Soccer Empire: The World Cup and the Future of France | Laurent Dubois

Laurent Dubois, um belga que com três semanas de vida foi viver nos Estados Unidos, escreveu um livro prazeroso, resultante de sua paixão pelo futebol e o conhecimento acumulado nos seus quinze anos de estudos sobre o esporte na sua versão francesa. É um texto envolvente, não linear, com onze capítulos, além de prefácio, introdução e epílogo, todos importantes, o que me conduziu a abordar o seu conteúdo por uma seleção dos principais temas.

Conforme Dubois, é impossível compreender o futebol francês sem entender a história colonial do Magreb, em especial da Argélia. Nesta, sob a administração direta francesa, já existia, em 1882, 375 mil administradores e colonos europeus, chegando a um milhão em meados do século XX. A partir de 1860, através de uma guerra de conquista, transformaram-se em uma camada dominante, privilegiada com as melhores terras e a exploração das riquezas minerais, enquanto a população autóctone era desprovida de direitos e pauperizada. Sendo tal política considerada um atentado contra a vida dos argelinos e contra o Islã, as revoltas se sucederam. Mas, apesar da perseverança e do heroísmo dos nativos, estes não conseguiram deter a devastadora colonização.

Na década de 1950, os argelinos criaram uma organização denominada Frente de Libertação Nacional (FLN), empreendendo uma série de ataques contra o colonizador. Em 1955, a França decretou a lei marcial, prendeu, torturou e matou milhares de argelinos considerados insurretos. Como resposta à politica francesa, na Argélia a FLN bombardeava lugares públicos e, na França, assassinava policiais e figuras políticas. Ao mesmo tempo, buscava apoio entre os franceses e, no campo internacional, nas Nações Unidas. Mas, se perguntavam, como um movimento insurrecional poderia representar uma nação? Em 1958, um ativista deu uma resposta à questão: “precisamos de uma seleção de futebol.”1 (p. 190) Foi uma difícil operação montar uma equipe competitiva, pois os grandes jogadores estavam na França ou em outros países europeus. Uma operação secreta foi desencadeada, atraindo inclusive nove jogadores na França. A revista Paris Match declarou: “Essas estrelas tornaram-se fellaghas, ou seja, membros da resistência armada argelina.” (p. 193) Em 9 de maio de 1958, o time argelino entrou em campo pela primeira vez contra a Tunísia. Viajando pela África e Europa Oriental, eles usavam o esporte como um instrumento de diplomacia e um ato de imaginação política. O futebol ajudou a cristalizar as aspirações do nacionalismo argelino e a equipe, com um bom futebol, produziu o reconhecimento oficial — com sua bandeira e hino — onde esteve presente. E o futebol argelino se desenvolveu, chegando a participar da Copa do Mundo de 1986, sendo porém desclassificado devido ao “jogo de compadres” entre Alemanha e Áustria.2

Em 1961, a FLN desenvolveu uma série de ataques contra a polícia na França. O governo declarou estado de emergência, que após a reação argelina, terminou com mortos, feridos e na prisão de cerca de 14 mil manifestantes em um estádio. Em 1962, foi proclamada a independência da Argélia, com um custo muito alto: estima-se que perto de um milhão de argelinos perderam a vida e dois milhões ficaram desabrigados.

Antes de falarmos sobre o futebol francês, é inevitável abordar a “guerra sem fim” entre os imigrantes, em especial os magrebinos, e os franceses. Com o fim da II Guerra Mundial, para a reconstrução da França a mão de obra imigrante era necessária, e foi abrigada em moradias sem qualquer infraestrutura. Assim, foi facilitada a imigração de africanos do Magreb.

