Relações Internacionais: perspectivas francesas | Carlos R. S. Milani
Lançado em 2009 para completar uma série de quatro publicações em comemoração ano Ano da França no Brasil, “Relações Internacionais: Perspectivas francesas” apresenta aos leitores brasileiros uma seleção de textos clássicos e contemporâneos do pensamento Frances em Relações Internacionais. Coube ao Professor Carlos Milani a organização desses textos que permitem aos interessados viajar pela produção acadêmica francesa, de Raymond Aron à Bertrand Badie.
O livro se divide em duas grandes partes. A primeira, chamada de “O conceito de ‘Internacional’”, apresenta textos que trabalham os sentidos e contornos das Relações Internacionais. A segunda parte, intitulada “Atores e Conflitos”, retrata o pensamento francês acerca de atores e processos internacionais contemporâneos. Opinião pública internacional, regionalismo, igreja, meio ambiente e redistribuição do poder no sistema internacional são alguns dos objetos abordados nesta segunda seção da obra.
A primeira parte do livro é inaugurada com o clássico texto de Raymond Aron: “O que é uma Teoria de Relações Internacionais?”. Neste texto de 1967 o sociólogo francês trata de questões epistemológicas antigas, mas que ainda hoje fazem parte do debate da academia internacionalista. O texto busca refletir sobre os pré-requisitos necessários à existência de uma verdadeira teoria de Relações Internacionais. Os artigos que dão sequência a essa parte do livro vão justamente desenvolver esta problemática tão cara à Aron.
Dário Batistella, no artigo “Teoria e Relações Internacionais”, faz uma brilhante análise da evolução ontológica, epistemológica e metodológica da disciplina. O autor chega à conclusão próxima daquela apresentada por Aron e muito bem quista por vários pensadores franceses: não há uma legítima teoria de RI, mas sim vários campos teóricos, com enfoques metodológicos e níveis de abordagem distintos. Assim, sociologia, geografia, história e economia não escapam aos “contornos” da pesquisa francesa em Relações Internacionais.
A relevância da sociologia para o pensamento Francês das RI pode ser encontrada em diferentes momentos do livro. Além da destacada importância de Aron, Norbert Elias, sociólogo alemão, ganha espaço nos estudos de internacionalistas franceses como Guillaume Devin. Seu artigo “Norbert Elias e a análise das Relações Internacionais” ressalta que os estudos do sociólogo alemão sobre a evolução social a partir da integração e da interdependência são excelentes ferramentas para tentar compreender os caminhos da sociedade internacional.
Geografia e a história também ganham destaque nas reflexões francesas acerca do internacional e não escapam da seleção de Milani. Retrata-se bem a pertinência dos debates geopolíticos contemporâneos para as RI através de excertos de textos de geógrafos franceses como Lévy, Postel-Vinay e outros. Seja por meio de modelagens ou através de uma geografia crítico reflexiva, os geógrafos cada vez mais contribuem para a teoria das Relações Internacionais, buscando entender a evolução do papel do território na sociedade internacional. Já Pierre Grosser, em “o uso da história nas políticas externas”, contribui para esclarecer as maneiras como o discurso pautado no passado e na memória pode servir como arma diplomática. A partir de exemplos concretos – como os discursos nazistas ou da política externa de Eisenhower – o autor mostra de que forma a história pode ser usada como recurso de política externa.
A segunda parte da obra apresenta trabalhos que tratam de atores ou processo específicos dentro da vigente ordem internacional. O artigo de Bertrand Badie que aborda o processo de consolidação de uma opinião pública internacional inicia brilhantemente esta seção do livro. Badie destaca que este nascente ator, ambíguo enquanto sujeito observante e em ação, é um importante “intruso” contribuindo para o estabelecimento de uma nova ordem internacional, mais democrática e menos desigual.
A igreja também ganha espaço nesta parte do livro. Ariel Colonomos, em “Igrejas em Rede, trajetórias políticas entre a Europa e a América”, ressalta como a igreja foi transformando seu papel no cenário internacional. Personagem central e autônomo antes de 1648, ela é hoje um exemplo da nova estruturação dos atores internacionais. Junto a uma crescente rede de advocacia internacional, ela deixa de atuar no centro das decisões de poder e passa a buscar temas da ordem do dia, como direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento social.
O processo de regionalização recebe atenção redobrada no livro. Frédéric Charillon busca desvendar os rumos da regionalização da política externa apontando as diferentes vantagens e desvantagens de se buscar identidades, interesses e objetivos comuns a países próximos, porém distintos e soberanos. Zaki Laïdi, em “A norma sem a força: o enigma da potência europeia”, analisa especificamente o caso da União Europeia, único bloco que tem erigido a regionalização da política externa como objetivo político prioritário explícito. Laïdi mostra – com elevado pragmatismo – que o modelo europeu de inserção pautado na norma se vê desafiado pelo ressurgimento da Realpolitik ao redor do mundo. O enigma da Europa de ser “uma potência global isenta de uma política de defesa tradicional” permanece cercado de potencialidades, incertezas e contradições.
A questão do meio ambiente tem seu espaço no livro com a tradução de excertos da obra “florestas tropicais, selva internacional” de Marie-Claude Smouts. A autora usa o exemplo da conformação de um regime de proteção contra o desflorestamento para apresentar sua hipótese acerca dos jogos de poder da sociedade mundial: a forma como se tratam temas específicos, como os do meio ambiente, refletem menos o caráter específico do objeto e mais as velhas interações entre Estados e grupos de interesse.
A transformação dos paradigmas de segurança internacional desde o fim da guerra fria é o tema que perpassa os últimos três textos do livro. Novos atores paramilitares, os avanços tecnológicos, as transformações nas relações fronteiriças, os avanços da interdependência econômica bem como a busca por uma nova orientação às operações de paz das Nações Unidas são elementos recorrentes nos textos e que explicitam o aggiornamento do sistema internacional nas esferas mais caras aos Estados: segurança e economia.
A leitura dos 17 excertos do livro faz-se de maneira fluida e prazerosa. Serve como pequena amostra da rica e densa produção francesa no campo acadêmico das Relações Internacionais, que abrange desde um acalorado debate teórico-metodológico até uma profunda discussão sobre velhas e novas dinâmicas do sistema internacional. Resta apenas sugerir novos ciclos de publicações de obras francesas que permitam aos leitores brasileiros seguir se aprofundando na perspectiva francesa de Relações Internacionais.
Resenhista
Gustavo Gerlach da Silva Ziemath – Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. Auxiliar da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI. E-mail: ziemath@hotmail.com
Referências desta Resenha
Milani, Carlos R. S. (Org.). Relações Internacionais: perspectivas francesas. Salvador: EDUFBA, 2010. Resenha de: ZIEMATH, Gustavo Gerlach da Silva. Meridiano 47, v.13, n.129, p.37-38, jan./fev. 2012. Acessar publicação original [DR]