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Revoluções, Insurreições e Resistências / Tempos históricos / 2017

O ano de 2017 foi um importante marco comemorativo da história mundial: a Revolução Soviética de 1917. Este fato foi relembrado mundo afora, acompanhado de lembranças sobre outros momentos importantes do movimento internacional dos trabalhadores. No caso brasileiro, a Greve de 1917, e vários outros momentos da luta da classe que se inspiraram de alguma forma na Revolução. Tivemos nesse ano uma profusão de publicações sobre aspectos distintos da Revolução: a experiência soviética; o papel das mulheres; a questão sexual; a produção revisionista, são apenas alguns deles. Noutros pontos do mundo, e especialmente na Europa, o discurso revisionista, que desde há décadas tem procurado, como se fizera já no período de entre guerras mundiais, demonizar a Revolução de Outubro e, por consequência, apresentar os processos revolucionários como “excrescências” da história, teve que se enfrentar com a renovação do interesse na investigação sobre os processos de participação política de massas e os novos movimentos sociais à luz das releituras empenhadas da revolução de 1917.

Embora durante muito tempo a revolução tenha sido tratada apenas pelo viés do Partido Bolchevique, as questões que foram mobilizadas por ela vão além do partido, e remetem a distintas questões da classe trabalhadora organizada. Se a revolução terá sido, como sublinhou Eric Hobsbawm no seu A era dos extremos, “o acontecimento central da história do séc. XX, da mesma forma como a Revolução francesa o foi do séc. XIX”, o conjunto do século foi marcado sem qualquer sombra de dúvidas pela experiência soviética, seja do ponto de vista da classe, como da burguesia que se organiza contra ela. “A Revolução de Outubro suscitou o maior, de longe, movimento revolucionário organizado da história moderna”, fazendo com que “ao fim de apenas 30 ou 40 anos da chegada de Lénine à Estação da Finlândia em Petrogrado”, em abril de 1917, um terço da humanidade vivesse sob regimes que decorriam diretamente dos ‘Dez das que abalaram o mundo'”, como lhes chamou John Reed. De uma forma ou doutra, todos os movimentos emancipatórios do séc. XX se inspiraram nos bolcheviques na sua luta contra o imperialismo como modelo de dominação no mundo industrial e pós-industrial. Em consequência, a partir de então, as estratégias de resistência e de recuperação do imperialismo ao longo do século XX estiveram diretamente vinculadas aos avanços concretos do anticomunismo, e após a II Guerra Mundial, pela Guerra Fria.

O final do século XX trouxe as ideologias do “fim do comunismo” e dos fins “da ideologia”, com a implantação da doutrina do “pensamento único”. Tudo isso nos fez imaginar que esse centenário passaria em branco e que o máximo que nos proporcionaria seriam discursos saudosistas ou textos revisionistas fragmentários. Felizmente, não foi isso que vimos. A Revolução foi retomada como problema histórico, novos personagens vieram à luz da pesquisa histórica, novos problemas foram colocados. Somente no Brasil foram dezenas de eventos alusivos à Revolução Russa. Os mesmos geraram e ainda vão gerar discussões, artigos e livros sobre distintos aspectos da revolução.

Ao mesmo tempo, experiências como nosso dossiê também se inserem nas distintas propostas que buscaram pautar os movimentos revolucionários do século XX, seus sujeitos, seus problemas, seus limites e possibilidades. O dossiê reúne um conjunto de oito artigos que tratam de distintos momentos de processos revolucionários, ou de discussões que se inseriam em posições, sejam anarquistas, socialistas ou comunistas sobre formas de combater o capitalismo ao longo do século XX. Essa história inconclusa chega ao século XXI, com as novas esquerdas e direitas e com os movimentos sendo retomados, e são esses os temas abordados no dossiê.

O movimento operário carioca em perspectiva nas páginas da Revista Gil Blas (1919-1920), de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus é o primeiro artigo do dossiê. Revistas podiam ser porta-vozes de projetos, como neste caso, portadora de um projeto liberal, mas não podendo abrir mão de pautar as questões concernentes à classe operária, efervescente no período analisado. Mesmo com posição liberal, a revista não abriu mão completamente de dar voz aos próprios operários, conforme apresenta o autor, que busca contextualizar as posições do anarquista José Oititica na revista Gil Blas. Entretanto, outras posições operárias também eram trazidas, apontando para uma diversidade de posições apresentadas, pela revista no período analisado, endossando a tese da falta de clareza ideológica daquele período por parte da classe trabalhadora.

