Uma jornada pelas sensibilidades
A escrita da história produzida sob a perspectiva cultural está embasada, fundamentalmente, nos usos de conceitos que se apresentam como imprescindíveis para a sua aplicação teórica e metodológica. Destacam-se, dessa forma, as reflexões abstratas e os estudos de efetiva aplicabilidade de termos como “representação”, “imaginário”, “memória” e “sensibilidade”, entre aqueles que podemos considerar como essenciais. Na origem etimológica latina, de acordo com seus registros escritos, o termo sensibilìtas remete a meados do século XV, apresentando-se em linhas gerais como a faculdade humana concernente ao âmbito primário das percepções, impressões e intuições. Séculos no XVIII, Immanuel Kant1 enfatizou, em linhas gerais, que o conflito existente entre a “sensibilidade” e a “razão”, delegando a primeira ao âmbito da natureza dos instintos dos indivíduos e não à racionalidade e ao conhecimento científico.
Como referido pela historiadora Sandra Jatahy Pesavento2, podemos considerar que é justamente este âmbito das experiências humanas que se transforma “em sensações e emoções, na esfera quase imediata dos sentidos afetados por fenômenos físicos ou psíquicos, uma vez em contato com a realidade”. E foi nesta temática que se orientou a décima edição da Jornada de História Cultural, organizada pelo Grupo de Trabalho História Cultural da ANPUH-RS. A análise das sensibilidades é um dos elementos centrais da História Cultural, além dos conceitos mencionados anteriormente, implicando na tradução do sensível como uma forma das muitas possibilidades de conhecimento do mundo, caracterizando, ainda, imaginários sociais, subjetividades, emoções e sentimentos expressos. Nas marcas objetivas deste sensível, buscam-se novas formas para a significação do passado, considerando suas inúmeras fontes e vestígios históricos.
No entanto, apresentar todas estas possibilidades caracteriza-se como algo impossível, conforme acenado pelo historiador francês Roger Chartier3. Desta forma, têm-se a ciência de que os trabalhos aqui selecionados – dentre outros de excelente qualidade que se inscreveram e que poderiam estar aqui também publicados – apresentam nada mais do que estudos de caso, limitados pelo tempo de duração de um evento e pela limitação física de espaço onde este ocorreu. A X Jornada de História Cultural, realizada nas dependências do Santander Cultural, na cidade de Porto Alegre/RS, de 02 a 03 de setembro de 2011, propôs que fossem discutidos trabalhos e pesquisas completas que, a partir da perspectiva da História Cultural, pudessem unir temáticas no campo das sensibilidades, tais como cultura visual, testemunho, cidade, gênero e artes em geral. Nesses termos, o presente dossiê da Revista Latino-Americana de História, publicação administrada pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em História Latino-Americana da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, reúne dez comunicações feitas durante a programação do supracitado evento, cujas apresentações ocorreram em dois momentos distintos, em mesas nominadas “Cidade, patrimônio e linguagens” e “Emoções, família e corpo”.
No elenco de artigos publicados na presente edição, Danielle Heberle Viegas apresenta-nos algumas possibilidades de abordagens das sensibilidades a partir de pesquisas realizadas sobre as experiências urbanas na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Sandra Cristina Donnere e Laura de Leão Dornelles apontam, cada uma a sua forma, reflexões possíveis entre as questões concernentes à memória e ao patrimônio, tendo a primeira como pressuposto de estudo a Igrejinha Martin Luther, localizada em Porto Alegre, e a segunda as experiências verificadas na cidade argentina de La Plata. Newton Pinto da Silva traz-nos a temática da sensibilidade percebida por meio de representações de teatro conjugadas com os meios de registro televisuais, enquanto Luísa Kuhl Brasil propõe uma reflexão teórica sobre os usos sociais da fotografia.
A parceria feita entre Denize Terezinha Leal Freitas e Jonathan Fachini da Silva resultou em possibilidades de estudos sobre as sensibilidades verificadas por meio dos dados oferecidos pela demografia histórica. Já Liriana Zanon Stefanello apresenta-nos o produto de sua pesquisa nos acervos do Centro de Pesquisas Genealógicas, localizado na cidade sul-rio-grandense de Nova Palma. Luís Alexandre Cerveira retoma os estudos da Revolução dos Comuneros, do Paraguai da primeira metade do século XVIII, para nos propor uma reflexão sobre o âmbito sensível da paixão. Maíra Inês Vendrame debruçou-se sobre a documentação histórica que trata da imigração italiana no sul do Brasil para instigar, a partir do âmbito das sensibilidades, os desdobramentos de um crime realizado em meados de 1900. E, por sua vez, Paula Cristina Luersen propõe-se à realização de uma reflexão sobre as dimensões corporais e sensoriais deflagradas a partir do contato dos indivíduos frente às exposições da arte visual.
Agradecemos seu interesse pelos conteúdos publicados no presente dossiê da revista, estando esses, portanto, orientados pela temática da X Jornada de História Cultural, e tendo-se, assim, feito propostas de algumas reflexões sobre um dos pilares fundamentais da História Cultural: as sensibilidades. Também agradecemos aos colegas da Revista Latino-Americana de História, a quem desejamos grande sucesso no empreendimento editorial, pela disponibilidade e interesse em publicar os artigos acima mencionados. Aproveitamos ainda para convidar todos a participar das atividades propostas pelo GT História Cultural – ANPUH-RS, cujas informações podem ser obtidas no site www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs, em conteúdos atualizados periodicamente. Desejamos, por fim, uma boa leitura e esperamos que estas possam instigar muitas outras.
Saudações culturais!
Notas
1. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2009.
2. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histórica cultural: caminhos de um desafio contemporâneo. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy; SANTOS, Nádia Maria Weber; ROSSINI, Miriam de Souza. Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008. p. 14.
3. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 35
Organizadores
Nádia Maria Weber Santos – Comissão Organizadora da X Jornada de História Cultural – Sensibilidades.
Cláudio de Sá Machado Júnior – Comissão Organizadora da X Jornada de História Cultural – Sensibilidades.
Carmem Adriane Ribeiro – Comissão Organizadora da X Jornada de História Cultural – Sensibilidades.
Felipe Nóbrega – Comissão Organizadora da X Jornada de História Cultural – Sensibilidades.
José Carlos da Silva Cardozo – Comissão Organizadora da X Jornada de História Cultural – Sensibilidades.
Referências desta apresentação
SANTOS, Nádia Maria Weber; MACHADO JÚNIOR, Cláudio de Sá; RIBEIRO, Carmem Adriane; NÓBREGA, Felipe; CARDOZO, José Carlos da Silva. Apresentação. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.1, n.2, p. 7-9, 2012. Acessar publicação original [DR]
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