Em 1983, havia na França 1.572.164 norte-africanos (866.595 argelinos, 492.699 marroquinos e 212.909 tunisianos). A presença deles permanece uma fonte de tensão, não somente na França, mas igualmente no âmbito das relações franco-magrebinas.3

Apesar das vitórias da França, em 1998 e 2000, nas Copa do Mundo e Copa Europeia, a euforia surpreendente pelos resultados não foi acompanhada de uma redução da crise social nas periferias ocupadas pelos imigrantes. Havia um efeito combinado de desemprego, péssimas condições de moradia e repressão policial. Entretanto, parecia ao governo que o futebol era uma arma poderosa de reconciliação; dessa forma, resolveu-se promover, em 2001, um confronto, pela primeira vez na história daqueles países, entre França e Argélia. O estudioso do futebol Christian Bromberg enfatizou o poderoso significado do jogo, alertando que não se pode jogar futebol contra uma nação em guerra. Ele anteviu o que iria acontecer. A guerra civil na Argélia, a presença maciça de argelinos, ataques terroristas, tudo indicava que o jogo não era boa ideia. O time francês, desde a sua entrada, foi hostilizado, a Marseillese (hino nacional francês) foi vaiada, assim como foi cada jogador, quando foi anunciado, exceto Zidane; baterias de equipamentos eletrônicos foram jogadas no campo, antes mesmo do seu início da partida. Aos 79 minutos, com a França vencendo a Argélia por 4 x 1, Sofia Benlemmane, jogadora de futebol, cidadã dos dois países, decidiu que devia evitar a derrota, invadindo o campo com a bandeira da Argélia. E logo foi seguida por dezenas de pessoas com bandeiras ou camisas da Argélia. Quando a invasão começou, garrafas foram jogadas contra os policiais, autoridades constituídas e políticos franceses, alcançando até o ministro dos esportes. A polícia prendeu vários manifestantes, inclusive Sofia. A mídia, de forma geral, foi irredutível no seu diagnóstico: “a integração está morta”; “eles são franceses no papel, mas odeiam a França”; “nós estamos em guerra”. Já um jornal argelino confirmou que os invasores do campo eram na sua maioria cidadãos franceses, embora com descendência argelina. Assim, eles estavam respondendo ao status que a França lhes concedia, recusando vê-los como franceses integralmente.

Em 14 de novembro de 2001, Jean-Marie Le Pen reuniu seus apoiadores em frente ao Estádio da França e anunciou que, mais uma vez, seria candidato à presidência da França. E que escolheu aquele local porque fora onde, semanas antes, o hino nacional francês tinha sido vaiado. E chegou ao segundo turno, quando, para evitar sua vitória, todos se uniram para apoiar Jacques Chirac, inclusive os jogadores de futebol, como Desailly, Thuram, Makelele. Dessa forma, Le Pen foi derrotado, tendo Chirac obtido 80% dos votos.

Ter um carro na França era um símbolo de distinção. Preço, taxas, mesmo um veículo pequeno, tinha dificuldade para estacionar na cidade. Quando você para em uma rua estreita, possivelmente seu retrovisor será arrancado. E, para culminar, a mais comum forma de protesto envolvia queimar carros. Através os anos 1990, aconteceram esporádica, mas regularmente, motins em diferentes subúrbios franceses. Eles usualmente começavam com a morte de um jovem nas mãos da polícia. No entanto, a situação piorou quando Nicolas Sarkozy assumiu, em 2002, o ministério do interior. Ele não eliminou a polícia comunitária, mas, como disse um jornalista, “a drenou de sangue” (p. 231); e diminuiu substancialmente os subsídios para as organizações e associações do subúrbio, que ofereciam recreação, mantinham centros comunitários e instituições.

Para incitar mais ainda revolta, em 2005, em duas visitas ao subúrbio, Sarkozy insultou violentamente os seus moradores: primeiro, chamando-os de “ralé”, depois dizendo que ia limpar Courneve com a mangueira Karcher — uma mangueira de alta pressão utilizada para limpar fachadas, com produtos químicos, deixando a pedra bonita e branca. Mas o pior estaria em andamento: quando dois jovens da Mauritânia, moradores de Clich, foram jogar futebol em um subúrbio vizinho e, perseguidos pela polícia, morreram eletrocutados em uma estação elétrica. Sarkozy enfureceu ainda mais as famílias e os moradores dos subúrbios, quando, um dia após a morte de Bouna e Zyed, disse que os jovens pretendiam roubar alguma coisa numa construção e que a polícia não os perseguira quando foram para estação elétrica.

A insurreição começara da mesma forma que outras, mas ao contrário das anteriores, houve uma metástase, se espalhando através do país, tornando-se uma rebelião nacional, por três semanas, em novembro de 2005. Entre janeiro e novembro, 28 mil carros foram queimados na França, algumas vezes em confronto com a Polícia, outras por vandalismo de protesto. Foi declarado estado de emergência e, progressivamente, fosse pela força policial, com 2.900 prisões, ou pela inteligência dos suburbanos, a insurreição foi sustada. Era hora de parar, mas isso não significava que os motins não voltariam a acontecer, pois, afinal, nenhum acordo fora celebrado.

