O estudo da política externa brasileira tem se valido dos avanços positivos experimentados por esse campo do conhecimento como um reflexo direto de programas de pesquisa cada vez mais consolidados e do incentivo à produção acadêmica provenientes das esferas pública e privada. Esses avanços, contudo, não representam um esgotamento dos temas a serem apreciados e das questões a serem resolvidas. Pelo contrário, o próprio caráter dinâmico da história faz com que o aperfeiçoamento do conhecimento seja a tarefa a ser buscada, o que de fato é exigido do estudo da história da política exterior do Brasil e dentro do qual o livro Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula é produto direto dessa preocupação eminentemente acadêmica.
A obra de Paulo Fagundes Vizentini responde às necessidades quase obsediantes daqueles diplomatas, professores, estudantes ávidos pelo conhecimento dos fatos mais relevantes da nossa história política contemporânea. Nesse sentido, destaque para a quarta parte do livro, na qual o autor enfoca o período de 1990 a 2002, apreciando e relacionando os impactos da globalização neoliberal com o culto irrestrito ao americanismo na passagem dos dois “Fernandos” pela presidência do Brasil, o que teria profundas repercussões sobre os rumos da política exterior do país. Além disso, procura demonstrar a fragilidade do Mercosul enquanto estratégia de inserção internacional, ao mesmo tempo em que aponta para o abandono do projeto nacional, que havia se amparado sobre o nacional-desenvolvimentismo no período anterior.
O título dessa parte do livro, “Gigante à deriva”, representa bem as dificuldades enfrentadas pelo Brasil nessa ordem internacional pós-guerra fria, em que os seguidos comandantes do navio brasileiro estavam utilizando mapas e bússolas indicados pelos desbravadores do norte (Consenso de Washington), enquanto eles próprios [Estados Unidos] já utilizavam outros mecanismos mais “avançados” para manter a sua posição prevalecente no sistema econômico mundial (OMC, Alca). Assim, o navio Brasil não teve outro destino se não vagar sem rumo, durante duas décadas, pelos mares da América do Sul, juntamente com seus debilitados vizinhos.
Entretanto, algumas medidas foram fundamentais para não deixar o navio afundar e representaram as possibilidades em que se apoiaria o novo governo do presidente Lula. Nesse sentido, foi de importância primordial a Reunião de Cúpula dos Presidentes da América do Sul, ocorrida em Brasília e reeditada em Guaiaquil, numa tentativa de articular a integração da região, bem como as aproximações bilaterais com a Venezuela de Caldera e Chavez, país que representou o primeiro grande desafio externo de Lula à frente da presidência do país.
Não obstante trazer o novo como elemento principal de sua obra, duas tarefas ainda são bem preenchidas com esse trabalho de Vizentini. Primeiro, ao agregar a perspectiva do movimento nas relações internacionais, demonstrando que o abandono do projeto nacional não foi por acaso, mas sim, resultou de um colapso do nacional-desenvolvimentismo, que sofreria com as adversidades da cena internacional no período 1979-1990, e com o desgaste político do regime militar que já não conseguia repetir os sucessos econômicos do período anterior (1964-1979).
Segundo, pela própria estrutura do texto, que permite uma leitura clara e aprazível, ao mesmo tempo em que possibilita um entendimento preciso dos temas e assuntos tratados pelo autor, numa clara harmonia entre forma e conteúdo. Nesse sentido, merece destaque a divisão da obra em quatro grandes partes: Nacionalistas x Entreguistas, O Brasil potência, A crise do projeto nacional e Um gigante à deriva, que fornecem uma evolução clara do destino da história da política externa brasileira que enfrentaria desafios e aproveitaria oportunidades únicas de cada momento.
Além disso, a utilização de fotos e quadros conceituais explicativos permite ao leitor ter uma visão mais real dos acontecimentos, estimulando a memória visual e fornecendo explicações precisas acerca de conceitos clássicos ligados à história da política exterior do Brasil, como Política Externa Independente (PEI), Consenso de Washington, OMC, Plano Colômbia.
Por último, ainda com relação à dicotomia forma e conteúdo, merece atenção especial a apresentação de uma cronologia que fornece um entendimento evolutivo dos principais acontecimentos dentro dos quatro grandes períodos em que a obra está dividida, numa perspectiva comparada entre os fatos internos e externos, ou seja, entre o que ocorreu aqui e o que estava ocorrendo na cena internacional, no mesmo tempo histórico; visão bem estabelecida entre alguns estudiosos, como Halliday, de que é necessário se ter uma abordagem dual (interno e externo) para melhor se apreciar e entender as relações internacionais.
Assim, essa obra de Vizentini, apesar de não trazer grandes avanços conceituais ou históricos, desempenha bem um duplo papel: funcionar como uma ferramenta contemporânea de estudo para aqueles, iniciantes ou não, ávidos por novidades nessa vertente específica das relações internacionais, bem como incentivar o estudo da história da política exterior do Brasil, ao estimular a busca por informações mais acuradas em obras já consolidadas, como o manual de Cervo e Bueno.
Resenhista
Thiago Gehre Galvão
Referências desta Resenha
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. Resenha de: GALVÃO, Thiago Gehre. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.1, 2003. Acessar publicação original [DR]
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