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Com a publicação de mais quatro volumes, completa-se a coleção “Relações Internacionais”, do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri), organizada pelo diretor desse, José Flávio Sombra Saraiva. Com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o patrocínio da Petrobrás, a coleção vem ao encontro e confirma, ao mesmo tempo, a maturidade que tem alcançado a produção acadêmica brasileira na área de relações internacionais.

O volume organizado por Estevão Chaves de Rezende Martins, Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina, reúne uma série de trabalhos sobre diversos temas importantes, escritos por especialistas brasileiros, argentinos e europeus. O livro é uma bela e mais do que merecida homenagem a Amado Luiz Cervo, editor desta Revista, que tem uma produção acadêmica notável no âmbito da história das relações internacionais, particularmente da política externa brasileira.

Com efeito, nosso querido professor Amado, que tem o respeito e a admiração de todos os que com ele convivem academicamente, doutorou-se em História há mais de 30 anos e há mais de 25 trabalha na Universidade de Brasília. Seu percurso acadêmico é o tema do primeiro artigo do livro, escrito por José Flávio Sombra Saraiva. Trata do significado da produção acadêmica de Amado Cervo, que, em uma palavra, poderíamos caracterizar pela renovação. Saraiva conta a trajetória desse historiador que cedo insurgiu-se “contra os velhos manuais e contra o marxismo vulgar que já se espraiava pela historiografia brasileira nos anos 60 e 70. Buscava Cervo”, continua, “seguindo as linhas de Pierre Renouvin, pai da historiografia francesa das relações internacionais, o multifatorial, as múltiplas causas e o jogo das forças diversas que atuavam na base do fenômeno internacional… Nesse sentido, [beneficiou-se] da evolução dos estudos das relações internacionais da França e do peso da École des Annales sobre a primeira geração de historiadores das relações internacionais franceses.” E, para sermos breves, poderíamos simplesmente dizer que nós, seus leitores, nos beneficiamos desses ensinamentos.

Ao leitor fica o convite para ler também as contribuições de Mario Rapoport, Paulo G. Fagundes Vizentini, Lúcia Maria Bastos P. Neves, Tânia Maria Bessone C. Ferreira, Francisco Doratioto, Paulo Roberto de Almeida, Antônio Carlos Lessa, Denis Rolland, Antônio Barbosa, Edmundo Heredia, Raúl Bernal-Meza, Frank Pfetsh, Wolfgang Döpcke e Argemiro Procópio.

Antônio Carlos Lessa, com pluma leve e talento de pesquisador, escreveu A construção da Europa: a última utopia das relações internacionais, nona obra da coleção “Relações Internacionais”. O livro introduz o leitor à história da criação e evolução da integração européia, certamente a mais significativa das experiências de integração no mundo. Manifestação de sua importância é o fato de que as reflexões teóricas que buscam compreender os processos integracionistas nascem e se desenvolvem, em grande medida, à luz da integração européia.

Mas é menos o debate teórico do que a dinâmica propriamente histórica da União Européia que interessa a Lessa. Assim, de um lado, o autor vai às origens mais remotas dessa história, no século XVII, lembrando que a “idéia da união da Europa se confundiu durante muito tempo com a da própria organização do mundo”. De outro, projeta-a para o futuro, em que a busca da paz, ou “o temor da guerra fratricida”, impõe-se como elemento explicativo para que diferentes Estados, tão diferentes, se lançassem num processo integracionista.

Assim, resumidamente, o leitor de A construção da Europa poderá conhecer as diversas fases da formação da União Européia, passando pela criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), em 1951; as tentativas frustradas de concertação na área da defesa (colapso da Comunidade Européia de Defesa CED), nos anos seguintes; os Tratados de Roma, de 1957, que instituíram o Mercado Comum Europeu (MCE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom); o Tratado de Maastricht, em 1992, e o início da circulação do euro, moeda única, em 2002.

Os dois volumes de Relações internacionais: dois séculos de história, organizados por José Flávio Sombra Saraiva, que inauguraram a coleção, são uma excelente síntese de quase dois séculos da história das relações internacionais, escrita de maneira acessível e instigante por quatro especialistas: além do organizador, Sombra Saraiva, Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpcke e Paulo Roberto de Almeida. Os autores utilizaram bibliografia atualizada e da mais alta qualidade, trazida ao final de cada capítulo, o que permite ao leitor prosseguir facilmente no aprofundamento de temas que são de seu maior interesse.

O terceiro título da coleção, Relações internacionais e temas sociais: a década das conferência, foi escrito pelo embaixador José Augusto Lindgren Alves, autor de vários estudos sobre os direitos humanos. O autor analisa sete importantes conferências internacionais, passando pelo momento de sua organização, sua realização propriamente dita, suas principais discussões, seus avanços e também considerações explicativas sobre o conteúdo dos documentos que delas resultaram. A obra completa-se com um útil anexo, em que podem ser encontrados os textos das declarações resultantes das conferências estudadas.

Amado Luiz Cervo é autor de Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Os anos 30 são o marco cronológico inicial da obra, momento em que muitos países latino-americanos abandonam o paradigma liberal-conservador em favor de um processo de modernização econômica, com intensidades nacionais variadas, até seu apogeu nos anos 70. Os anos 80 veriam a emergência do neoliberalismo que, segundo o autor, foi aceito passivamente pelas elites latino-americanas. Cervo completa seu livro com uma reflexão sobre os impactos das experiências vividas pelos países latino-americanos ao optarem pelo paradigma neoliberal de relações internacionais nas últimas décadas.