Medidas governamentais foram acionadas para enfrentar o desemprego nos subúrbios. Uma medida infeliz foi deflagrada, a contratação de bombeiros até 25 anos, sem qualquer explicação. Isso incitou imediatamente a ira de muitos estudantes do ensino médio e universitário, sendo a França abalada por protestos em fevereiro e março de 2006, o que conduziu à retirada da medida. A insurreição e os protestos estudantis, podem ter funcionado para Sarkozy, eleito Presidente dois anos depois, por eleitores que viam nele um politico capaz de controlar os jovens do subúrbio e a criminalidade nas cidades.

O racismo e a xenofobia na vida social, evidentemente, se estendeu para os campos de futebol na França e em toda a Europa. Numerosos foram os incidentes, entre eles, o mais famoso ocorreu com o técnico da Espanha, Luis Aragonés, treinando em 2004 o Arsenal, da Inglaterra, pois escolheu uma estranha forma de motivar um dos seus jogadores, José Reys. Disse-lhe que deveria dizer a seu colega de clube, Thierry Henry, que “ele era um negro de merda e que era muito melhor que ele”. A informação chegou aos jornalistas e Henry queixou-se à FIFA, que puniu o técnico em 3.000 euros, enfim, um tapa na mão do técnico diante do seu salário. Henry, desapontado, lançou uma campanha, “Levante-se, Fale!”, encampada pela Nike, com a participação de jogadores famosos, inclusive Ronaldo, o fenômeno. Vários esforços foram desencadeados contra os atos racistas, sempre com a participação consistente do zagueiro Lilian Thuram. Infelizmente, o racismo no futebol não apenas aumentou na Europa, mas ganhou força também no Brasil.

Chegamos à participação da França na Copa do Mundo de 1998. Laurent Dubois faz uma excelente etnografia dos jogos da seleção francesa. Inicialmente sem entusiasmo entre os franceses, inclusive por sua composição multirracial, progressivamente ela foi avançando, mudando a cabeça dos críticos e empolgando as massas, sobretudo a população dos bairros periféricos. Faltavam dois jogos para a França tornar-se campeã do mundo. Veio o jogo contra a Croácia, e com dois gols de Lilian Thuram a seleção chegava à final contra o Brasil. “Thuram Presidente” diziam os franceses em celebração no Champs-Elysées; uma onda de alegria tomava a todos, a TV mostrava pessoas de todas as classes e raças se abraçando e dançando. Os jornalistas estavam intrigados com os jovens da periferia, inclusive crianças, carregando a bandeira da França. Porém, a realidade era mais complicada do que os jornalistas imaginavam. Os subúrbios apoiavam a França porque se viam representados por Thuram, Zidane, Henry, que os inspirava a dizer: “Nós também podemos fazer alguma coisa.” Mas, outros jovens, embora também comemorassem, tinham uma visão crítica do futebol e da política, como Yassine, um argelino observou:

É engraçado, os filhos dos estrangeiros, quando eles fazem a França vencer, as pessoas dizem que eles são franceses. Quando eles vão para a prisão, as pessoas dizem que eles são de origem estrangeira. (p. 127)

Enfim, comemorar não significava que solidariedade, tolerância, o coletivo que incluía os imigrantes e seus descendentes ocorreria no campo político.

A final contra o Brasil era vista por alguns críticos menos como um jogo Brasil x França do que Adidas x Nike. E essa versão ganhou proporções maiores quando Ronaldo, com contrato da Nike, segundo Dubois, visivelmente vagaroso e enfraquecido, foi forçado a jogar pelo técnico Zagalo, também contratado pela mesma empresa. O resultado todos conhecemos: além de dois gols, Zidane, com seu futebol brilhante, “iluminou o Estádio da França.” Final: França campeã do mundo, com a vitória por 3 x 0 sobre um aturdido Brasil. A celebração foi tamanha que só poderia ser comparada à libertação de Paris dos alemães em 1944. Mais uma vez, a vitória representava e prometia, de forma utópica, uma profunda transformação política e social. Nada ocorreu. Na realidade, como já vimos, os imigrantes e seus filhos e netos permaneceram cidadãos de segunda classe na França.

