Rumos da Sociologia na educação básica: ENESEB 2017/ reformas/ resistências e experiências de ensino | Haydée Caruso e Mário Bispo dos Santos
O livro abarca os Grupos de Trabalho do Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica realizado no ano de 2017. O ENESEB ocorre com frequência bianual no contexto da Sociedade Brasileira de Sociologia.
Por tratar-se de uma coletânea de artigos, os textos apresentam de forma compacta, o resultado da reflexão realizada sobre o Ensino de Sociologia na educação básica, levando em consideração as conquistas e derrotas dessa disciplina nos últimos anos. São várias as possibilidades de investigar e analisar esse tema que vão desde uma revisão histórica da participação da Sociologia na educação básica passando por questões que envolvem a formação de professores até a formação política dos alunos de ensino médio. As análises podem discutir a relevância do ensino de Sociologia de distintas maneiras: nas licenciaturas e nas escolas através do PIBID, nas discussões sobre inclusão social, e ainda na utilização das novas tecnologias de informação.
Para facilitar a leitura, a obra foi dividida em quatro sessões num belo trabalho coletivo envolvendo trinta e quatro autores. A primeira delas é formada por três conferências que abordam circunstâncias passadas e presentes sobre a educação e o ensino da Sociologia no Brasil, a segunda sessão apresenta uma síntese dos debates realizados nos grupos de trabalho, a terceira sessão expõe experiências biográficas de professores de Sociologia na forma de rodas de conversa. Finalmente a quarta sessão é composta por uma relação das apresentações realizadas no V ENESEB e uma breve biografia de cada um dos autores.
Dando continuidade a resenha, passo a apresentação de cada um dos artigos, seguindo a divisão das três primeiras sessões.
1ª Sessão: Conjuntura e Ensino de Sociologia: desafios e possibilidades para o futuro da Sociologia na educação básica
No texto “Os ciclos dos nossos patrimônios intelectuais, educacionais e pedagógicos: o que temos e o que está sob ameaça? Ileizi Fiorelli Silva traz um diálogo entre a autora e duas grandes figuras da educação brasileira – Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Ao longo de uma conversa imaginária, a autora faz uma revisão das lutas, dificuldades e conquistas enfrentadas para ampliação do acesso à educação e também da inserção e manutenção da Sociologia na educação básica.
Por tratar-se da transcrição de uma conferência, o texto transmitiu um panorama histórico da educação brasileira muito bem construído, numa linguagem acessível e atual. Além disso, a autora nos estimula a não desistir das lutas educacionais.
O segundo texto da primeira sessão “Reflexões sobre a Sociologia na educação básica em tempos de retrocesso” da autora Danyelle Nilin Gonçalves, apresenta de forma bem direta os avanços e retrocessos do Ensino de Sociologia na educação básica brasileira. Ela também aponta para as fragilidades das conquistas educacionais num contexto de incerteza em que a Sociologia e outras Ciências Sociais são acusadas de promover doutrinação política e ideológica, através do fortalecimento do movimento “escola sem partido” que promove a denúncia e perseguição de educadores, retrocessos na seleção dos livros didáticos e em debates sobre as políticas de cotas e de acesso ao ensino superior.
O terceiro artigo dessa sessão intitulado “Neoliberalismo, (contra)reformas e educação” da autora Sueli Guadelupe de Lima Mendonça, debate o conjunto de contrarreformas promovidos pela política neoliberal iniciada no governo Temer e que segue seu curso no governo atual com a precarização do trabalho docente. A retomada de um pensamento ultraconservador, associada a um desmonte neoliberal da educação com fins de mercantilização, ameaçam a manutenção da educação pública.
2ª Sessão: Grupos de Trabalho: balanços e perspectivas
Nessa sessão a maioria dos autores optou por apresentar um balanço das atividades realizadas em cada grupo de trabalho e um resumo dos trabalhos apresentados no ENESEB 2017.
O primeiro artigo é dos autores Rafael Moreira do Carmo e Marco Aurélio Pedrosa de Melo, “Um balanço do debate sobre a atualidade do trabalho docente no Ensino de Sociologia”. O texto apresenta um levantamento das condições de trabalho do professor de Sociologia no seio das escolas públicas. Para isso, os autores fazem um levantamento do Ensino de Sociologia entre os anos de 2008 e 2018, evidenciando o fortalecimento da disciplina no contexto escolar e sua influência na estruturação dessa categoria profissional. O grupo de trabalho levou em consideração três elementos para distribuição de sua análise sobre o trabalho docente no ensino de Sociologia: a atualidade, a organização e seus aspectos pedagógicos. As pesquisas apresentadas nesse grupo de trabalho se mostraram frutíferas em retratar a prática docente de Sociologia em aspectos como didática e currículo. O grupo de trabalho também relacionou o trabalho docente com a atualidade, onde a educação, e por conseguinte, a docência vêm sendo instrumentalizadas com um discurso empresarial.