Relações internacionais: cultura e poder é de autoria de Estevão Chaves de Rezende Martins. Como assinalado no prefácio ao livro, Martins tem a qualidade dos que buscam elaborar uma síntese entre reflexão filosófica e ciência histórica. Essa difícil síntese expressa-se em uma obra densa que se endereça, sobretudo, aos iniciados. Ao leitor menos familiarizado com a análise filosófica do pensamento histórico e vice-versa: vale a pena, certamente, o esforço de tentar compreender o quadro interpretativo proposto pelo autor, que coloca ênfase em dois elementos fundamentais da evolução histórica – cultura e poder.

O livro de Alcides Costa Vaz, Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul, sexto livro da coleção “Relações Internacionais”, trata do Mercosul, processo de integração econômica que se junta a mais de duas dezenas existentes atualmente em todas as faces do globo. Das características mais significativas e bem-vindas da obra é a sua busca em integrar o campo teórico com a história da formação do Mercosul. Vaz dá ênfase ao período que vai da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, até 1994, fase de transição em que são definidos e implementados os mecanismos fundamentais no campo comercial do Mercosul, bem como seu arcabouço institucional.

Não há dúvida de que a compreensão dos princípios da economia liberal tornou-se imperativa, aceite-se ou não seus preceitos. A experiência histórica nos mostra que a intervenção estatal em nome do desenvolvimento pode ser tão predatória quanto uma imaginada sociedade em que o Estado não garantisse a vigência de instituições econômicas e políticas. De toda forma, essa é uma falsa questão, posto que a economia liberal não preconiza o desaparecimento do Estado, mas, muito pelo contrário, dele necessita “para impor a todos regras efetivas que garantam as condições mínimas indispensáveis à realização das trocas econômicas…”. Em torno dessas questões reflete Carlos Pio, em Relações internacionais: economia política e globalização.

Na introdução ao seu livro, Carlos Pio indica aos seus leitores que seu objetivo é o de “atingir o estudante de graduação que inicia sua aproximação às principais questões da economia política contemporânea…,” Com certeza, o escopo foi atingido. No entanto, há que se dizer ainda que o conteúdo do livro interessa a público amplo, que deseja compreender ou revisar conceitos-chave da economia política clássica, em que se destacam Adam Smith e David Ricardo, e as contribuições mais recentes ao pensamento econômico.

Relações internacionais: teorias e agendas, de Antônio Jorge Ramalho da Rocha, trata das mais relevantes contribuições teóricas no campo das relações internacionais, território de reflexão tão indispensável quanto complexo. Ao invés de um manual, em que o leitor encontra normalmente em linguagem simplificada e concisa o que releva do campo hermético de especialistas, o autor optou por pacientemente conduzir o leitor pelo caminho bastante abstrato das reflexões teóricas, enfatizando a dimensão social do processo de produção do conhecimento.

Assim, em seu livro, Rocha introduz o leitor na compreensão dos importantes debates epistemológicos e metodológicos em relações internacionais, indicando duas grandes matrizes metateóricas: uma de orientação positivista e racionalista e outra construtivista e sociológica. Para a primeira vertente predomina a racionalidade instrumental dos atores no plano internacional, no qual visam “conformar e utilizar estruturas institucionais e normativas destinadas a aumentar-lhes a capacidade de avançar suas preferências, nem sempre com sucesso para os agentes mais poderosos ou com resultados positivos para a coletividade, em razão de ação coletiva”. Os construtivistas, por seu turno, privilegiam a noção de sociedade internacional. A identidade dos atores e a definição de seus interesses no campo internacional definem-se pelo modo como apreendem a realidade internacional. Portanto, os Estados não estabelecem aprioristicamente seus interesses, que seriam, portanto, definidos socialmente. O autor opta pela segunda matriz teórica, mas familiariza o leitor com o amplíssimo âmbito do debate entre o racionalismo e o construtivismo.

Os dez volumes da coleção “Relação Internacionais” evidenciam o sucesso do Ibri que aprofunda a função da Revista Brasileira de Política Internacional com a missão de difundir a produção no campo das relações internacionais. Além de expressar e demonstrar a existência de um pensamento genuinamente brasileiro de relações internacionais, a coleção contribui para a formação dos que, cada vez mais numerosos, interessam-se por esse campo de estudo. Não há tampouco dúvida de que realiza uma tarefa ainda mais desafiadora e significativa que é a de proporcionar aos atores sociais, mais ou menos visíveis, mais ou menos tocados pelos desafios internacionais, conhecimento acessível sobre temas cruciais nesse domínio.


Resenhista

Norma Breda dos Santos


Referências desta Resenha

MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina. Brasília: Funag; Ibri, 2003. LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: a última utopia das relações internacionais. Brasília: Funag; Ibri, 2003. PIO, Carlos. Relações internacionais: economia política e globalização. Brasília: Funag; Ibri, 2002. RAMALHO DA ROCHA, Antônio Jorge. Relações internacionais: teorias e agendas. Brasília: Funag; Ibri, 2002. VAZ, Alcides Costa. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: Funag; Ibri, 2002. MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações internacionais: cultura e poder. Brasília: Funag; Ibri, 2002. CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Brasília: Funag; Ibri, 2001. LINDGREN ALVES, José Augusto. Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências. Brasília: Funag; Ibri, 2001. SOMBRA SARAIVA, José Flávio (org.). Relações internacionais: dois séculos de história. Vol. 1. Entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética; Brasília: Funag; Ibri, 2001. Vol. 2. Entre a ordem bipolar e o policentrismo (1947 a nossos dias). Brasília: Funag; Ibri, 2001. Resenha de: SANTOS, Norma Breda dos. A coleção “Relações Internacionais” do Ibri. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.1, 2003. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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