Rio Branco, a América do Sul e a modernização do Brasil | Carlos Henrique Cardin e João Almino

Para comemorar o primeiro centenário da posse do barão do Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores, a Funag, o Instituto Rio Branco e o Ipri organizaram um seminário no IRBr nos dias 28 e 29 de agosto de 2002. O encontro analisou a atuação de Rio Branco por meio de cinco enfoques: sua visão do Brasil e do mundo, seus contemporâneos, o trabalho pela modernização do Brasil, a política para as Américas e a política brasileira para o Prata. Os textos apresentados foram reunidos por Carlos Henrique Cardim e João Almino, dando origem ao livro lançado, em 2002, pela EMC Edições, prefaciado por Fernando Henrique Cardoso.

Na abertura dos trabalhos, Celso Lafer realçou a relação entre a tradição de uma diplomacia brasileira ancorada à história e à herança paradigmática do fazer diplomático do Barão como diretriz e orientação para as decisões do país.

A primeira sessão, que tratou dos aspectos de Rio Branco como administrador, homem de Estado, negociador e sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, pode ser lida como um bloco único. Enquanto para Rubens Ricupero, o Chanceler reinventou o papel do Itamaraty e da política externa brasileira, modernizando-o, para Arno Wehling, o Barão foi o homem de Estado cujos fundamentos políticos encontram-se no esteio da problemática atemporal embutida entre papel do homem de Estado e as forças profundas.

Na construção do seu estilo negociador calcado na defesa dos interesses nacionais e em toda sua obra de relação pacífica com os vizinhos, fortalecendo o país sem conquistar território alheio, três períodos de sua vida foram fundamentais de acordo com Synesio Sampaio: os estudos de Paranhos Jr., as defesas das causas fronteiriças e a gestão ministerial do Barão.

A relação de fidelidade de quarenta e cinco anos mantida com o IHGB se desdobrou em aspectos peculiares segundo o Embaixador João Hermes de Araújo, por ser o Barão o único sócio relembrado em cada sessão da Instituição com leituras das Efemérides.

A segunda sessão ressaltou a relação entre Rio Branco com quatro de seus contemporâneos: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Euclides da Cunha e Oliveira Lima. Com Nabuco e Rio Branco, Francisco Vinhosa ressaltou os aspectos da relação Brasil e Estados Unidos. Na ligação entre Rui Barbosa e Rio Branco, conforme Carlos Henrique Cardim, destaca-se a capacidade agregadora do Barão de convocar as melhores capacidades do país para contribuírem nas causas nacionais, que para Barbosa foi a oportunidade de colher na política exterior os melhores frutos de sua vida pública.

Alberto Venâncio Filho lembra o período por meio de cartas e da monografia do pai, Francisco Venâncio Filho, lançada por ocasião da Comissão Preparatória do Centenário de Rio Branco, evidenciando como duas pessoas tão diferentes, como Rio Branco e Euclides da Cunha, puderam ao longo de cinco anos ser colaborador e colaborado. Paulo Roberto de Almeida analisa as interações e divergências ocorridas entre Oliveira Lima e Rio Branco, reconstruindo suas trajetórias e rotas conflitantes na diplomacia e na política internacional.

A modernização do Brasil, vista pela terceira sessão, foi iniciada por Alberto da Costa e Silva, que entende que a mutação ocorrida no Itamaraty tendo por base o Quai d´Orsay e o Foreign Office, foi o fator que imprimiu confiança ao comportamento da diplomacia brasileira.

Amado Luiz Cervo ao analisar o Barão e a modernização da agenda brasileira centra-o em seu ambiente histórico, vendo coerência entre o modo como Rio Branco concebeu a função pública e implementou a sua teoria administrativa bem como, aqui concordante com Cardim, na escolha de seus auxiliares. Contudo, apesar da inter-relação entre a harmonia e a paz interna e os ganhos da imagem externa, Cervo contrapõe o enclausuramento de Rio Branco a seu tempo relacionado à incapacidade de agregar à política exterior a função de preencher requisitos de desenvolvimento.