O segundo texto dessa sessão chama-se “Percepções, representações e situações de violências no ambiente escolar e seu entorno social” das autoras Haydée Caruso e Nalayne Mendonça Pinto. O artigo tem dois objetivos: o primeiro é fazer um resumo dos trabalhos apresentados no GT “Percepções, representações e situações de violências no ambiente escolar e seu entorno social”, realizado no V ENESEB. O segundo objetivo é fazer uma análise teórico-metodológica, articulando os diversos estudos apresentados. Para tanto, as autoras percorrem um caminho entre o debate sobre o conceito de bullying e seu reconhecimento normativo no Brasil, até a resposta militar apresentada em alguns estados a questão da “falta de autoridade dos professores” e “indisciplina dos alunos”. As autoras concluem o texto apontando elementos que devem ser melhor investigados tais como: o estigma associado a jovens estudantes de camadas populares, negros e de escolas públicas, a noção de “aluno problema”, a incorporação de elementos externos para resolução de conflitos que ocorrem no ambiente escolar, como acionar o conselho tutelar ou a polícia militar. Ademais, a falta de diálogo no ambiente escolar e as intimidações sofridas por estudantes estão presentes como aspectos da vida escolar que devem ser mais estudados.
O terceiro texto “Pensar as culturas juvenis para ensinar Sociologia” de Isaurora C. Martins de Freitas e Irapuan Peixoto Lima Filho, faz uma revisão do GT Culturas juvenis na escola. Os autores indicam a importância do protagonismo dos jovens na sua formação escolar. O texto ao apresentar as pesquisas envolvidas, faz uma reflexão sobre como fazer com que os jovens se interessem pelas aulas de Sociologia e que até utilizem esse conhecimento no seu cotidiano, aproximando a disciplina da vida juvenil, rompendo a barreira do vocabulário e da abstração de seus conceitos.
Lígia Wilhelms Eras e Fernanda Feijó, apresentam sua reflexão no quarto texto “O universo digital no espaço das metodologias de ensino de Ciências Sociais/Sociologia na educação básica: experiências, lacunas e perspectivas.” O texto é fruto do GT “Os professores de Ciências Sociais/Sociologia no mundo digital: as metodologias de ensino em Ciências Sociais na Educação Básica”. As conversas se pautaram na utilização das TIC’s [2] no universo escolar, buscando identificar sua funcionalidade no ensino de Ciências Sociais. Por tratar-se de uma novidade, as autoras perceberam muitas incongruências teórico-metodológicas nos trabalhos apresentados, mas que foram resolvidas no debate. O artigo aponta que as TIC’s são um recurso didático precioso quando bem mediado pelo professor. Todavia, ainda há uma escassez estrutural que permita utilizar de forma mais ampla esse recurso no ensino básico. Dessa forma, os professores que desejam utiliza-las tem que ser criativos em manejar os recursos existentes, por exemplo os smartphones dos alunos.
No artigo “As modalidades diferenciadas de ensino e a Sociologia: muitos diálogos urgentes a se estabelecer para o fazer sociológico na educação básica”, Rogéria Martins e Luiz Fernandes de Oliveira, apresentam os resultados do GT “Ensino de Sociologia nas Modalidades Diferenciadas de Ensino”, que analisa o “fazer sociológico” em contextos de educação indígena, quilombola, educação de jovens e adultos, dentre outras. O texto apresenta o resultado das pesquisas nessa temática associado a uma reflexão crítica do lugar da educação dos “socialmente diferenciados” no atual contexto brasileiro.
Os autores Cristiano das Neves Bodart, Marcelo Cigales e Antonio Alberto Brunetta apresentam suas considerações sobre o GT “História do Ensino de Sociologia no Brasil”. O artigo “A pesquisa sobre a história do Ensino de Sociologia no Brasil, aponta os avanços e retrocessos no Ensino de Sociologia. Os autores fazem um balanço dos trabalhos apresentados demarcando três pontos: a história da Sociologia como uma agenda nacional e regional; um olhar sobre a história da Sociologia voltado para escola e o fato de que a história do ensino da Sociologia precisa dialogar com outras disciplinas. Os autores indicam que há um número significativo de estudos sobre a história do ensino da Sociologia, e ainda que essa história é construída através da ação de vários agentes com narrativas distintas. Lamentavelmente, o tom conservador adotado nos últimos anos ameaça a ampliação da disciplina no país.
