Sociologia e educação: desafios da formação de professores para o ensino de Sociologia na educação básica | Juarez L. Carvalho Filho e Benedito Souza Filho
Émile Durkheim | Imagem: farofafilosófica.wordpress.com
Após a institucionalização da Sociologia em 2008, os professores da educação básica e a própria disciplina, que nunca se encontraram livres, encontram-se frente a diferentes obstáculos. Além disso, o atual cenário político traz ameaças para a disciplina na escola e, consequentemente, na academia. Fato que se dá com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415), além dos constantes ataques de acusação de ser uma disciplina de doutrinação. Devido a esse contexto de expansão e repressão, faz-se necessário um debate sociológico entre Sociologia e Educação, buscando analisar as principais problemáticas que envolvem o tema.
“Sociologia e Educação” foi organizada pelo professor Juarez Lopes de Carvalho Filho (UFMA), mestre em filosofia e doutor em ciências sociais e Benedito Souza Filho, doutor em antropologia social e professor na mesma universidade. A obra (2018) é produto do I Encontro de Sociologia e Educação (2015), realizado pela Universidade Federal do Maranhão, e conta com oito artigos desenvolvidos por pesquisadores de diversas instituições do Brasil. O principal objetivo do livro é trazer informações e reflexões acerca da formação de professores da educação básica, com o foco nos estados do Maranhão e Paraíba, porém, iluminando questões para o cenário geral.
O primeiro artigo intitulado “Novos desafios para a formação do professor de Sociologia para o Ensino Médio” é de Amaury Cesar Moraes, doutor em educação (USP). O autor buscou fazer um panorama geral dos desafios que os professores de Sociologia enfrentam na sua formação. A primeira problemática que aponta é para o fato de não existir um curso de formação de professores para a educação básica do Brasil. O curso de pedagogia propõe uma formação muito ampla e não exclusiva para docentes, e as licenciaturas possuem apenas algumas disciplinas dedicadas à docência, o que mostra a tendência bacharalesca dos cursos. Além disso, Amaury pontua alguns temas da reforma do Ensino Médio em andamento, considerando-os como novos desafios a serem enfrentados. Primeiro, o dilema entre áreas e disciplinas. Segundo, a ideia de interdisciplinaridade. Terceiro, o dilema entre um ensino propedêutico ou profissionalizante. Quarto, a generalização das licenciaturas por área. Outro problema central, que reflete diretamente na qualidade da educação, é a qualidade da profissão. Hierarquização de ensino, formação continuada, salário pouco atrativo, profissionais lecionando matérias que não são da sua formação são alguns problemas que orbitam a profissão, que sofre constantemente uma desprofissionalização.
O segundo artigo, intitulado “Os desafios para a formação de professores de Sociologia ante sua expansão em nível nacional”, é de Amurabi Oliveira, doutor em Sociologia (UFPE), chefe do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisador e professor na mesma instituição. O autor buscou analisar os significados da expansão tardia das licenciaturas em Ciências Sociais no Brasil a partir de 2008 até 2015, pontuando os desafios nacionais e comparando a expansão dos cursos entre as regiões do país. Num primeiro momento o autor realizou um panorama sobre os cursos de Ciências Sociais no Brasil, que surgem na década de 1930, em São Paulo e Distrito Federal, após a presença da disciplina nas escolas. Além disso, durante o período em que a Sociologia se encontrou ausente nos currículos escolares (1954- 1976), houve uma crescente institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Portanto, pode-se considerar que a presença da Sociologia na escola e a expansão dos cursos de Ciências Sociais não possuem uma ligação necessária.
O autor divide a análise entre os cursos de Ciências Sociais criados antes da reintrodução da Sociologia no Ensino Médio (2008) e após esse evento, considerando os que ainda estão em funcionamento. O cenário é bastante heterogêneo: até 2007, a presença dos cursos se deu primeiro na região sudeste (1930), na década seguinte no sul e nordeste, no norte em 1950 e por fim no centro- oeste (1960). Em relação à concentração dos cursos, a maioria concentrava-se nas regiões sul e sudeste em instituições universitárias, tanto públicas quanto privadas. Na região sudeste um número significativo surgiu entre 1960 e 1970, enquanto na região sul houve a criação de alguns cursos entre 1980-1990. Já no nordeste todos encontravam-se em instituições universitárias públicas e são cursos jovens em sua maioria, criados entre 1980-2000. Na região norte a maioria encontra-se em instituições federais e são bastante jovens, criados nos anos 2000. A região centro-oeste contava com apenas dois cursos: um criado em 1962 e o outro em 1967, ambos em universidades públicas.
Em relação aos cursos criados após 2008 percebe-se uma expansão, de forma que a lei que reintroduziu a Sociologia no currículo escolar trouxe maior legitimidade à área. A lei promoveu um novo cenário: maior concentração de cursos na região Nordeste, seguindo Sul, Sudeste e Centro-oeste; aumento nacional de 77% de cursos de formação de professores em Sociologia; queda na participação de instituições universitárias públicas; aumento das instituições privadas (Sul e Sudeste) e novos cursos de formação de professores em Sociologia não intitulados como cursos de Ciências Sociais.
