco Mariz, diplomata, escritor, musicólogo, lexicógrafo e historiador, que, durante 42 anos, ocupou importantes postos na diplomacia brasileira. Serviu em Portugal, sob Salazar, na Iugoslávia de Tito, na Argentina de Perón, no consulado em Nápoles e, por duas vezes, nos Estados Unidos. Além disso, foi representante do Brasil na OEA e embaixador no Equador, em Israel, em Chipre, no Peru e na extinta Alemanha Oriental.
Embora reunindo recordações e depoimentos pessoais, não se trata de um livro exclusivamente de memórias. O autor oferece ao interessado em política internacional um quadro analítico de temas que estiveram, e muitos ainda estão, na ordem do dia da grande política mundial. Suas reminiscências do tempo em que servira na ONU são interessantíssimas. A análise do drama do Oriente Médio, que ele viveu de perto como embaixador em Israel durante 5 anos, conforma um texto atual e imprescindível para a compreensão do problema. Da mesma forma, o leitor encontrará informações e detalhes pouco discutidos, ou mesmo ignorados, sobre a unificação alemã, especialmente sobre a antiga República Democrática Alemã. Na cerimônia de entrega de suas credenciais ao presidente da RDA, o comunista Erich Honecker, Vasco Mariz mencionou a participação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Honecker mostrou-se visivelmente surpreendido, pois não sabia que o Brasil lutara contra as tropas nazistas na Itália. Ainda sobre sua atuação na Alemanha, não se pode deixar de ler, nos Apêndices, às páginas 380/382, o texto intitulado: “O sindicalista Lula na RDA, ou saudades de uma bonita gravata francesa”.
É interessante salientar que vários episódios completamente desconhecidos da história diplomática brasileira, fatos que, segundo o autor, “ainda podem ser considerados confidenciais”, são por ele expostos e esclarecidos. Os acontecimentos descritos às páginas 111/114, sob o título “O dia em que o Brasil salvou o Marechal Tito”, eu nunca os vi registrados em qualquer texto sobre a nossa política externa. No Itamaraty, melhor dizendo, em qualquer chancelaria, por envolverem os negócios diplomáticos interesses e razões de Estado, vigora uma espécie de silêncio obsequioso, que obriga o diplomata a manter a maior discrição em sua vida pessoal e em sua atuação profissional. Vasco conta como fora espinafrado pelo embaixador brasileiro na Itália, Alencastro Guimarães, porque, cônsul em Nápoles, aceitara o convite do diretor da Ópera local para fazer parte do elenco de La Gioconda, no papel de Alvise Badoero. Vasco cantou e agradou. Aposentado desde os anos 90, declara-se agora à vontade para manifestar-se, como historiador, sobre sua vivência diplomática.
Nessa linha, evoca, entre outros episódios, dois delirantes projetos imperialistas do então presidente Jânio Quadros: “abrir um janela para o Caribe”, isto é, provocar uma revolta no Suriname, anexar ao Brasil parte do seu território e comprar a Guiana francesa (págs. 293/296); e, em sua política para a África, “incorporar Angola ao Brasil”. (págs. 171/173). Essas maluquices não prosperaram porque tínhamos à frente do Itamaraty a figura ilustre do notável estadista e grande brasileiro, Afonso Arinos de Melo Franco, que, naquela altura, em plena Guerra Fria, implantara no Itamaraty uma renovada, vigorosa e independente política externa.
Vasco Mariz trabalhou com Roberto Campos ao tempo que este fora embaixador em Washington. Acumulava as funções de direção dos setores cultural e de imprensa da embaixada. Nessa situação, foi testemunha e participou ativamente dos esforços da diplomacia brasileira para tentar anular a antipatia que o governo norte-americano, pelas conhecidas razões ideológicas, nutria pelo governo João Goulart. No capitulo intitulado “Na Corte do Presidente Kennedy”, Mariz descreve, com detalhes, episódios interessantes sobre a visita oficial do presidente João Goulart, em abril de 1962, aos EUA. Além de uma minuciosa análise das questões que, naquela altura, compunham nosso contencioso político e comercial com os Estados Unidos, o autor comenta os momentos mais importantes dos encontros de Jango com Kennedy, ao mesmo tempo em que traz à luz situações cômicas, que ocorreram nos bastidores dessa polêmica visita presidencial.
Na sequência da narrativa de alguns fatos da política externa brasileira que não chegaram, em toda a sua extensão, ao conhecimento do grande público, Vasco Mariz revela detalhes das iniciativas ordenadas pelo governo militar para impedir a concessão do Prêmio Nobel da Paz de 1969 a Dom Helder Câmara. Este é um dos episódios mais tristes, mais lamentáveis, dentre os absurdos e violências perpetrados pela paranóia ideológica da ditadura militar. O autor, à época, era chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Confessa que, por dever de ofício, cumprindo ordens diretas do secretário geral do Itamaraty, embaixador Jorge de Carvalho e Silva, convocara os embaixadores da Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia, para pedir-lhes “que solicitassem a seus governos, a título excepcional, que interviessem junto à Fundação Nobel para evitar a escolha”. Dias depois, o Itamaraty fora informado pelos citados embaixadores que seus governos não interfeririam no assunto. O caso saiu da esfera diplomática e passou diretamente para a presidência da República. As pressões, fortíssimas, passaram a ser Vabis, Ericsson, Facit e Nokia). “A mensagem – escreve Mariz – foi bem entendida nos países escandinavos” e o prêmio foi concedido à Organização Internacional do Trabalho.
Vasco Mariz é uma pessoa de trato ameno, extremamente gentil, que encanta seus interlocutores. Estas qualidades muito o ajudaram em sua vida profissional e o aproximaram de importantes líderes mundiais e de destacados políticos brasileiros. Vale a pena ler os perfis que ele traça, na presente obra, das personalidades com as quais convivera em quase meio século de vida diplomática, reunidos, sob o título Variações, ao término de cada capítulo.
Escrito em linguagem clara, em estilo elegante, Temas da Política Internacional – ensaios, palestras e recordações diplomáticas, de Vasco Mariz, livro cuja leitura recomendo com prazer, constitui, ao mesmo tempo, valiosa contribuição à bibliografia brasileira sobre política internacional e sobre a história da política externa do nosso país.
Antônio Celso Alves Pereira – Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional e ex-reitor da Uerj.
[IF]Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.