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Regiões e Identidades / Revista Trilhas da História / 2012

O artigo “Vias de transporte em regiões de fronteira: possibilidades técnicas, interesses econômicos e imperativos políticos”, do Prof. Paulo Roberto Cimó Queiroz, tece uma discussão fundamental para iniciarmos o Dossiê sobre as “Regiões e Identidades”. De forma generosa, o autor discute como se configuraram as redes de transporte em regiões de fronteira, tendo como eixo de abordagem o extremo oeste. Ao inspirar-se em Lucien Febvre (1949), redefine o conceito de fronteiras humanizando este espaço / lugar, visto como “lugar de encontro e conflito de alteridades”. Agradecemos esta contribuição para que possamos continuar caminhando pelas trilhas da história.

O artigo “Em nome da civilização: o Mato Grosso no olhar dos viajantes”, de Carlos Alexandre Barros Trubiliano, é instigante para a discussão de Mato Grosso na perspectiva dos viajantes de fins do século XIX e início do XX. O autor desnuda uma leitura comum nesse período: a de Mato Grosso como região de “ambiente hostil”, de “barbárie” e de “atraso”. Os povos originários aparecem como “selvagens”, ocupando lugares que deveriam ser destinados à “civilização”. Problematizando cada um desses conceitos, a leitura é enriquecedora, carregada de vida e preocupada em evidenciar o quanto o peso da “civilização” influiu nas imagens sobre Mato Grosso.

O artigo “Disciplinarização e biopolítica na Província de Mato Grosso do século XIX”, de Patrícia Figueiredo Aguiar, nos brinda com uma reflexão importante para entendermos a década de 1830 na Província de Mato Grosso, particularmente na discussão dos códigos criminais e do modo como foram interpretados, pela autora, como tecnologias do poder para “disciplinar” os “indesejáveis”. A análise se detém no entendimento da história do Brasil Imperial e de uma Província distante da capital, mas próxima no desejo de “civilizar-se”. A “administração de condutas” e o “controle do território” era uma preocupação premente do poder imperial por toda a Regência. O texto, então, nos propicia o aprofundamento desta discussão.

O artigo “A Eucaliptização da Microrregião de Três Lagoas”, de Mieceslau Kudlavicz, traz a reflexão para o tempo presente e aborda as transformações que vem ocorrendo no modo de vida e de trabalho de milhares de trabalhadores nos meios urbano e rural dos municípios desta região, oriundas das atividades envolvendo a produção do papel e celulose, em detrimento da produção camponesa. Em nome do “progresso”, a região vem sendo ocupada por extensas áreas de monocultura de eucalipto, em lugares que poderiam ser destinados para o plantio de alimentos por meio da reforma agrária. Kudlavicz evidencia, de forma clara, a dissonância desta lógica perversa do capital que inclui bem poucos e exclui uma parte significativa da população.

O artigo “Nas fronteiras do oeste do Paraná: Conflitos Agrários e Mercado de Terras (1843 / 1960)”, de Leandro de Araújo Crestane e Erneldo Schallenberger, problematiza os conflitos agrários e o mercado de terras no oeste do Paraná. No estudo de caso da Gleba Santa Cruz, os autores evidenciam a luta dos posseiros e colonos, ao se depararem com as ações das Companhias colonizadoras, observando-se ainda o embate entre elas e o Estado do Paraná. A partir de entrevistas, essas lutas vão sendo enunciadas e demonstram sua radicalidade, a exemplo da luta armada, num momento em que várias regiões do Paraná fervilhavam de conflitos agrários. O levante à margem do Piquiri é evidência dessa história.

O texto “Bosque Marechal Cândido Rondon (Londrina – PR): patrimônio e identidade”, de Fernanda Frozoni, é revelador da história das identidades desenhadas pelos sujeitos na ocupação dos espaços urbanos. A utilização desses espaços desnuda o lugar que é ocupado na memória dos transeuntes, ou seja, o lugar se define a partir da práxis, do modo de vida e de trabalho daqueles que ali estão presentes. O espaço pode ser reapropriado, comercializado, abandonado pelas políticas públicas, mas é também fundamentalmente vivido pelos homens, mulheres e crianças em suas práticas cotidianas. A abordagem apresentada pela autora possibilita que uma parte da história de Londrina, no Paraná, seja recontada não pela perspectiva da lógica do espaço como mercadoria, mas como fruto da ação humana.

O artigo “Autoridade na contemporaneidade: do conceito à acepção”, de Maridulce Ferreira Lustosa, contribui para a reflexão das identidades ao propor uma discussão da autoridade e dos vínculos afetivos que a constituem, envolvendo as relações humanas. Ao buscar o conceito de autoridade, a partir de autores como Sennet (2001), Arendt (2007), Weber (2001), entre outros, a autora contribui para o debate desta temática que envolve fundamentalmente as relações de poder, construídas historicamente a partir das relações sociais, sendo apresentadas pela autora com perspectivas teóricas diversas. “Conceitos, crises e imagens” de autoridade são abordados para explicitar a dinamicidade da discussão do conceito de autoridade.

