Sociedades em fronteiras: abordagens e perspectivas / Fronteiras – Revista de História / 2019

As pesquisas no que tange às fronteiras têm se ampliado de forma significativa na última década, basta uma rápida pesquisa no Catálogo de teses e dissertações da Capes para comprovar isso. O que, entretanto, é a representação de apenas um repositório possível de pesquisa e que reflete, de alguma forma, as pesquisas em curso nos Programas de Pós-Graduação no Brasil.

A ampliação dos estudos sobre fronteiras pode ser identificado como resultado de três fatores, entre outros possíveis, que tenham impactado nessa temática, quais sejam: a ampliação e interiorização dos Programas de Pós-Graduação no Brasil, o que tem estimulado estudos em / sobre regiões fronteiriças de forma muito mais acentuada; as mudanças que envolvem as Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação – TDIC, que tem possibilitado o acesso a documentos escritos, o contato entre pesquisadores da área e uma aproximação maior de pessoas e comunidades a serem investigadas; e, por fim, certamente um dos mais importantes, que é o contexto da constante ebulição das disputas no espaço fronteiriço, e que tem chamado a atenção e se mantido sob os holofotes da mídia internacional por inúmeros fatores que marcam o início do século XXI.

Portanto, a partir desse cenário decidimos organizar o dossiê intitulado “Sociedades em Fronteiras: abordagens e perspectivas”, por entendermos ser este o palco de intensos debates e que refletem de forma múltipla diferentes áreas de investigação, envolvidos sob a égide, ao menos parcial, da interdisciplinaridade. Para além disso, as atividades realizadas em parceria pelos organizadores envolvendo sociedades em fronteiras, tanto na concretização de pesquisas conjuntas, quanto no compartilhamento de bancas de avaliação e eventos científicos foi outro ponto de convergência da proposta do dossiê.

A proposta foi apresentada ao periódico “Fronteiras: Revista de História” do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD), que como observamos congrega um maior número de leitores com interesse pela área, por estar indexado em mais de uma dezena de áreas, por se apresentar como um periódico que materializa a interdisciplinaridade em suas publicações, mas também, por ter ao longo de mais de duas décadas se dedicado a disseminar importantes pesquisas científicas e debates historiográficos que envolvem o eixo direcionador deste dossiê. Portanto, ao visitar a página da Fronteiras, em suas diferentes edições encontraremos a similitude em relação a problemática em discussão que foi proposta por nós, ou seja, o debate aparece em todos os momentos no periódico, nos levando a reflexões profundas sobre esse tema, objeto e lócus de pesquisa, e que modestamente procuramos nos inserir, com mais esse dossiê.

Se é consenso que as definições conceituais mais tradicionais sobre as fronteiras foram superadas, com especial atenção aquelas em que definem fronteira de forma rígida, estática, com uma restrição ao domínio político, militar e administrativo que permaneceram como referência por certo tempo. As dinâmicas em torno do debate sobre fronteiras foram repensadas juntamente com as mudanças e possibilidades de leituras teóricas que avançaram na segunda metade do século XX e impulsionaram as discussões em torno de possibilidades, como por exemplo, as fronteiras da linguagem e seu papel nas sociedades contemporâneas, ou então, possibilidades de pensar as fronteiras sob o ponto de vista da cultura e suas implicações na organização social, assim como do cotidiano, da formação humana, das fronteiras discursivas, artísticas…

Em Nation and Narration, Homi Bhabha destaca que o discurso nacional que envolve a sociedade está entrelaçado por um conjunto de interpretações e símbolos, que são reforçados tanto no momento performático, quanto no momento pedagógico, e que de alguma forma podem ser pensadas para sociedades em fronteiras.

Portanto, para Bhabha no momento pedagógico os membros da nação são o alvo e objeto do discurso nacional construído a partir dos relatos históricos, dos feitos bélicos ou das glórias no esporte, das narrativas da mídia e do enaltecimento das supostas virtudes de um determinado povo. Já o momento performático, os membros da nação passam de objeto a sujeito do discurso nacional, ou seja, os cidadãos se envolvem no discurso nacional e, a partir dele, abraçam uma identidade, como por exemplo, brasileiros, paraguaios, argentinos, bolivianos, venezuelanos, etc… Momento em que os membros da nação de fato se sentem como portadores e guardiões dos atributos nacionais, fortalecendo a comunidade nacional imaginada.

As narrativas e perspectivas sobre as fronteiras estão em movimento, flexibilidade que revela a complexidade de análise a que os estudos estão sujeitos. O que, neste caso, evidentemente, é reflexo das sociedades em fronteiras, que não podem ser entendidas como estruturas sociais estáticas, mas como configurações – concepção de Norbert Elias na A sociedade de Corte e na A Sociedade dos Indivíduos – em desenvolvimento a longo prazo de modo que as ações individuais são inscritas dentro de redes de relações interdependentes. Em sociedades de fronteiras a complexificação da questão fica ainda maior, porque se cruzam as formalidades comportamentais, as regras e costumes e que, em muitos casos, se impõem em pequenos gestos. Portanto, o que atrai nas sociedades de fronteiras não são apenas as formações sociais estabelecidas, mas, sobretudo a procura pelos desequilíbrios.

Dito isso, convidamos os leitores a realizar uma desafiadora incursão pelos seis artigos que compõem o dossiê.

