Relações de Poder e Gênero na História / Dimensões / 2016
A revista Dimensões tem a satisfação de apresentar o dossiê Relações de Poder e Gênero na História. Por se tratar de um chamado aos estudos das relações de gênero e sua subjetividade com base nas relações históricas de poder, este dossiê parte da premissa de que os padrões de comportamento dinâmicos vigentes na história têm como base as estratégicas adotadas por homens e mulheres para conviverem e se posicionarem nos espaço das organizações consideradas como de fundamental importância para a sociedade.
Procurando estimular reflexões sobre as questões relacionadas às relações de poder e solidariedade entre homens e mulheres, os treze artigos que compõem o dossiê exploram aspectos significativos da temática em foco.
Abrindo o dossiê, o artigo Rodolpho Alexandre Santos Melo Bastos e Joanna Ribeiro Nogueira, no artigo Estereótipos de gênero em contos de fada: uma abordagem histórico-pedagógica, tendo como ponto de partida o conto de fadas conhecido como Cinderela, demonstram como narrativas aparentemente inocentes, divulgam e reproduzem comportamentos e estereótipos femininos e masculinos. Além disso, mostram como professores, ao escolherem contos de fada como ferramenta pedagógica, podem utilizar dessas narrativas para repensar os papéis de gênero na sociedade. No artigo Moças de família e códigos de sexualidade na primeira metade do século XX em Teresina / PI, Elizangela Barbosa Cardoso faz uma reflexão a respeito da produção da moça de família, ideal de feminilidade para jovens mulheres, no campo da sexualidade, em Teresina, na primeira metade do século XX. Destaca hierarquias de gênero produzidas a partir desta categoria, bem como os usos dessa representação efetivados pelas mulheres nas vivências afetivo-sexuais que ultrapassavam os valores dominantes relativos ao corpo sexuado.
Em Da roça para cidade: representações de gênero sobre as mulheres teuto-sul-rio-grandense na passagem do século XIX para XX, Daniel Luciano Gevehr e Marlise Regina Meyrer fazem uma análise acerca da articulação presente na construção de modelos femininos que acompanharam as transformações da Colônia Alemã de São Leopoldo (RS), durante a passagem do século XIX para o século XX, através de uma escola interna feminina alemã, no atual município de Novo Hamburgo, e que se destinava a formar as “moças das melhores famílias”. No artigo “Mulheres Guerreiras” e o(s) feminino(s) nas instituições armadas em Cuba e no Brasil nos anos de 1970 e 1980, Andréa Mazurok Schactae apresenta uma reflexão sobre a construção de um ideal de feminilidade nos espaços das armas, compreendendo que esse espaço é orientador de construção de símbolos que norteiam ideais de feminilidade e masculinidade. Utilizando periódicos publicados em Cuba e no Brasil, A autora procura analisar, do ponto de vista dos estudos de gênero, como esses paises apresentam imagens de mulheres em instituições armadas, nos anos de 1970 e 1980.
No artigo Estudos de gênero e seu impacto na história do design, Giselle Hissa Safar e Maria Regina Alvares Correia Dias desenvolvem um debate sobre estudos de gênero a partir da historia design. E, neste sentido, as autoras abordam o tema a partir da necessidade do resgate histórico da participação feminina no campo profissional e acadêmico do design, da constatação sobre como o design contribui para a perpetuação de estereótipos em detrimento do gênero feminino e da reflexão sobre como a abordagem do campo profissional do design, pela perspectiva feminista pode colaborar, para a redefinição da história do design. As reflexões contidas no artigo Relações de Gênero e de poder no carnaval de Porto Alegre, de Caroline Leal, são resultantes de uma análise que se desenvolveu sobre as relações de gênero e de poder estabelecidos nos festejos carnavalescos da cidade de Porto Alegre, por volta do último quartel do século XIX. Neste sentido, a autora procura mostrar como a celebração do entrudo passou a expressar disputas simbólicas em torno do poder, bem como sentidos e significados para as relações entre homens e mulheres.
