CARVALHO, Margarida Maria de… [et al.] (Orgs). Religiões e religiosidades na Antiguidade Tardia. 1.ed. – Curitiba: Editora Prismas, 2017. Resenha de: SILVA, João Paulo da. Discussões acerca da antiguidade tardia: religiões e religiosidades. Faces da História, Assis, v.5, n.2, p.329-332, jul./dez., 2018.
A Antiguidade Tardia fora um período de profundas mudanças no que tange a questão da religião e religiosidade. Essa época de transição, balizada entre meados do século III d.C. e início do século VII d.C., possui características peculiares em relação à simbologia e à subjetividade dos acontecimentos. O conceito de Antiguidade Tardia sofreu alterações relevantes dentro da historiografia moderna, visto os lançamentos de diversas obras no início da década de 1970, como por exemplo, O Fim do Mundo Antigo: de Marco Aurélio a Maomé, de Peter Brown, de 1972, e a obra de Henri Iriné Marrou, intitulada Decadence ou Antiquité Tardive?, de 1977, que focalizava uma continuidade cultural fortalecida pelo cristianismo até os dias atuais. O conceito se fortalecera, deixando em evidência as divergências e diversidades do período, estabelecendo, ao mesmo tempo, problemáticas diversas a saber: político-econômicas, religiosas e culturais, as quais devem ser analisadas em seu próprio conjunto, reverberando determinados movimentos, a exemplo da crise do século III d.C., ou mesmo a cristianização do Império Romano.
A obra, Religiões e Religiosidades na Antiguidade Tardia, aqui resenhada, desenvolve análises específicas com temas diversos que compõe o amplo cenário religioso e suas manifestações no período tardo antigo. Organizada pelos professores Claudio Umpierre Carlan (Professor Associado I de História Antiga da Universidade Federal de Alfenas) , Helena Amália Papa (Professora de História Antiga do Departamento de História e Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Montes Claros), Margarida Maria de Carvalho ( Professora Dra Assistente de História Antiga do Departamento de História e Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista – Campus de Franca) e Pedro Paulo Abreu Funari (Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas. (Livre-docente pela UNICAMP), conta com quatorze capítulos no formato de ensaios, com textos não somente dos organizadores, como também de outros pesquisadores convidados. De leitura fluente, não é necessária uma ordem sequencial nos capítulos, tendo em vista a especificidade das temáticas abordadas em cada um deles. Essa obra, do ano de 2017, busca desenvolver análises de casos específicos relevantes ao período tardo antigo, imbricando, além da religião e da própria religiosidade, a cultura, o imaginário e a política na Antiguidade Tardia.
Em linhas gerais, as propostas dos ensaios trazem em seu âmago sempre uma tensão, seja ela religiosa, política ou social. Tais propostas variam de acordo com sua especificidade temática. O capítulo 1 – Religião e Rivalidade no século IV: algumas considerações – aponta para um Império Romano que passa por diversas transformações religiosas, com o surgimento de novas formas de culto e, na figura de Constantino, uma proposta de transformar a igreja num organismo oficial, de extrema importância para o funcionamento do estado. No capítulo 2 – Nomen christianum: práticas Cristãs em Melânia, a Jovem – Renata Lopes Biazotto Venturini, oferece uma discussão acerca das práticas cristãs, analisando a vida de Melânia, a Jovem, destacando o cristianismo como uma nova experiência, como resposta às circunstâncias dos problemas dos homens. O capítulo 3 – Cultura Literária e polêmica anticristã no, de Juliano, o Apóstata. – aponta para a figura singular do Imperador Juliano, o Apostata, com seu pensamento religioso e sua motivação e objetivos de sua política de restauração dos cultos tradicionais, ressaltando as contradições das histórias do velho testamento e a personalidade vingativa do deus hebreu, bem como o caráter particularista de sua revelação e também a inferioridade cultural dos cristãos. No Capítulo 4 – A construção de um arquétipo: o caso de Vetio Agorio Pretextato – Viviana Boch discute a religiosidade com cerne na personalidade de Vetio Agorio Pretextato, deixando em evidência práticas religiosas e a política romana do século IV d.C. No capítulo 5 – Os mártires como protetores espirituais da polis: João Crisóstomo e a cristianização da Antioquia (séc. IV d.C.) – aparecem os mártires e a devoção aos mesmos para o efeito de cristianização da cidade antiga do século IV, análise esta balizada na figura de João Crisóstomo.