Primeiramente, o texto “Entre fronteiras e limbos, a interdisciplinaridade, o conhecimento tradicional e a micro-história” de José Carlos dos Santos e Márcia Regina Ristow, procura, sob uma perspectiva interdisciplinar, prosperar no campo disciplinar para questões pouco observadas, seguindo na complexidade dos conhecimentos tradicionais e avançando sobre fronteiras, a partir de uma redução de escala, favorecendo, portanto, um clima de transposição de áreas disciplinares de pesquisa.

Já por outro lado, o texto de Aldenor da Silva Ferreira e Alfredo Kingo Oyama Homma em “A colonização britânica e o declínio da produção de juta indiana: singularidades e possibilidades para a Amazônia”, procuram, a partir da pesquisa realizada em Calcutá / Índia, compreender as especificidades da produção têxtil no subcontinente indiano no período colonial como elemento de fundamento para entender outra realidade, qual seja, o declínio da produção têxtil de juta na Amazônia e sua possível reativação nas nossas fronteiras.

Em outra perspectiva, no texto “Narrativas sobre a ação do Estado na história da colonização de Campo Mourão (1900-1950)”, Astor Weber e Jorge Pagliarini Junior centralizam a discussão em torno da ação do Estado no processo de colonização e como ela é representada na produção historiográfica em quatro momentos temporais e em contextos distintos.

No quarto artigo do dossiê, intitulado “Cultura escolar, fronteiras simbólicas: um estudo sobre a presença da comunidade paraguaia no cenário educacional sulmatogrossense”, de autoria de Adriana Aparecida Pinto e Jackson James Debona, trata de uma pesquisa realizada na comunidade escolar da periferia da cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, sobre os índices de crianças que descendem em primeira ou segunda geração de famílias que imigraram do Paraguai entre as décadas de 1960 a 1980, vislumbrando possibilidades de ações pedagógico voltados a história, apresentando a simbiose dos movimentos entre os dois países, para além das fronteiras mais próximas.

Nelson Figueira Sobrinho e Denise Rosana da Silva Moraes no texto “‘1.300 quilômetros abertos ao tráfico’: a fronteira Brasil-Paraguai sob a ótica de Veja adotada no Caderno Especial ‘Crime’” analisam a partir de textos e elementos gráficos, como fotografias e infográficos o enfoque dado pela Revista Veja sobre a fronteira Brasil- Paraguai.

Já, no último texto que contempla esse dossiê, Sónia Cristina Cardoso dos Santos Silva discute “O percurso histórico do estabelecimento das fronteiras em Angola”, a partir de três contextos socio-históricos diferentes: o período pré-colonial; colonial e pósindependência. Essa questão foi analisada a partir de duas dimensões: abordagem teóricoconceitual sobre fronteiras; e a influência da Conferência Internacional de Berlim (1884- 1885) na definição do traçado fronteiriço africano.

Os textos que compõem o presente dossiê permitem uma reflexão sobre as diferentes configurações das sociedades em fronteiras, a partir da coexistência da diferença sob novos olhares que envolvem as relações de poder, as identidades e o papel do Estado. Em todos os textos deste dossiê está presente o fio condutor que envolve a proposta e que dá consistência ao debate. Por outro lado, os Artigos Livres que abaixo apresentamos não se evadem da discussão acerca da problemática do dossiê das sociedades em fronteiras, essa separação, se assim podemos chamar, se fez respeitando a submissão dos artigos ao Periódico que é realizada pelos autores, que optaram por submeter seus escritos à sessão de Artigos Livres.

Então, democraticamente apresentamos aos leitores a sessão de Artigos Livres que como de costume trouxeram nesse momento leituras importantes, que se somam às problemáticas da produção científica muito próximas do Dossiê. Nesse sentido, expomos o texto de autoria de Hélder Samuel dos Santos Lima e Daniela Cristiane Ota, intitulado “Rádio Independente de Aquidauana: da fundação à transição para FM”, em que contextualizam o processo histórico de implantação e evolução tecnológica da Rádio Independente (AM 1020 KHz), situada no município de Aquidauana (MS).

Noutro texto, intitulado “O encontro entre história e memória: a materialização na forma de um memorial”, de Samuel Cabanha, o autor aborda um aspecto histórico imerso no presente explorando um monumento como representação material que refaz a memória. Para isso, propõe-se a análise do monumento erigido no município de Santa Helena (PR), em memória à marcha de Luiz Carlos Prestes, observando a disputa pela preservação da memória da articulação entre a representação do monumento e a tentativa de ritualização em torno do lugar.

Por último, apresentamos a resenha produzida por Rosivania de Jesus Costa, que teve como alvo o livro de autoria de Mariana Schlickmann, com o título “A introdução dos estudos africanos no Brasil (1959 – 1987)”, publicado pela Editora CRV de Curitiba em 2016.

Posto isto, esperamos que o presente dossiê, assim como toda esta edição possa despertar e ampliar no leitor o interesse pelo tema e movimentar novas discussões num diálogo aprofundado.

Desejamos uma boa leitura a todos / as!

Fábio André Hahn (PPGHP / Unespar)

José Carlos dos Santos (PPGSCF / Unioeste)

Leandro Baller (PPGSCF / Unioeste e PPGH / UFGD)

Organizadores


HAHN, Fábio André; SANTOS, José Carlos dos; BALLER, Leandro. Apresentação. Fronteiras: Revista de História. Dourados, v. 21, n. 37, Jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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