Em 2000, o otimismo de 1998, já estava desbotado. Entretanto, Zidane, Thuram e a maioria dos seus companheiros de 1998 competiam na Copa Europeia de Nações. Na final contra a Itália, com o “gol de ouro”4 de David Trezeguet, a França tornou-se campeã. Pela primeira vez uma seleção vencia, sucessivamente, a Copa do Mundo e a Copa Europeia. Como em 1998, Paris explodiu de alegria e festa nas ruas. Mais uma vez apareciam as diversas interpretações sob o significado da vitória. Em 2002, após a insurreição de 2001, a França foi eliminada da Copa do Mundo sem uma vitória e sem um gol. Em 2004, após a derrota contra a Inglaterra na Copa da Europa, Zinédine Zidane e Lilian Thuram resolveram se aposentar da seleção francesa.

Óbvio que algo está faltando comentar sobre o livro porque, basicamente, ele está vinculado à biografia de dois jogadores: Lilian Thuram e Zinédine Zidane. E que jogadores! Absolutamente opostos, aliás: Thuram era a palavra, Zidane era a ação.

Thuram nasceu em Guadalupe, em 1972, vindo para França com a mãe quando tinha 8 anos de idade, e cresceu em um subúrbio, no sul de Paris. Grande jogador de futebol, chegou à seleção francesa. Após a Copa do Mundo de 2006, ele ainda permaneceu jogando mais dois anos pela seleção. Saiu do Juventus para o Barcelona, onde não teve grande sucesso. Melancólica foi também a sua aposentadoria da seleção francesa. Ainda iria jogar no Paris Saint-Germain, mas os exames médicos constataram um sério problema no coração. Era o fim de uma das mais brilhantes carreiras do futebol mundial. Contudo, não seria apenas como jogador de futebol que ele apareceria para os franceses, assim como para toda a Europa. Primeiro, por sua consolidação como líder na luta contra o racismo nos campos de futebol. Segundo, por sua defesa constante dos moradores dos subúrbios, contra o racismo e a xenofobia, a ausência de investimentos, assim como a violência policial.

Se sua oposição a Le Pen já era conhecida na insurreição de 2005, Thuram na sequência se fez oponente vigoroso de Sarkozy, confrontando-o publicamente. Quando Sarkozy tornou-se presidente, embora sem mudar as suas posições políticas, sua administração tornou-se mais aberta para as ações afirmativas, inclusive colocando, em 2007, em posições chaves do governo — Ministério da Justiça e Secretaria de Estado — um filho de imigrantes do Marrocos e da Argélia e um imigrante do Senegal. Em 2008, ele convidou Thuram para ser Ministro da Diversidade, mas o ex-jogador recusou. Ele tinha passado muito tempo criticando Sarkozy, não podia participar do seu governo. Em 2007, um modelo do crânio de Lilian Thuram, próximo aos de René Descartes e um bem preservado fóssil do homem Cro-Magnon, foi colocado no Museu do Homem. Ali estava por sua campanha contra o racismo e a injustiça social, como um símbolo da unificação da humanidade.

Zinédine Zidane é filho de imigrantes argelinos, morando na vizinhança de Castellane, no norte da cidade de Marselha. Nascido em 1972, era o mais jovem de cinco filhos. Talentoso e ávido por futebol, chegou à seleção francesa. Porém, muito diferente de Thuram, ele falava pouco, era irônico e fechado, mas explosivo quando desafiado. Dizia fazer política jogando, não falando. Em 2006 já era um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, rico e adorado por milhões de torcedores. De forma surpreendente, com várias interpretações sobre o assunto, Zidane, após insistentes pedidos do treinador francês, resolveu voltar à seleção francesa. “Deus está de volta”, disse um efusivo Thierry Henry. (p. 241) E foi acompanhado por dois veteranos jogadores, Lilian Thuram e Claude Makelele. Liderados por Zidane e Thuram, o time de 2006 lembrava muito a presença multiétnica de 1998. Melhor: de significativa presença em 1998, eles eram maioria em 2006. Dezessete dos vinte e três jogadores tinham histórias conectadas com as antigas colônias do Caribe, da África e do Oceano Índico. Le Pen e os principais nomes da mídia conservadora protestaram vigorosamente contra a composição étnica do time francês. As críticas não eram novas, mas ganhavam maior significado devido à insurreição de 2005. Contudo, sob o comando de Zidane e Thuram, a seleção francesa chegou à final contra a seleção da Itália. Prevendo conflitos após o jogo, Sarkozy mobilizou 18 mil policiais para a região de Paris, além de outras medidas de controle. O que ele jamais iria imaginar é que o grande problema seria não nas ruas, mas no campo, com o famoso coup de boule – literalmente “golpe com bola”, a bola sendo neste caso a cabeça.

