Saussure: a invenção da Linguística – FIORIN et. al. (B-RED)

FIORIN, José Luiz; FLORES, Valdir do Nascimento e BARBISAN, Leci Borges (orgs). Saussure: a invenção da Linguística. São Paulo: Contexto, 2013.174 p. Resenha de: FARIA E SILVA, Adriana Pucci Penteado de. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.9 n.1 São Paulo Jan./July 2014.

Por que ainda ler sobre Saussure? Há obras, como a organizada por José Luiz Fiorin, Valdir do Nascimento Flores e Leci Borges Barbisan – Saussure: a invenção da linguística -, que respondem a essa pergunta e esclarecem o importante lugar que o mestre genebrino ocupa na cadeia discursiva da História das reflexões sobre a linguagem, integrando-se à série de homenagens no centenário de sua morte.

Saussure: a invenção da linguística organiza-se pela perspectiva de três reconhecidos saussurianos brasileiros – Fiorin, Flores e Barbisan -, os quais assinam o capítulo inicial, intitulado Por que ainda ler Saussure? Essa instigante indagação é o mote para o que o leitor vai encontrar nos onze capítulos que integram o livro. Nesse exórdio, os organizadores, antes de apresentar a estrutura da obra, inserem o discurso saussuriano em seu tempo, destacando outros discursos com os quais ele dialogou em sua constituição. Desenvolvem, então, fundamental reflexão sobre as fontes saussurianas, que inclui uma revisão das condições de produção do Curso de linguística geral (doravante CLG).

A importância da gênese desse marco fundador ganha destaque nas reflexões presentes no capítulo introdutório, em que se ressaltam, ainda, as mudanças ocorridas a partir de 1957, quando acontece a publicação da tese Les sources manuscrites du Cours de linguistique générale de F. de Saussure, de Robert Godel, que marca um período de (re)descoberta de fontes, dentre as quais os manuscritos de Saussure. Tais considerações levam os organizadores a concluir que os diálogos que se instauram hoje com o mestre de Genebra não prescindem do estabelecimento do ponto de vista do pesquisador, que, por sua vez, leva à opção de recortes na “infinidade de textos que integram o que poderíamos chamar de corpus saussuriano” (p.13). Esses recortes determinam os diversos corpora de pesquisa, como os estabelecidos pelos autores dos diversos capítulos de Saussure: a invenção da linguística.

O que, então, constitui o corpus saussuriano? Fiorin, Flores e Barbisan apontam como constitutivos das fontes: os textos publicados em vida por Saussure, a edição crítica de Rudolf Engler, o já citado trabalho de Robert Godel, os Cahiers Ferdinand de Saussure e uma série textos que cada descoberta de fontes levou os exegetas de Saussure a estabelecer. À apresentação desse amplo retrato do corpus saussuriano seguem-se considerações sobre a eleição de um corpus de pesquisa. Assim, Fiorin, Flores e Barbisan mostram que o objeto de cada pesquisador aponta para determinada seleção de um corpus, recorte que não se confunde com o universo que é o corpus saussuriano. Nessa discussão, trazem postulados de Bouquet, Kyheng e Trabant, autores que reconhecem a especificidade de cada fonte disponível e afastam-se de improdutivas discussões sobre o “verdadeiro” e o “falso” Saussure.

Os trabalhos que compõem os capítulos posteriores do livro têm em comum justamente o estabelecimento de recortes no corpus saussuriano e a definição de um corpus de pesquisa. Juntos, compõem “uma imagem da produtiva pesquisa saussuriana atual no contexto da Linguística brasileira” (p.17). Sem querer competir com a apresentação feita pelos próprios organizadores no capítulo inicial de Saussure: a invenção da linguística, destaco, a seguir, os autores dos trabalhos que compõem a obra e os temas por eles abordados.

Em Sobre mitos e história: a visão retrospectiva de Saussure nos três Cursos de Linguística Geral, Cristina Altman faz uma resenha crítica dos três cursos ministrados por Saussure e consegue, com isso, explicar a dimensão mítica do mestre de Genebra.

No capítulo seguinte, Uma contradição aparente em Saussure: o problema da relação língua-história, Márcio Alexandre Cruz questiona a representação de Saussure como fundador de uma ciência sincrônica e mostra como os discursos do genebrino são fundadores de diferentes abordagens da Linguística contemporânea, as quais não excluem de suas preocupações as noções de sujeito, sentido e história.

Eliane Silveira, em O lugar do conceito de fala na produção de Saussure, propõe-se a mostrar o caráter inacabado de um dos conceitos centrais da teoria saussuriana, postulando que a interpretação que aponta a exclusão da fala do objeto da Linguística não é a única possível. Para isso, mostra o lugar que o conceito ocupa numa das teorias com que Saussure dialoga, a Gramática Comparada, para, então, estudar esse lugar no CLG e nos manuscritos saussurianos.

Com O Curso de linguística geral: unde exoriar? Hozanete Lima, estabelecendo um diálogo entre o CLG e os manuscritos saussurianos, problematiza os conceitos de signo e de eixos paradigmático e sintagmático.