Na última sessão o autor buscou apresentar os pontos em comum e as particularidades nas mudanças dos cursos de Ciências Sociais, apesar da sua heterogeneidade no Brasil. Aqui é apontada a ligação entre os cursos superiores e a educação básica, já que a reintrodução da Sociologia nas escolas se deu no período de expansão das universidades federais, pelo REUNI. Uma singularidade nos cursos de formação de professores de Sociologia no Brasil é a predominância de instituições públicas, possivelmente devido à expansão acima mencionada e à situação precária da disciplina, de modo que o setor privado não teria grande interesse em investir. Outra hipótese levantada é da relação entre os cursos em instituições públicas e a institucionalização da Sociologia no currículo escolar, já que essas instituições promoveram o debate e a produção de conhecimento. Porém, o autor chama atenção para o fato de que apesar das instituições públicas concentrarem a maior parte dos PPG em Ciências Sociais, o tema voltado para o ensino da Sociologia na educação básica é escasso. Outro fator importante para a expansão dos cursos é o PIBID, que estimula o diálogo universidade-escola. Com isso, o autor considera que todas essas transformações estão ajudando a superar o desafio da ausência de professores formados na área e atuando nas escolas, mas que ainda muitos outras desafios devem ser trabalhados e debatidos.
O terceiro artigo, intitulado “As imagens das ciências sociais e suas implicações na formação de professores para o ensino de Sociologia na Paraíba”, é de Geovânia Toscano, doutora em Ciências Sociais (UFRN), Vilma Soares de Lima, doutora em Sociologia (UFPE) e Ivan Barbosa, doutor em Sociologia (UFPE). O trabalho tem como objetivo explorar as percepções acerca da Sociologia pelos graduandos em licenciatura em Ciências Sociais no campus de João Pessoa, da UFPB, e no campus de Sumé, da UFCG, assim como discutir o impacto na área profissional. As autoras trazem diversos estudos sobre as imagens da profissão de cientista social, mostrando que ainda é muito difusa, sombria e pouco atrativa. Os dados adquiridos com a pesquisa demonstram que uma pequena quantidade de estudantes ingressaram em Ciências Sociais por afinidade com o mercado de trabalho, demonstrando que razões profissionais claras não são um impulso para ingressar no curso. Os motivos do ingresso são pouco definidos, sendo eles o acaso, a baixa concorrência, o exercício da docência, a ampliação da “cultura geral”, entre outros. Os alunos encaram a pós-graduação, o trabalho e pesquisa acadêmicas como alternativas mais viáveis para o futuro da carreira como cientistas sociais.
O artigo seguinte, intitulado “PIBID Sociologia: práticas inovadoras e a sensibilização para a atuação profissional”, é de Benedito Souza Filho, professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (UFMA). O autor buscou analisar a maneira com que o subprojeto de Sociologia do PIBID, desenvolvido após a reintrodução da Sociologia na educação básica, auxilia na formação de professores. Ele argumenta que o principal benefício do programa é a perspectiva sensibilizadora que ele proporciona, permitindo que o aluno-bolsista entre em contato com a vivência escolar e seus desafios. A perspectiva interdisciplinar também é uma característica importante do subprojeto, pois permite que a Sociologia dialogue com outras áreas do conhecimento, contribuindo para as atividades escolares e para a formação do aluno-bolsista. Além da prática docente, o programa também auxilia na formação de pesquisadores, pois, compreendendo a complexidade da realidade escolar, os alunos sentem-se motivados à pesquisa de novas metodologias . Dessa forma, o PIBID Sociologia aparece como uma forma de superação de obstáculos presentes no ensino da disciplina, como, por exemplo, profissionais de outras áreas lecionando as aulas de Sociologia e a limitação dos livros didáticos.
O quinto artigo é de Gamaliel da Silva Carreiro, doutor em Sociologia (UnB) e professor Associado do Departamento de Sociologia e Antropologia (UFMA). O autor se propõe em demonstrar o cenário da Sociologia em nível médio no Maranhão, focando principalmente nos docentes a partir de dados oficiais de 2009 e 2012. Inicialmente contextualiza em nível nacional a disciplina escolar, expondo a sua precarização histórica. Com isso, o autor revela que o cenário educacional do Maranhão não se distancia do resto do país, inclusive se mostra como um dos piores, principalmente o caso da Sociologia, já que é comum a ausência de professores licenciados em ciências sociais em muitas áreas do estado. Carreiro afirma que a principal causa desse problema é que entre 2009 e 2012 a demanda por professores licenciados em ciências sociais aumentou, não havendo professores no estado para supri-la, tendo em vista que a história da formação de professores no Maranhão é recente e frágil. No entanto, mesmo com políticas públicas para fortalecer o Ensino Básico e os novos cursos implantados, a situação maranhense permanece peculiar, sendo que nos grandes centros encontram-se professores desempregados e fora dessa área faltam professores licenciados em Ciências Sociais, demonstrando assim a complexidade da consolidação e legitimação da Sociologia na escola.