O quesito modernização da defesa brasileira foi examinado pelo almirante Max Guedes, relacionando as preocupações do chanceler acerca das deficiências militares, o trabalho nas fronteiras e a necessidade de respaldo das Forças Armadas. Já Ronaldo Sardenberg verifica a influência do barão do Rio Branco na realização do III Congresso Científico Latino-Americano de 1905, no Rio de Janeiro, uma idéia encampada por ele, sobretudo em função de sua vontade própria e não de praxes e circunstâncias, que pode ser vinculado por duas qualidades suas: a devoção ao conhecimento e ao instrumento da pesquisa.

A quarta sessão do encontro norteou-se sobre a política das Américas. Clodoaldo Bueno, ao se debruçar sobre o projeto do Barão de América do Sul, salienta que, para Rio Branco, a melhor maneira de se proteger contra atentados à soberania era garantir a estabilidade política da região inserida na busca pela consolidação e ampliação da amizade brasileira com os países da América espanhola. Apesar de o Barão ver o Brasil de modo diferenciado do grupo latino-americano, ele não teve a pretensão de buscar a hegemonia dos objetivos mas sim de influência compartilhada com a Argentina.

As apreensões de Rio Branco com o pan-americanismo partiam do aspecto de ser esse um espaço de confluência entre as relações de vizinhança e com os Estados Unidos uma compreensão nascida nessa realidade com objetivos e percepções condicionados a ela. Destarte, a visão de Rio Branco para Gelson Fonseca Jr. é a de um multilateralismo soft, mais voltado para o espírito da cooperação do que para a definição de constrangimentos.

O Barão, ao ampliar o território nacional, segundo Steven Topik, precisou equilibrar o nacionalismo com o internacionalismo, bem como o laissez-faire com a economia pragmática, para elevar a posição do país perante a comunidade mundial.

A última sessão privilegiou a política do Chanceler no Prata, trazendo as visões de três nacionais. Para o brasileiro Luiz Felipe de S. Correa, Rio Branco foi um homem no sentido nietzcheano, original e coerente com a tradição histórica, o que faz com seu trabalho permaneça como a mais relevante obra da diplomacia nacional. Já o economista argentino Daniel Larriqueta vê o legado maior da obra de Rio Branco, homem dos encontros e para os encontros, assentada sobre o privilégio de liderar a modernidade sul-americana. O ex-presidente uruguaio Júlio Sanguinetti examinou a relação entre o Barão e o Uruguai relembrando as homenagens prestadas por esse país a Rio Branco. Desde estátuas e nomes de ruas até a lei que declarou luto nacional, atitude peculiar, já que nenhum outro Ministro de qualquer país estrangeiro mereceu tal honraria. A indisfarçável simpatia do povo uruguaio pelo Brasil foi determinante, segundo Sanguinetti, pelos acontecimentos vinculados à vida de Rio Branco.

À pergunta sobre a atualidade do Barão do Rio Branco, Vicente Marotta Rangel retruca afirmativamente por ser ele um exemplo expressivo de alguém em busca de contínuo aprimoramento de si mesmo e imbuído de um aspecto primordial: o serviço de seu povo e seu país. Rio Branco fixou, para Álvaro da Costa Franco na sessão de encerramento, um estilo de diplomacia, dotando o Ministério de um espírito patriótico e profissional.


Resenhista

Tereza Cristina Nascimento França


Referências desta Resenha

CARDIM, Carlos Henrique; ALMINO, João (Orgs.). Rio Branco, a América do Sul e a modernização do Brasil. Rio de Janeiro: EMC, 2002. Resenha de: FRANÇA, Tereza Cristina Nascimento. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.1, 2003. Acessar publicação original [DR]

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