O capítulo 6 – Imperator et bouleutes na Antiguidade Tardia: os Conflitos entre César Galo, Juliano, Teodósio e a elite municipal antioquena (Séc IV d.C.) – trata dos conflitos de interesses dentro do Império Romano, revelando que em diversas ocasiões, as instâncias administrativas se opunham e conflitavam, evidenciando, em determinados momentos, tensões de força nas relações de poder. O sétimo ensaio – Gêneros literários, temporalidades e construção biográfica: um estudo da “Vida de Santa Macrina” de Gregório de Nissa (Séc. IV d.C.) –, é dedicado à análise da vida de Santa Macrina, por Gregório de Nissa, com cerne numa maior liberdade de escrita, diferente das formas retóricas da antiguidade. A Arqueologia se fez presente no oitavo capítulo – O fim dos templos: um problema arqueológico, com um estudo apresentado pelo professor Bryan Ward-Perkins, da Universidade de Oxford, elucidando questões relacionadas à arqueologia na literatura, que considera cada vez mais sofisticada, e o fim do paganismo romano. No capítulo 9 – Sociedade, religião e literatura no Egito da Antiguidade Tardia: o caso de Nono de Panópolis – o Prof. David Hernandes de La Fuente promove um panorama no que se refere à situação histórica do Egito, a qual passava por um momento de profundas mudanças sociais e também espirituais, momento esse em que se dá na transição do mundo antigo para o medieval. Em outra proposta de análise com viés literário, Graciela Gomez Aso apresenta no capítulo 10 – Epistola 123 como exemplo da retórica discursiva de Jerônimo de Estridão no ambiente de mulheres aristocráticas de Roma. Barbárie e castidade como tópicos da Antiguidade tardia – uma retórica discursiva, utilizada por Jerônimo de Estridão com a intenção de difundir o testemunho político-religioso deste último, no que diz respeito ao avanço dos bárbaros dentro do território Ocidental do Império Romano, entre os séculos IV e V.
Apresentando uma discussão acerca da construção de paradigmas na Antiguidade Tardia, o capítulo 11 – Clarissimae feminae: de matronas a santas cristãs: a construção do modelo de santidade feminina na Antiguidade Tardia – propõe uma análise voltada para a questão do modelo de santidade feminina e a inserção de diferentes agentes sociais nesse panorama. Há ainda no capítulo 12 – Deus pode ser invejoso ou ciumento? Um debate sobre os atributos divinos entre o Imperador Juliano e Cirilo de Alexandria – uma tensão religiosa no debate entre o Imperador Juliano e Cirilo de Alexandria acerca da figura divina, com cerne no sistema de crenças do mudo antigo.
Através da “Controvérsia Nestoriana”, Daniel de Figueiredo explana no capítulo 13 – Uma análise de emergência da “controvérsia nestoriana” nas cartas de Cirilo de Alexandria (séc. V d.C.) – problemas políticos administrativos na composição da hierarquia eclesiástica ortodoxa, buscando uma explanação, pela historiografia, além de seu teor teológico, comumente trabalhado.
Para finalizar, uma temática pertinente ao período apresentado na obra, A religiosidade como meio e fim, explanada pelo professor Renan Frighetto no capítulo 14 – A religiosidade como meio e fim. A unidade religiosa como proposta à unidade política na Antiguidade Tardia hispano-visigoda: o exemplo da unção e coração de Wamba (672) – uma discussão das múltiplas formas de religiosidade, formas estas que aparecem durante o processo histórico, em particular no período que se define como Antiguidade Tardia. Pontos de destaque para a argumentação do autor encontram-se na cerimônia da unção do soberano, legitimando sua ascensão, sendo reconhecido como portador do signo de Deus devendo essa simbologia favorecer tanto a unidade religiosa representada pelo soberano, como também a unidade política.
No que diz respeito ao mundo tardo antigo, alguns pontos são relevantes para a compreensão do período. Necessariamente, trata-se de um período de transição do mundo antigo para o mundo medieval, extrapolando a visão política normalmente apresentada em outras obras e manuais. Pois bem, não é somete isso que buscamos no entendimento do contexto de compreensão de uma época. Mas as tensões existentes até os dias de hoje. Obviamente não como entre os séculos III e V, mas citando como exemplo a flexibilidade do cristianismo em relação a trazer para si elementos de uma cultura religiosa tida como pagã. Outro ponto relevante é a relação entre a política e a religião, as formas como uma está perpetrada na outra em relação a interesses particulares e relações de força e de poder.
A obra em questão traz contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros para uma explanação desse período da história da humanidade, período esse riquíssimo no que tange à religião, as práticas religiosas dos diversos atores sociais e a cultura da época.
João Paulo da Silva – Mestrando em História e Sociedade pela UNESP-Assis. Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Pós-Graduado em Docência no Ensino Superior pela UNIVALE, Universidade Vale do Ivaí, graduado em História pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná). E-mail: historiadorjoao@hotmail.com.
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