O artigo que vem a seguir é de Juarez Lopes de Carvalho Filho, doutor em Sciences Sociales et Économiques no Institut Catholique de Paris e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (UFMA) e Leomir Souza Costa, mestre em Ciências Sociais (UFMA) e professor de Sociologia (IFMA). Os autores buscaram refletir sobre os desafios para a consolidação da licenciatura em Ciências Sociais na UFMA a partir da reintrodução da Sociologia na educação básica (2008). O curso de Ciências Sociais é implantado no Maranhão apenas em 1986, no contexto de redemocratização do país, com o intuito de formar bacharéis. Em 2006 se instituiu a modalidade conjunta bacharelado/licenciatura, e apenas em 2010 houve a separação em dois cursos distintos. Mesmo com essa distinção, os autores argumentam que as Ciências Sociais seguem com uma tendência bacharelesca, valorizando a pesquisa em detrimento do ensino e dificultando a consolidação da licenciatura, tanto na UFMA quanto no cenário nacional. Diante dessa dificuldade, o curso de Ciências Sociais da UFMA instaurou o Laboratório de Ensino em Ciências Sociais (LECS) como uma estratégia de superar a hierarquia e oposição entre pesquisa e ensino, preparando assim os estudantes para atuar nos dois níveis de trabalho, além de conjugar a extensão. Seguindo a mesma estratégia, os autores citam também o PIBID, que contribui enormemente nessa articulação.
O penúltimo artigo é de Leandro Augusto dos Remédios Costa, mestre em Ciências Sociais (UFMA) e professor do Departamento de Ciências Sociais (UEMA) e Juarez Lopes de Carvalho Filho, já citado anteriormente. A análise parte de escolas privadas de alto padrão localizadas nos bairros mais ricos de São Luís, as “escolas de elite”, com o objetivo de compreender a maneira com que essas elites reproduzem a segregação social. Os autores argumentam que, devido a segmentação do ensino entre o setor público e o setor privado e a unificação, por parte do Estado do Maranhão, dos conteúdos, grupos privilegiados e grupos populares se encontram em diferentes condições de ascensão, visto que as escolas com os melhores resultados no ENEM (de 2010 a 2014) são privadas, ao mesmo tempo que suas trajetórias são uniformizadas na vivência escolar, apagando variáveis econômicas, sociais e culturais, permitindo assim a dominação.
O último artigo é de Leomir Souza Costa, mestre em Ciências Sociais (UFMA) e professor de Sociologia (IFMA) e Antonio Paulino de Sousa, doutor em Sociologia pela Universidade de Paris e em Ciências Sociais e econômicas pelo Institut Catholique de Paris, além de professor do Departamento de Sociologia e Antropologia, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e em Educação (UFMA). Buscando refletir sobre a formação de professores de Sociologia na UFMA, os autores analisam a estruturação curricular do curso de Ciências Sociais da UFMA, que desvinculou bacharelado e licenciatura apenas em 2011. O currículo da licenciatura é dividido em eixos, em que a maior parte das disciplinas ainda possuem a base do bacharelado, enquanto as disciplinas de formação pedagógica são poucas, encaradas como secundárias. Outro ponto levantado no artigo é a caracterização do corpo docente da universidade, em que quase a totalidade é constituída de doutores, graduados a maioria em bacharelado em Ciências Sociais. Além disso, quanto às pesquisas, poucos desenvolvem a temática da educação. Os autores concluem, portanto, que o curso continua com a tradição bacharelesca, sendo difícil o diálogo entre as disciplinas prático-pedagógicas e as demais.
Dessa forma, a obra revela sua importância ao nos permitir fazer um panorama das principais questões que envolvem o ensino de Sociologia no Brasil, deixando claras lutas travadas até aqui e as que ainda estão por vir, tendo em vista que a Sociologia demonstra-se em situação de constante ameaça de sua permanência no currículo escolar. Além disso, como foi visto durante a leitura dos artigos, uma das grandes problemáticas é que a persistente distância entre pesquisa e o ensino. A obra mostrou-se satisfatória em reafirmar o ensino de Sociologia como campo de pesquisa. Portanto, pode-se dizer que, como Anita Handfas (UFRJ) apontou no prefácio da edição resenhada: este livro consegue ser uma “bandeira de resistência”.
Resenhista
Beatriz Melchioretto Claudino dos Santos – Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de Iniciação Científica CNPq no projeto de pesquisa “Os professores de Sociologia e a reforma do ensino médio”, sob orientação do Prof. Amurabi Oliveira.
Referências desta resenha
CARVALHO FILHO, Juarez Lopes de; SOUZA FILHO, Benedito (Orgs.). Sociologia e educação: desafios da formação de professores para o ensino de Sociologia na educação básica. São Luís: EDUFMA, 2018. Resenha de: SANTOS, Beatriz Melchioretto Claudino dos. Pesquisando o ensino: Sociologia na Educação. Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.3, n.2, p. 95-100, jul./dez. 2019. Acessar publicação original [DR].