O artigo de Alexsandro Rodrigues, Maria Carolina Fonseca Barbosa Roseiro, Pablo Cardozo Rocon e Steferson Zanoni Roseiro, Racismos / sexismos e o extermínio da população LGBT: o que os discursos cristãos e das Escrituras como lei têm a nos dizer? discorre sobre a compreensão os dispositivos, saberes e poderes que sustentam os discursos cristãos e seus efeitos sobre a produção de racismos e sexismos na sociedade ocidental contemporânea. Tomando como referência o discurso de Michel Foucault, o texto insere-se em discussões sobre o cristianismo, produções de modos de vida e fundamentalismos. O artigo Caluniadoras, Concubinas e Quilombolas: mulheres negras e resistências ao cativeiro na primeira metade do oitocentos – casos da Província do Espírito Santo, de Rodrigo da Silva Goularte, apresenta resultados de uma pesquisa que trata da presença de mulheres negras em resistências no cotidiano e em tumultos pela emancipação de cativos. Utilizando testemunhos de autoridades e viajantes o autor rastreou a presença de mulheres negras em resistências no cotidiano e em tumultos pela emancipação de cativos, no Espírito Santo na primeira metade do oitocentos.
As reflexões contidas no artigo Representações sociais de gênero na aplicação do Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) em Itaúna, Minas Gerais, de Lana Lage da Gama Lima e Nayara Moreira Lisardo Pasti, são resultantes de uma pesquisa documental, de observação direta e de realização de entrevistas semiestruturadas que se desenvolveu no âmbito dos estudos das representações sociais de gênero na aplicação do Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), em duas unidades, no município de Itaúna, em Minas Gerais. A pesquisa teve como objetivo perceber como as representações de sociais de gênero interferem na aplicação do método para homens e mulheres. No artigo Lula Cardoso Ayres no Diario da Manhã: as relações de gênero em imagens no suplemento literário nos anos de 1920, Alcileide Cabral do Nascimento e Tércio de Lima Amaral analisam imagens contidas no Jornal Diario da Manhã, de Recife, contexto de modernização na Primeira República (1889-1930). Neste sentido, a partir da leitura de trabalhos do artista plástico pernambucano Lula Cardoso Ayres, entre outros, compreendendo o período de abril de 1927 e abril de 1928, observam que ocorreram mudanças em relação a percepção do corpo e do papel das relações de gênero no início do século XX. O artigo de Ana Maria Marques e Nailza da Costa Barbosa Gosmes, Eurocentrismo e gênero: mulheres não brancas na invisibilidade da cena, trazem reflexões sobre o conceito de eurocentrismo e sobre questões de gênero e de raça na sociedade em Mato grosso, na década de 1940, quando analisam imagens das propagandas publicadas no Jornal “O Estado de Mato Grosso”, que circularam naquele período. A análise é subsidiada por observações que revelam a invisibilidade das mulheres não brancas vivendo num período marcado pelo racismo e por um preconceito triplo, por serem mulheres, não brancas e pobres. Soraia Carolina de Mello, no artigo O casamento em Claudia: gênero e relações de poder nos anos 1970 e 1980 observa edições da revista Claudia, publicadas no Brasil entre 1970 e 1989, os conflitos e disputas discursivos em torno da instituição do casamento da época e fontes recentes tendo como base teorias feministas da época e fontes mais recentes busca problematizar as assimetrias de gênero dentro do que tradicionalmente se esperava do casamento e das designações de esposa e esposo, marido e mulher. Fechando a seleção está o artigo de Alessander Kerber, Evita Perón e o cinema argentino na perspectiva de Libertad Lamarque apresentando e discutindo o processo de construção da figura de Evita Perón, partindo dos discursos produzidos por Libertad Lamarque. Focalizando as relações de conflito entre Liberdad e Evita, durante as gravações do filme Cabalgata del circo, em 1945, o autor recorre a narrativas autobiográficas de Liberdad para lançar luz sobre a questão de um “projeto” que a mesma tinha de ser representante feminina da nação argentina e sobre a possibilidade de aquele conflito com Evita poder ter sido um motivo para embargo à novas filmagens de Liberdad na Argentina.
Soma-se, ao final do Dossiê, artigos livres e uma resenha, tratando sobre pesquisas e temas bastante diversos, mas igualmente interessantes a pesquisadores e afins.
No mais, desejamos a tod@s uma excelente leitura!
Maria Beatriz Nader
Organizadora.
NADER, Maria Beatriz. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.36, 2016. Acessar publicação original [DR]