O artigo “Hades na Ilíada: a formatação da morte no épico homérico”, de Leandro Mendonça Barbosa, encerra esta seção nos remetendo à história antiga. Ele se aproxima da temática das Regiões por possibilitar pensarmos na versatilidade desse conceito, na medida em que o autor analisa as regiões do “inframundo” ou “mundo dos mortos”, a partir da representação de Hades, o “deus do submundo”, na Ilíada. Vale observar que esta versatilidade foi conquistada no alargamento das concepções de espaço pela história do imaginário. Também a questão da identidade é contemplada, pois remete aos lugares do imaginário e ao modo como as pessoas se identificavam ou mesmo negavam as divindades. O autor destaca a carência de estudos sobre Hades, observando que a própria literatura grega vivencia esta ausência.

O ensaio de graduação “As desventuras de um renascentista entre os Tupinambás: a visão do viajante Hans Staden sobre as terras e os povos do Brasil”, de Rafael Pereira da Silva, faz um estudo sobre a colonização da América portuguesa, logo em seu início, a partir da interpretação da obra “Viagem ao Brasil”, do alemão Hans Staden. Conforme o autor, no olhar dos viajantes apresenta-se uma construção sobre a “descoberta” dessa “nova terra”. Este texto é instigante, pois não se furta a trabalhar os escritos de Hans Staden como fontes históricas, vestígios para que possamos tecer as nossas próprias abordagens, na esteira do saber de outros pesquisadores.

O ensaio de graduação “Identidade no contexto migratório: Um estudo das narrativas epistolares”, de Marciana Santiago de Oliveira, faz uma reflexão sobre as cartas do Boletim VAI VEM, as quais descrevem a construção da identidade de muitos migrantes para a região noroeste paulista na busca de melhores condições de trabalho e de vida. Ao explorar essas cartas, como fontes históricas, a autora constrói uma narrativa entrelaçada à história social do trabalho, numa abordagem “vista de baixo”. É esse vai vem que nos permite enxergar a trajetória de sujeitos marcados pela vida de trabalho, pela construção de uma identidade de migrantes e pela materialização de suas lutas por meio do Boletim. O ensaio permite ainda visualizar a importância da Arquivologia para a pesquisa histórica.

A resenha “Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo”, de Maurílio Dantielly Calonga, traz uma análise do regime de Getúlio Vargas e de Juan Domingos Perón, por meio das propagandas políticas, tecendo a intensidade que essas propagandas tiveram e como contribuíram para a ascensão de Vargas e Perón ao poder. O autor aponta e caracteriza as diferenças históricas entre o Brasil e Argentina nesse período, e a propaganda como instrumento de coerção, sendo monopólio dos governos para conquistar o apoio da sociedade.

A resenha “Nas margens da boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no noroeste paulista”, de Natália Scarabeli Zancanari, apresenta um estudo importante, estabelecido a partir de fontes documentais e fontes orais, envolvendo a região do noroeste paulista, sob o viés econômico e geográfico. A obra problematiza ainda a vivência no campo com a dinâmica da relação agro mercantil da pecuária no século XIX e XX, bem como a associação do desenvolvimento e progresso a partir da relação do rural e o urbano e o desenvolvimento da economia mercantil por meio da pecuária.

No trabalho com as fontes, Wesley de Paula David faz um estudo dos costumes, a partir de E. P. Thompson e do diálogo com a literatura por meio da obra Inocência, de Visconde de Taunay, considerando essa obra tanto uma fonte histórica quanto uma fonte literária. Utiliza de outros teóricos para entender qual a relação a história estabelece com a literatura. A interpretação da obra, a partir do diálogo entre teoria e a fonte, bem como o diálogo entre a obra literária e o olhar de historiador na interpretação do texto como prática social, favorece ao entendimento de hábitos vividos no sertão do sul de Mato Grosso. Finalizando a abordagem, o autor visualiza o sertão com costumes constituídos por saberes de gente comum.

Os textos apresentados nesse Dossiê evidenciam o quanto é necessário continuarmos a tecer as trilhas da história, esperando que elas possam ser sempre ampliadas com a participação discente, docente e da comunidade mais ampla, de inúmeros lugares, particularmente no alargamento de problemas de pesquisa e na humanização de saberes.

Maria Celma Borges

Rodrigo Ferreira Ornellas

Primavera de 2012


BORGES, Maria Celma; ORNELLAS, Rodrigo Ferreira. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.2, n.3, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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