Nas ruas, carregando bandeiras da França e da Argélia, as pessoas gritavam “Zzzzizzou Presidente.” Enfim, Zidane teria, inexoravelmente, um lugar no Pantheón, o templo dos heróis franceses. Ele dançou o seu balé maravilhoso contra a Itália, diante de uma audiência de três bilhões de pessoas. O jogo terminou o seu tempo normal em 1 x 1 e foi para a prorrogação. Faltando dez minutos para o final, Materazzi puxou a camisa de Zidane. De acordo com o italiano, Zidane disse: “Se você quer minha camisa, eu posso lhe dar no fim do jogo.”( p. 249). Zidane voltou ao jogo e Materazzi seguiu insultando-o. Zidane voltou-se, correu para Materazzi e deu-lhe violenta cabeçada no peito, derrubando-o. De forma “invisível e incompreensível”, o lance foi visto por um pequeno número de espectadores e somente por replay pelos três bilhões de pessoas que assistiam ao jogo pela TV. Zidane foi expulso e a França derrotada nos pênaltis.

O mundo inteiro, e não só a França, perguntavam sobre o significado do ato de Zidane. Materazzi disse que sua provocação fora banal, comum no futebol. Três dias depois Zidane se pronunciou, dizendo que não estava feliz com o que aconteceu a dez minutos do final de sua carreira, mas as palavras que ouviu foram duras e cruéis, e ditas por várias vezes. Elas eram muito pessoais envolvendo sua mãe e sua irmã. E ainda havia o componente racista. Seu gesto foi apoiado por todas as pessoas da periferia parisiense e da Argélia, conhecedores do significado da honra, além de estar ligado a questões cruciais de uma história francesa marcada pelo racismo, a xenofobia e a exclusão social. Mais: como escreveu Anne Delbée,

se seu gesto tinha o sentido da perda da Copa do Mundo, ele também tinha reinventado o teatro. Era quase que, como seu ato final, Zidane tinha escolhido desconstruir o esporte, ao qual tinha devotado a vida. (p. 254)

Enfim, como sempre. Zidane incitava a pensar, a falar, a imaginar.

Este é um livro ainda mais atual hoje, pela grande emigração para a Europa, tornando a França mais explosiva do que há uma década, com constantes ataques terroristas. Pode ser lido como um romance, entretanto, narrando uma tragédia, talvez uma guerra sem fim.


Notas

1 A relação entre política e futebol era antiga. A partir de 1913, proliferaram os clubes de futebol com nomes inspirados no Islã, para diferenciar dos clubes vinculados ao colonizador. Os embates se davam nos campos e entre os torcedores, exigindo muitas vezes a intervenção policial.

2 Uma vergonha para o futebol, jogaram flagrantemente para empatar, pois assim ambas as seleções seriam classificadas. Foi na época um escândalo.

3 Valter Roberto Silvério (org.), Síntese da coleção História Geral da África: século XVI ao século XX (Brasília: UNESCO/ MEC/UFSCar, 2013), p. 567.

4 Consistia em que, na efetivação de um gol na prorrogação, indiferente ao tempo de jogo, o time tornava-se vencedor. Regra também conhecida como “morte súbita.”


Resenhista

Jeferson Bacelar – Universidade Federal da Bahia. E-mail: bacelarj@ufba.br


Referências desta Resenha

DUBOIS, Laurent. Soccer Empire: The World Cup and the Future of France. Los Angeles: University of California Press, 2011. Resenha de: BACELAR, Jeferson. Futebol e política racial: uma França explode! Afro-Ásia, n. 55, p. 309-316, 2017. Acessar publicação original [DR/JF]

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