“O livro didático de Ciências Sociais: contribuições e disputas na construção do campo de ensino de Ciências Sociais”, escrito por Débora Cristina Goulart e Diogo Tourino de Sousa, apresenta várias considerações sobre a produção e utilização dos livros didáticos de Ciências Sociais no Brasil. Os autores não fazem uma apresentação de cada um dos trabalhos apresentados. A opção foi fazer um levantamento da formação, região e área de ensino dos autores que participaram do GT “O livro didático de Ciências Sociais: avanços e desafios”.
Amurabi Oliveira e Leandro Raizer, no texto “Formação de Professores de Ciências Sociais”, trazem uma reflexão panorâmica sobre os trabalhos apresentados no GT de mesmo título do artigo. Segundo os autores, o tema do GT inicialmente era um debate periférico, mas que nos últimos anos ganhou espaço após a reintrodução da Sociologia como disciplina obrigatória no currículo escolar e a criação de um mestrado profissional. O GT sintetizou vários pontos de debate que vão desde a reforma dos currículos das licenciaturas, passando pelo diagnóstico dos estágios supervisionados e o perfil dos egressos até a relevância do PIBID e de outros projetos de extensão para qualificação da formação dos professores de Sociologia.
No artigo “O PIBID e a formação docente em Ciências Sociais: permanência das possibilidades frente as novas diretrizes do programa”, as autoras Marili Peres Junqueira e Rosângela Duarte Pimenta, apresentam o resultado do GT “PIBID e a formação docente em ciências sociais: limites e possibilidades”. O artigo rememora o percurso do PIBID e seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que reflete sobre a trajetória do GT, passando por um resumo dos trabalhos apresentados em 2017. As reflexões apontam que o PIBID foi um divisor de águas na formação docente, principalmente pela aproximação que promove entre o formando e o “chão” da escola, criando laços mais fortes entre os futuros professores e os alunos da educação básica.
Alexandre Jeronimo Correia Lima, Manoel Moreira de Sousa Neto, Simone Meucci e Tabata Larissa Soldan, autores do artigo “Teorias e métodos para pesquisas sobre Ensino de Sociologia, relatam a primeira edição do seu grupo de trabalho. Segundo os autores, os trabalhos apresentados podem ser divididos em eixos temáticos: currículo e Ensino de Sociologia; percursos teóricos das pesquisas nas escolas; ferramentas metodológicas de pesquisa na área da Sociologia da Educação e trabalho docente. Os autores apontam que há muito o que ser debatido sobre os sujeitos e objetos tanto das pesquisas quanto das práticas pedagógicas do Ensino de Sociologia.
“Ensino de política no ensino médio? Conteúdos, metodologias e recursos didáticos na disciplina de Sociologia”, é o texto escrito por Renata Schlumberger Schevisbiski e André Rocha Santos, fruto das reflexões realizadas no GT “Os conhecimentos de política na disciplina de Sociologia no Ensino Médio: conteúdos, metodologias e recursos didáticos”. Algumas perguntas conduziram a proposta do GT: Qual o papel dos conhecimentos de política na escola brasileira? Como esse conteúdo deve ser abordado no currículo escolar? Em que momento deve ser oferecido? Com quais conceitos, temas ou teorias? Os autores empreendem uma síntese dos trabalhos apresentados e concluem que a Sociologia é uma disciplina com uma dimensão política muito forte e que abre possibilidade para o pensamento alternativo e para mudança da realidade social.
Seção 3: Rodas de conversa: memórias e narrativas autobiográficas de professores de Sociologia
A seção é composta por dois relatos biográficos de professores de Sociologia. O primeiro deles intitulado “Ser docente e formar docentes: reflexões sobre uma prática”, apresenta a trajetória da professora Bruna Lucila dos Anjos. O segundo texto “A formação identitária do professor de Sociologia: caminhos e descaminhos que levam os sujeitos de estudantes ao exercício da docência” que retrata as experiências do professor Marcos Antônio Silva.
Nota
2. Tecnologias de Informação e Comunicação.
Andréa Ana do Nascimento – Doutora em Sociologia em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente da Escola Nacional de Serviços Penais.
CARUSO, Haydée; SANTOS, Mário Bispo dos (Orgs.). Rumos da Sociologia na educação básica: ENESEB 2017, reformas, resistências e experiências de ensino. Porto Alegre: Editora Cirkula, 2019. Resenha de: NASCIMENTO, Andréa Ana do. O ensino da sociologia no Brasil: debates, pesquisas e perspectivas no contexto do ENESEB 2017. Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.4, n. 1, p. 183-190, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]