Como muito bem indicado por Mônica Dias Martins, no prefácio da edição brasileira do livro Sob Três Bandeiras de Benedict Anderson, ele “representa certa mudança no paradigma de como se estudam os nacionalismos” (p.15). Isso parece correto na medida em que é possível observar que ele desenvolveu uma análise que perpassa um conjunto de dados muito bem apresentados e analisados. Anderson se distancia, por exemplo, da clássica escrita de Hobsbawm, sobre os nacionalismos, já que não se ancora em dados não referenciados ou pouco referenciados em fontes, mas que desenvolve uma análise ampla que atravessa espaços continentais e não se restringe à preponderância dos problemas europeus. Seu trabalho não é original em relação à temática porque, anteriormente, já havia escrito Comunidades imaginadas, seu texto de referência sobre o nacionalismo, assim como Nação e consciência nacional, todavia é original ao vincular o anarquismo e a imaginação anticolonial ao que ele chamou de “Era da globalização primitiva”.
Cuba, China, Japão, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, França, são alguns dos países que integram essa tensa “Era”. Anderson demonstrou, principalmente a partir de dois autores, Isabelo de los Reyes e José Rizal, como se configurou o levante em prol da independência das Filipinas em relação à Espanha e como as ideias transitaram pelo mundo no sentido de encontrar formas de estruturação da sociedade, distintas das que, até então, estavam vigentes, sob rédeas do capitalismo ocidental. Daí o sentido do subtítulo Anarquismo e imaginação anticolonial.
As fontes utilizadas por Anderson se baseia nos romances El filibusterismo e Noli me tangere de Rizal; e El Folk-lore filipino, de Isabelo de los Reyes, mas também utilizou as cartas trocadas entre esses e outros intelectuais e militantes. Ademais, utilizou-se de uma ampla bibliografia para a análise.
O percurso da escrita de Anderson se inicia, nos dois primeiros capítulos, com uma análise que se aproxima mais da crítica literária, já que parte da busca das relações que podem ser inventariadas no romances El Folk-lore filipino, de 1887, e El filibusterismo, de 1891. Já no capítulo três, a preocupação do autor recai sobre a percepção do deflagramento de uma perspectiva política, a partir dos dois romances. Nesse terceiro capítulo, Anderson parece incorporar os princípios de uma sociologia do romance, muito bem expressa na obra de Lucien Goldmann, apesar de não mencioná-lo, para compreender o romance a partir das experiências de Rizal.
O quarto capítulo se dedica, de forma acentuada, a quatro anos da vida de Rizal, entre o seu retorno do exílio e a sua execução em 1896. Nesse capítulo, é interessante notar como toda a conjuntura global influenciou, de uma forma ou de outra, a produção desse intelectual. Anderson consegue, de forma clara, traçar uma relação entre o que estava ocorrendo na Europa, mais especificamente, na Espanha e na França, mas também o que estava acontecendo nas Filipinas e em Cuba. Assim, essa parte do seu texto se torna chave para compreender os aspectos que foram importantes para configurar um espírito de nacionalidade nos habitantes das Filipinas, a tal ponto que houve o caso, citado pelo autor, de que Rizal fundou a Liga Filipina, com claros interesses nacionalistas, e que a partir de sua proposta e de sua produção um grupo clandestino organizou um levante contra o domínio espanhol, baseado em Rizal mas sem que, necessariamente, ele estivesse de acordo.
É nessa linha que o quinto e último capítulo se estrutura. A partir do trabalho de Rizal, executado pelo governo espanhol, nas Filipinas, é que outros contemporâneos puderam assumir uma postura mais sistematizada contra o governo espanhol, em prol de sua independência. Fora isso, Anderson também deixou clara as relações internacionais, que se manifestavam à época, como os interesses do Japão, ou dos Estados Unidos em ajudar ou não no movimento pró-independência filipino.
Tomando isso por referência, nota-se que esse trabalho de Anderson é muito importante tanto no que se refere ao seu conteúdo, quanto ao seu trato epistemológico, dado que ele fornece um bom exemplo de como e porque se trabalhar a partir de relações locais e globais em história, assim como sinalizou a importância da literatura e da imprensa enquanto fontes históricas.
Resenhista
Fábio Luiz de Arruda Herrig – Doutorando em História pelo PPGH/UFGD. Atualmente está na Espanha, na modalidade de Doutorado Sanduíche na Universitat de Barcelona, com bolsa CAPES/PDSE. E-mail: karaiarruda@gmail.com
Referências desta Resenha
ANDERSON, Benedict. Sob Três Bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas-SP; Fortaleza-CE: UNICAMP; Universidade Estadual do Ceará, 2014. Resenha de: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.19, n.33, p.192-193, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]
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