Sociologia Escolar: ensino/ discussões e experiências | Cristiano Botart das Neves
O livro que aqui resenhamos foi organizado por Cristiano das Neves Bodart, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde atua no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFAL) e na formação inicial e continuada de professores de Sociologia. Bodart é criador e editor do blog Café com Sociologia e de outros projetos homônimos. Atualmente, ocupa a vice-presidência da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) e vem se dedicando às pesquisas sobre o ensino de Sociologia, tendo nos últimos anos publicado diversos artigos e organizado vários livros sobre o tema.
A obra busca colaborar com o aperfeiçoamento do ensino da Sociologia Escolar e com a compreensão de seus sentidos, bem como com o compartilhamento de experiências docentes, indicações de usos de recursos didáticos e discussões em torno dessa disciplina. O lançamento da obra deu-se no Congresso Nacional da ABECS, no ano de 2018, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
O livro é composto por seis capítulos que estão organizados em duas partes. A primeira traz reflexões sobre o ensino de Sociologia e a segunda apresenta experiências e recursos didáticos para essa disciplina.
O primeiro capítulo, intitulado “O ensino de Sociologia no ensino médio integrado: limites, desafios e possibilidades para a busca de uma escola unitária”, de Joel Júnior Cavalcante e Rafael Egidio Leal e Silva, traz a experiência do ensino de Sociologia no ensino médio integrado do Instituto Federal do Paraná, discutindo as possibilidades, limitações e os desafios de ensinar Sociologia nesse âmbito de ensino. A partir de uma explanação em torno das experiências dos Institutos Federais e da estruturação da educação técnica no Brasil, os autores buscam realizar algumas aproximações e/ou distanciamentos com a Escola Unitária, como concebida por Antônio Gramsci, para então discutir o papel da Sociologia no universo dos alunos.
Conforme os autores, cabe ao professor conceber que a maioria dos estudantes pertence às classes trabalhadoras. Essa geração, resultante de uma amálgama de novos arranjos sociais, compõe o quadro de estudantes de Sociologia. Urge o reconhecimento acompanhado da prática da empatia para ensinar os alunos a pensar sociologicamente os problemas de nosso tempo, mergulhando-os em suas narrativas, subjetividades e explicações de mundo e ouvindo-os! É nesse sentido que Brunet et al. (2017, p. 38) afirmam que:
[…] o ensino da Sociologia deve procurar articular bem os elementos presentes nas teorias sociológicas e a realidade social do aluno. É importante atentar para o contexto de vida do aluno e a forma como os conteúdos serão abordados, bem como, inserir e aproximar esse contexto no trabalho em sala de aula.
Quanto à presença da Sociologia no ensino médio integral, será importante esclarecer ao aluno a importância da disciplina para a sua área profissional. Por isso, é importante frisar para o estudante que ele será um agente produtivo dentro de uma sociedade de classes, datada e com condicionantes externos que influenciaram sua atuação e seu lugar, até mesmo no espaço produtivo que pleiteia. Essa é a explicação que se espera do professor de Sociologia. Por outro lado, fazer o aluno entender que a disciplina serve para capacitá-lo como cidadão ativo, crítico, que intervém nos espaços em disputa, na sua comunidade, em seu país, inclusive no processo produtivo, fabril que está submetido. É preciso que a Sociologia consolide seu espaço no ensino técnico profissional. Só assim, gradualmente, ampliará sua legitimidade.
O trajeto da Sociologia é ainda desafiador, mas certamente numa escola para trabalhadores e com um projeto de emancipação social, aos moldes da escola unitária proposta por Gramsci e problematizada pelos autores, a Sociologia ocupa um lugar privilegiado, uma vez que a leitura histórica e sociológica dos sujeitos oprimidos no mundo capitalista é fundamental para despertar sua consciência de classe.
