Na fatídica reunião do Conselho de Segurança Nacional realizada em 13 de dezembro de 1968, que baixou o Ato Institucional número 5, o coronel e ministro do trabalho Jarbas Passarinho assim justificou o seu voto: De minha parte, senhor presidente, quero, já que estamos em uma sessão histórica, quero me referir às vezes que ouvi de Vossa Excelência, não só coletivamente, como individualmente em despacho, palavras remarcadas de absoluta sinceridade, pois Vossa Excelência não estava, em nenhum momento, sendo menos sincero do que é agora, neste instante, quando Vossa Excelência, inclusive, aqui mesmo neste palácio, no dia do seu aniversário, chamou a atenção para o peso da responsabilidade da ditadura sobre os ombros dos homens, mesmo que fosse um triunvirato, que fosse um colegiado. Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim, e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar para o caminho da ditadura pura e simples, mas parece que claramente é esta que está diante de nós. Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracterizaria a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência. E quando nós encontramos a necessidade de tomar uma decisão fundamental, tudo aquilo que fundamental é em condições normais, passa a ser secundário em condições anormais.
Apesar de longa, essa citação é importante, pois nos mostra os argumentos e as justificativas que sintetizaram não só o golpe militar de 1964, mas também os meandros da montagem do regime ditatorial e dos mecanismos de repressão – e sem nenhum peso de consciência. Aliás, a frase de Passarinho, “às favas todos os escrúpulos de consciência” demonstra tudo o que é de mais repugnante e pérfido nas mentes e nos corações daqueles homens, militares e civis, que cassaram a democracia e a liberdade do país por 21 anos.
As ações do Estado Autoritário foram marcadas pela efetivação de instrumentos de exceção muito poderosos, os quais visavam silenciar a oposição política e todos aqueles que pudessem questionar o status quo estabelecido. Atos institucionais foram decretados com a finalidade exclusiva de conter reações adversas, primeiramente no âmbito do Congresso Nacional, onde vários mandatos eletivos foram cassados. À medida que os militares foram se perpetuando na esfera do poder, novos mecanismos de exceção ganharam espaço no cenário político. Só para lembrar, durante o regime militar brasileiro foram editados 17 atos institucionais, dos quais o mais polêmico e violento foi o de número 5. O AI-5 suspendeu o princípio de habeas corpus e instituiu de forma clara e objetiva a tortura e a violência física contra os opositores do regime.
O discurso construído pelo regime militar apontava para a ideia de que a sociedade brasileira corria perigo, e em nome da segurança nacional era preciso combater o inimigo interno. A dureza desse combate, assinalada por uma desigual e assimétrica relação de forças existente entre o governo e as forças de oposição, sobretudo as organizações clandestinas, foi ofuscada pelo deslanche do milagre econômico, que se processou na economia brasileira, com maior intensidade, entre os anos de 1968 e 1973.
Paralelamente a uma economia pujante e a uma ação de marketing eficiente do regime, a radicalização política mostrava seu poder de ação e atingia seu ápice. As forças de segurança adquiriam robustez e se agigantavam, pois o contexto era propício, afinal de contas, o fim da década de 1960 e o início dos anos de 1970 presenciaram a intensificação das ações da esquerda armada. O resultado foi uma revanche desencadeada pelo governo militar destinada a desbaratar os organismos guerrilheiros.
Por isso o aparato de repressão no período militar teve o seu potencial de ação aumentado, sobretudo com a criação do CODI-DOI, em janeiro de 1970. A repressão, a partir de então, institucionalizou-se em várias regiões brasileiras.