Valdir do Nascimento Flores, em Mostrar ao linguista o que ele faz: as análises de Ferdinand de Saussure, retoma as angústias do mestre de Genebra sobre o ofício do linguista e busca responder a uma série de questões: “Como Saussure caracterizou o fazer do linguista? Quais tarefas reservou-lhe? Que problemas supôs que deveria resolver?” (p.72) O autor deixa claro que as fontes que compõem seu corpus de pesquisa, que têm como eixo central o CLG, não trazem explicitamente repostas a essas perguntas. O fenômeno linguístico da analogia, entendido como criação, e não como mudança, é a categoria central nas análises do pesquisador, que consegue demonstrar o importante papel da fala na descrição do fazer do linguista que se depreende do corpus analisado.

Em seu Pequeno ensaio sobre o Tempo na teorização saussuriana, Maria Fausta Pereira de Castro reflete sobre o tratamento dado por Saussure à questão a língua em um estado específico ou numa sucessão de estados. Apoiada em reflexões de importantes exegetas saussurianos, articula a questão da ação do tempo sobre a língua com as noções de arbitrariedade do signo e de linearidade, ressaltando o papel da “massa falante” nessa discussão.

José Luiz Fiorin, em O Projeto Semiológico, explica que princípios centrais na construção saussuriana do objeto língua – como o da arbitrariedade do signo e do valor – são também fundamentais para o estudo das linguagens e, portanto, para os estudos semiológicos. O autor explicita como, no CLG, Saussure indica “duas dimensões no estudo da Semiologia: a do sistema e a do processo” (p.105). A partir de então, estabelece diálogos entre o projeto semiológico saussuriano que se depreende do CLG, o pensamento de Hjelmslev e teóricos que, de certa maneira, dão continuidade a esse projeto, concluindo que “Barthes e Greimas só puderam realizar a grande aventura semiológica do século passado depois do Curso de Saussure” (p.110).

Em Efeitos do pensamento de Saussure na teorização sobre erros e sintomas na fala, Maria Francisca Lier-DeVitto confere às falas sintomáticas um lugar no “tecido heteróclito das manifestações linguísticas” (p.115). Com isso, apresenta a contribuição teórica, metodológica e clínica que a (re) leitura da obra do mestre de Genebra e de seus exegetas deu para sua atuação como docente, linguista e pesquisadora, com destaque para as atividades relacionadas aos Grupos de Pesquisa sobre Aquisição de Linguagem do IEL-Unicamp e sobre Aquisição, Patologias e Clínica da Linguagem, do Lael-PUC-SP.

Mônica Nóbrega e Raquel Basílio, em A contribuição de Ferdinand de Saussure para a compreensão do signo linguístico, fazem uma delimitação precisa e muito bem justificada de seu corpus de pesquisa para, então, discutir a construção teórica saussuriana do conceito de signo linguístico. Abordam a relação do signo com a arbitrariedade, o sistema e a produção de valores. Apontam, ainda, para as contribuições de tal construção teórica para os estudos do interacionismo sociodiscursivo.

O capítulo Presenças do Curso de linguística geral na Análise do Discurso, assinado por Carlos Piovezani, problematiza a presença do discurso de Saussure a respeito da fala em discursos posteriores, com o objetivo de analisar o diálogo que se pode perceber entre os ecos do corpus saussuriano e os postulados da Análise do Discurso francesa, sobretudo no que se refere aos estudos de Pêcheux, Robin e Maldidier. Piovezani encerra as reflexões com uma análise desses ecos nos hodiernos estudos discursivos no Brasil, apontando, como fizeram alguns autores de capítulos precedentes, para equívocos por vezes flagrados na formação de nossos linguistas, já que “entre iniciantes, e eventualmente, mesmo entre iniciados, não são raros os casos em que somente se reitera a censura cristalizada às pretensas ‘exclusões’ promovidas por Saussure […]” (p.157).

Encerrando a obra, Leci Borges Barbisan, em Do signo ao discurso: a complexa natureza da linguagem, propõe que a defesa da indissociabilidade entre língua e discurso pode ser depreendida de trechos do CLG e dos Écrits de linguistique générale, embora encontre aí apenas questionamentos, e não respostas, sobre a atuação das noções de valor e de relação para que o signo “constitua discurso” (p.166). Segundo a autora, uma possível resposta para a questão estaria na Semântica Linguística e na Teoria da Argumentação da Língua, de Ducrot.

Muitos são os diálogos que os autores de Saussurea invenção da linguística estabelecem e muitas são, também, as salutares lacunas da obra. Destinada a um público amplo, deixará ávidos por um segundo volume estudiosos de escolas e correntes de pensamentos linguísticos e discursivos que não foram abordados em sua relação com o pensamento saussuriano, como a Análise do Discurso de linha bakhtiniana ou a Linguística Textual.

Para todos, porém, iniciantes ou iniciados nos estudos linguísticos e discursivos, torna-se obra obrigatória e constitutiva do corpus saussuriano do Brasil.

Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva – Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, Bahia, Brasil; appucci@uol.com.br.

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