O segundo capítulo, cujo título é “A Ciência Política na escola básica: uma breve reflexão acerca de seus conteúdos e habilidades no ensino médio”, é de autoria de Alexander Magalhães. O texto começa discutindo a presença das Ciências Políticas no ensino de Sociologia Escolar, trazendo a reflexão de algumas questões e temas trabalhados pelas Ciências Políticas no Brasil que já são objeto da Sociologia ensinada na escola básica. O ponto central para o entendimento dos objetivos do texto está na contextualização das licenciaturas em Ciências Sociais e como a Ciência Política está inserida na formação de professores do ensino médio no Brasil.
A tendência de configuração epistemológica da Sociologia Escolar enquanto campo composto por saberes da Sociologia, da Antropologia e das Ciências Políticas tem sido reforçada nos últimos anos. Um marco importante foi, segundo o autor, a promulgação de Parâmetro Curriculares Nacionais, nos quais se previa nas Ciências Humanas e suas Tecnologias que fossem ensinados conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Ciências Políticas. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio, também segundo o autor, ao tratar da disciplina de Sociologia, contemplavam também o ensino de Antropologia e de Ciência Política, reproduzindo a tradição do que se convencionou chamar no Brasil de “Ciências Sociais”.
Examinando a forma como alguns conteúdos considerados tradicionais no campo da Ciência Política são trabalhados no ensino médio, inserido na Sociologia, o autor destacou três temas principais: “cidadania”, “democracia” e “Estado”, temas que observou com forte presença nos livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), de 2015, e nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no período de 2009-2016. Assim, destacou o caráter didático de como a Ciência Política está inserida na disciplina de Sociologia e como se configura no ensino médio. De modo geral, os livros abordam os temas “democracia”, “Estado” e “cidadania” de forma contextualizada. Dentre os livros, o autor verificou algumas abordagens mais acadêmicas, outras mais didáticas; algumas mais tradicionais com relação à organização temática-conceitual, outras mais inovadoras.
Quanto ao Enem, ao longo de 16 provas de Ciências Humanas e suas Tecnologias, com um total de 720 itens diferentes, o autor identificou que 50 itens abordaram os temas “cidadania”, “democracia” e “Estado” pelo olhar da Ciência Política, representando 7% dos dois itens de Ciências Humanas e suas Tecnologias. Com isso, o autor demonstra que há lugar cativo dos conhecimentos de Ciências Políticas nas orientações curriculares, nos livros didáticos e nas provas do Enem, revelando, mesmo que timidamente, o crescente movimento de consolidação da Sociologia no panorama geral do ensino médio brasileiro, ao qual a Ciência Política está vinculada.
O terceiro capítulo dá início à segunda parte do livro. É de autoria de Marcelo da Silva Araújo e o título é “Laboratório de Humanidade como espaço de interdisciplinaridade e formação crítica no ensino médio”. O laboratório foi institucionalizado em 2015, através de uma portaria de criação do Laboratório de Humanidades (LabHum). Desde então, ele se propõe a ser um ambiente de produção de conhecimento que está para além da sala de aula. Esse espaço efetua o diálogo entre as disciplinas de Ciências Humanas, que são interligadas entre si. Nesse capítulo encontra-se uma discussão em torno do uso de laboratório enquanto espaço interdisciplinar de produção didático-pedagógica, bem como uma exposição da experiência do LabHum.
No campus Niterói do Colégio Pedro II, a superação de dificuldades didático-pedagógicas é buscada a partir da integração de experiências nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. O LabHum cria um espaço onde se procura intensivamente concretizar a interdisciplinaridade dos conteúdos escolares, prevista pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Os debates que nele se encerram, portanto, aproximam demandas pertencentes ao currículo daqueles que se impõem pela atualidade e pela realidade e/ou necessidade apresentadas no campus ou no entorno da escola, cidade.
Vale frisar que a prática de pesquisa é fundamental para a realização dos objetivos do ensino de Sociologia, já que coloca os estudantes em contato com uma prática profissional do campo das Ciências Humanas, ao mesmo tempo em que envolve a construção de um olhar sociológico por meio da análise metódica dos fenômenos sociais (SOARES, 2017).