No segundo semestre de 1970, o CODI e o seu executor, o DOI, foram montados em várias regiões brasileiras. Em São Paulo a OBAN foi na sede do I Exército, no Rio de Janeiro, na sede do IV Exército, em Recife e no Distrito Federal. Em 1971 surgiram os CODI-DOI da 5ª Região Militar, em Curitiba, da 6ª Região Militar, em Salvador, da 8ª Região Militar, situada em Belém, da 10ª Região Militar, localizada em Fortaleza e na 4ª Divisão do Exército, em Belo Horizonte. No Rio Grande do Sul, o CODI-DOI começou a funcionar apenas em 1974 (conforme narra Carlos Fico em seu livro Como eles agiam…).
Pode-se ver, assim, que o crescimento do sistema de repressão se mostrou atuante e operacional em vários Estados do país. A estrutura CODI-DOI estendeu os seus tentáculos para outros locais e junto com eles transportou a institucionalização da tortura como prática recorrente para a preservação da segurança interna.
Nesse livro Leandro Brunelo reconstitui um pouco desses cenários. O autor soube contextualizar o ambiente político brasileiro descrito acima, problematizando os principais elos da composição de um regime militar e de um aparato de repressão poderosos, focando sua análise – e eis um dos méritos do trabalho – em um ambiente regional, o Estado do Paraná. Ao trabalhar um evento específico, regional, Brunelo não deixa de inserir a sua análise no contexto mais amplo e nos problemas que definiam, naquele momento, a realidade política do país.
Ao dissecar a chamada “Operação Marumbi”, uma bem-sucedida ação policial levada a cabo no ano de 1975 pelos agentes do DOPS e CODI-DOI instaurado na 5ª. Região Militar do Exército em Curitiba, Brunelo faz uma reflexão sobre as atividades políticas dos agentes sociais que foram presos e os motivos imediatos e aparentes que justificaram a necessidade do estabelecimento de tal ação.
Como o próprio autor explica na introdução ao livro, a “sustentabilidade da hipótese elencada, ancorou-se numa importante e rica base de análise que foi um Inquérito Policial-Militar – IPM 745 – que foi instaurado após o término da Operação Marumbi, e que permitiu identificar as vozes da polícia política e, por sua vez, as vozes e os fragmentos do cotidiano dos comunistas”.
Aqui está outro mérito importante da pesquisa em tela. Brunelo mostra perspicácia e criatividade na análise de uma ampla documentação, que passa pelos -Inquéritos Policiais Militares, pelos relatórios das Delegacias Especializadas de Ordem Política e Social (DOPS), por vários depoimentos de militantes em livros e revistas e por uma ampla consulta aos jornais da época.
Leandro Brunelo fez da ditadura militar (conceito que o autor não utiliza ao longo do livro, preferindo: “Estado Autoritário”, “regime militar”, “regime de exceção”), da repressão e das ações concretas dos agentes sociais de um lado e de outro, um território privilegiado para as suas análises. Desdobram-se, em suas reflexões, as tentativas de recuperação das lutas dos comunistas – o grupo político que mais sofreu perseguição política durante a ditadura -, das múltiplas experiências contidas no vivido, das preocupações em pensar o “Estado Autoritário” e a “repressão” e do entendimento da dinâmica jurídica e política dos aparatos de repressão.
Não tenho dúvida de que o livro de Leandro Brunelo traz importantes contribuições para o universo dos estudos sobre a história política do tempo presente, pontuando temas e debates que ainda hoje permanecem na pauta da vida política brasileira.
Referências
BADINTER, E. As paixões intelectuais: desejo de glória, 1735-1751.
Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 530p., v1.
_____________. As paixões intelectuais: exigência de dignidade, 1751-1762.
Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 460p., v2.
_____________. As paixões intelectuais: vontade de poder, 1762-1778. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, 389p., v3.
Resenhista
Angelo Priori – Professor do departamento e do programa de pós-graduação em História da UEM.
Referências desta resenha
BRUNELO, Leandro. Repressão política durante o regime militar no Paraná: ocaso da operação Marumbi na terras das araucárias. Maringá: Eduem, 2009. Resenha de: PRIORI, Angelo. Diálogos, v. 13 n. 3, p. 743 – 746, 2009.
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