Socialismo e Revolução nas páginas do Clarté, de Michel Goulart da Silva também trata de um grupo que se organiza, a partir de uma perspectiva inspirada na Revolução Russa, por um viés socialista reformista. Um grupo sediado em Paris, passa a constituir no Brasil um grupo com o mesmo nome, publicando igualmente uma revista no Brasil, com contatos com outros grupos na Argentina. Divulgadores da Revolução Soviética, não eram totalmente identificados com o comunismo, não havendo identificação significativa com o PCB. Este é um dos temas explorados com detalhes pelo autor do artigo.

O artigo Bandeiras negras contra camisas verdes: anarquismo e antifascismo nos jornais A Plebe e A Lanterna (1932-1935), de André Rodrigues enfatiza a posição dos jornais anarquistas para um problema social concreto, a emergência do fascismo e as disputas acirradas entre as divergentes posições ideológicas. Os jornais fizeram parte da ampla militância antifascista de seus diretores, em um momento em que o movimento integralista tinha grande força mobilizadora junto a parcelas das camadas baixas da sociedade. Da mesma forma, destaca-se que o estudo busca o movimento anarquista não nos reconhecidos anos 1910 ou 20, mas mostra que nos anos 1930 o movimento também existiu, não tendo acabado quando a classe teria descoberto o comunismo como única alternativa. Ademais, a sua atuação pode ser vista no sentido amplo de uma imprensa que era parte organizativa de grupos que também faziam a luta de rua, lutando abertamente contra o fascismo daquela época.

Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história, memória e política, de Iracélli da Cruz Alves contribui para desmistificar um tema recorrente, o tratamento dado ao feminismo pelos comunistas no Brasil. Mas essa posição era divergente no próprio âmbito comunista, em que parte das militantes preferiam ser chamadas de “militantes femininas” a “militantes feministas”. Há ainda uma discussão histórica acerca do problema, que tem desdobramentos na historiografia. Já que o tema passa a comparecer na historiografia a partir do período de redemocratização, há uma forte tendência a situar o feminismo apenas a partir da experiência das militantes exiladas durante a ditadura e que teriam vivenciado as experiências do maio francês. A autora mostra, a partir da pesquisa, os erros dessa posição.

Perspectivas teóricas, trajetória e o projeto político dos comunistas cubanos durante a década de 1940, de Ana Paula Cecon Calegari traz a questão do comunismo antes da Revolução Cubana, através do projeto político do Partido Socialista Popular (PSP). A Revolução não foi um “raio em céu azul”, embora não estivesse escrita nos anos 1940, foi a existência de movimentos políticos comunistas anteriores que ajuda a compreender o seu sucesso. Utilizando elementos de análise de discurso, a autora busca perceber elementos políticos os discursos presentes na imprensa dos comunistas.

“Rompendo com a natureza artesanal de nosso funcionamento”: ações armadas do PCBR na Bahia e seu pragmatismo revolucionário durante a década de 1980, de Lucas Porto Marchesini Torres traz uma experiência pouco conhecida do público leitor. Trata-se de um estudo sobre um grupo que realizava ações armadas de expropriação de bancos, já na década de 1980, e ligados ao Partido dos Trabalhadores. De forma problematizadora, o autor indaga a versões correntes sobre o fato e apresenta a complexidade dos elementos envolvidos, sobretudo no assalto malogrado na Bahia, em 1986. Mostra que a democratização do final dos anos 1980 foi muito mais conflituosa e complexa para a classe trabalhadora do que a história oficial até hoje busca demarcar sobre aquele período de “odes à democracia”.

Nuevas izquierdas y nuevas derechas: debates em torno a la conceptualización de los processos políticos latino-americanos recientes, de Hugo Daniel Ramos, traz o tema para o tempo presente e para as “novas esquerdas”, relacionadas com as “novas direitas” na América Latina. Faz um apanhado as características principais do material proposto para análise, um conjunto de textos do que chama de “nova esquerda” e uma pequena amostra de textos de direita. Em segundo momento, busca sintetizar a bibliografia sobre os governos considerados de “nova esquerda” na América Latina. Por fim estabelece conclusões provisórias, entre as quais, a ineficácia do par antitético esquerda x direita” para qualificar os grupos sociais da atualidade.

A esfinge da esquerda brasileira: decifrando junho a partir de Porto Alegre e de um novo ciclo de greves e lutas sociais, de Carlos Fernando de Quadros; Frederico Duarte Bartz; Guilherme Machado Nunes discute as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, estudando o caso de Porto Alegre. Mostra o efetivo aumento de manifestações de rua de caráter rebelde e não centralizado. Discute as leituras feitas pela esquerda hegemônica no Partido dos Trabalhadores que busca vincular o Golpe de 2016 à emergência dessas manifestações de 2013.

Manuel Loff – Professor Associado no Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais (área de História Contemporânea) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

Carla Luciana Silva – Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Marechal Candido Rondon.


LOFF, Manuel; SILVA, Carla Luciana. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.21, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Itamar Freitas

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