Os laboratórios escolares e o LabHum, em particular, possibilitam aos jovens educandos o enfrentamento crítico dos desafios oriundos do contexto atual, contribuindo em sua preparação para a vida em sociedade. Enfatizando esse detalhe fundamental para o ensino de Ciências Sociais, esses espaços permitem que o estudante possa compreender a sociedade como produto da ação humana. Os laboratórios possibilitam ao estudante aprender, na prática, a fazer pesquisa: coletando, selecionando, sistematizando e analisando dados e informações, de modo a ter acesso aos instrumentos teóricos e metodológicos que lhe permita entender a realidade de um ponto de vista crítico e em toda sua complexidade; e é isso que demonstra Araújo. Para o autor do capítulo, as Ciências Humanas e Sociais, e em particular a Sociologia, contribuem significativamente para a formação ética, a autonomia intelectual e o pensamento críticos dos estudantes, vistos como produtores de conhecimento e como agentes capazes de continuar sempre aprendendo.
O quarto capítulo tem como título “Quando os podcasts tornam-se recursos didáticos de Sociologia para aproximar habitus de alunos e professores”, de autoria de Cristiano das Neves Bodart, organizador do livro, e Roniel Sampaio-Silva. Nele os autores descrevem uma metodologia de ensino-aprendizagem para a disciplina de Sociologia, a qual foi aplicada no Instituto Federal e que deu rendimento satisfatório. É uma metodologia que surgiu com o propósito de reencantar os estudantes, partindo do que podia motivá-los, tendo por base a Sociologia culturalista de Bourdieu, mais especificamente o seu conceito de habitus. Nesse sentido, o texto corrobora para uma reflexão em torno da necessidade de um ensino mais próximo dos alunos, bem como mais atrativo, assim como destaca a possibilidade de uso da tecnologia podcast como recurso didático para as aulas de Sociologia do ensino médio.
De acordo com autores, os resultados da utilização da ferramenta “Podcast Café com Sociologia” foram significativamente positivos. Os alunos se apresentaram mais motivados a assistirem as aulas, melhorando a relação aluno-professor. Notou-se, ainda, ao fim do bimestre, melhorias significativas no rendimento escolar na disciplina de Sociologia, assim como maior interesse nas aulas presenciais. Observou-se que muitos alunos passaram a buscar outros podcasts com outras abordagens temáticas e disciplinares.
Como a disciplina de Sociologia tem um caráter extremamente dialógico, configurado através de debates e confrontos de pontos de vista, o exercício didático ficou, segundo os autores, mais eficiente e os conteúdos ficaram, aos olhos dos alunos, mais interessantes. Aproximar o currículo escolar e a prática de ensino-aprendizado do habitus dos alunos parece ser um caminho frutífero tanto aos alunos quanto ao professor; e o podcast se mostrou uma ferramenta de aproximação bastante eficiente. Pelo fato de o podcast ser uma tecnologia relativamente recente, ele ainda não foi devidamente explorado como instrumento pedagógico pelos professores. Explorar esse potencial constitui um grande desafio para a educação no Brasil. É possível utilizar esse instrumento para potencializar o aprendizado, propiciando excelentes resultados na motivação e aprendizado dos alunos.
O quinto capítulo, “Sociologia em vídeo: estratégias metodológicas na produção do conhecimento”, é de autoria de Thiago de Jesus Esteves, Fabio Costa Peixoto e Kissila Neves Soares. Os autores apresentam o resultado de um projeto de pesquisa voltado ao uso de novas metodologias do ensino de Sociologia, isto é, ao uso de vídeo na sala de aula. Nele discutem sobre a produção de conhecimento discente, a mediação através das novas tecnologias e a imaginação sociológica. Para além disso, fizeram uma avaliação discente, na qual, em geral, são avaliadas as competências e as habilidades esperadas que os estudantes tenham desenvolvido em um determinado período de tempo.
A mediação através das novas tecnologias e a imaginação sociológica se conectaram ao projeto “Sociologia em vídeo” em sua proposta prioritária. Para além de uma avaliação discente, os autores apresentam uma estratégia para a produção de conhecimento através da produção de vídeos que aguçou nos alunos a “imaginação sociológica” enfatizada por Wright Mills (2009), gerando uma satisfação muito grande e a ratificação de seu sentimento de pertencimento a um projeto maior, o do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais – campus Muriaé.
Como destacou Ramos (2015, p. 15),
Com uso dessas tecnologias estudantes possam aprender a pesquisar e analisar informações adquiridas com os aparelhos que trazem para a aula e assim o ensino se tornará mais interessante a eles, pois os meios tecnológicos mudam a rotina dos mesmos.
Percebe-se que os métodos das práticas de ensino propostos no quarto e quinto capítulo são reforçados por Ramos (2015) como mecanismos para cativar os alunos nas aulas de Sociologia, já que estes instrumentos fazem parte da rotina diária dos alunos.
Já o sexto e último capítulo tem como título “Não é normal CP2: redes sociais e reivindicações estudantis no Colégio Pedro II”, de autoria da Valéria Lopes Peçanha. Nele a autora abordou as recentes críticas feitas pelo movimento estudantil do Colégio Pedro II a essa tradicional instituição escolar, tendo como objeto de análise posts publicados por estudantes na página de Facebook “Não é Normal, CP2”.
Para a autora, as críticas realizadas por estudantes do Colégio Pedro II à instituição no espaço virtual pela página “Não é Normal, CP2” originam-se de tensões presentes no cotidiano escolar, que se encontram naturalizadas, silenciadas ou pouco presentes nas instâncias decisórias da comunidade escolar. Desnaturalização de opressões cotidianas, capacidade de reflexão sobre suas próprias experiências dos problemas sociais e superação da experiência individual para a construção de demandas coletivas são alguns dos efeitos da ação estudantil analisada no capítulo.
No caso do Colégio Pedro II, a participação política estudantil nas redes sociais tem se caracterizado como uma insurgência contra poderes percebidos como autoritários e, portanto, contrários aos sentidos democráticos da instituição. Nessa experiência coletiva, constroem-se pontos de vista comuns de estranhamento da educação, no que tange ao seu caráter hierárquico, violento e silenciador. Os estudantes possuem um papel ativo nesse processo, construindo novas ferramentas de comunicação e formas de organização do movimento estudantil, recriando a dimensão da participação política da juventude na instituição escolar. Reforçamse, assim, os vínculos institucionais e o pertencimento.
Para a autora, é possível trabalhar com reivindicações estudantis e com discurso crítico à educação produzida por estudantes. Sob um olhar sociológico, as reivindicações estudantis, ao invés de serem silenciadas, podem abrir novos diálogos e produzir conhecimentos sobre os desafios do campo educacional.
Em síntese, a obra suscita aspectos que evidenciam a importância da Sociologia Escolar, traz boas experiências docentes, além de apresentar aos leitores excelentes recursos didáticos que podem, em alguma medida, serem replicadas em vários contextos escolares.
Referências
BRUNET, et al. O que se espera do professor de sociologia: questões sobre a formação e desafios da prática docente. 2017. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/5721-16280-1-PB%20(6).pdf . Acesso em 10 de março de 2020.
RAMOS, Márcio Roberto Vieira. O uso de tecnologia em sala de aula. 2012. Revista-Eletrônica: LEPSE-PIBID de Ciência Sociais-UEL.
SOARES, David Gonçalves. A pesquisa como ferramenta de ensino em sociologia. UERJ/Rio de Janeiro. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/13133- 54484-1-PB%20(2).pdf. Acesso em 10 de março de 2020.
Celeste Mmende
BODART, Cristiano das Neves. (Org.). Sociologia Escolar: ensino, discussões e experiências. Porto Alegre: Cirkula, 2018. Resenha de: MMENDE, Celeste. Sociologia Escolar: contribuições à prática docente. Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.4, n. 1, p. 174-182, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]