Refugiados e as Fronteiras Brasileiras | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2015

Este número da Revista Monções do Curso de Relações Internacionais da UFGD aborda o fenômeno dos refugiados e as migrações internacionais em um momento extremamente relevante. Em um contexto global de crise migratória como não se observava desde a Segunda Guerra Mundial, conforme os últimos relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), os textos acadêmicos de diversos colaboradores (todos responsáveis por Cátedras Sérgio Vieira de Mello nas diversas universidades do país) para este número específico, buscam análises extremamente pertinentes, para um problema que parece longe de uma solução global e definitiva para o atual estado das relações internacionais: o instituto do refúgio e as causas que convertem pessoas em migrantes forçadas, tornando-as errantes, solicitantes de refúgio ou refugiados propriamente ditos.

Apresentamos uma entrevista com o representante do ACNUR no Brasil, Sr. Andres Ramirez, em que ele aborda a atual crise de refugiados na Europa, as possibilidades e os limites do Brasil, o instituto do reassentamento e a importância da Cátedra Sérgio Vieira de Mello.

O texto de Giuliana Redin e Luis Augusto Bittencourt Minchola apresenta o regime internacional de proteção aos refugiados, e como tem sido construído também a partir das realidades regionais, particularmente na região das Américas, tendo como marco a Declaração de Cartagena de 1984. Mas procura demonstrar como em um cenário global, a proteção de refugiados depende muito mais da vontade política dos Estados e de seus governos, e neste contexto evidencia a importância fundamental de avaliar as respostas brasileiras ao aumento do fluxo de pessoas que passaram a ingressar no Brasil como solicitantes de refúgio, analisando o ainda pouco comprometimento com a proteção internacional da pessoa do imigrante forçado, enquanto um processo ainda em construção.

No mesmo raciocínio, o artigo de Rodrigo Stumpf Gonzalez e César Augusto S. da Silva procura chamar a atenção de como o Brasil ainda não está preparado para o recebimento de refugiados em massa, com seu sistema migratório necessitando urgentemente de modernização e atualização, evidenciando as deficiências do sistema. Na perspectiva dos novos problemas internacionais que fazem surgir novos fluxos de refugiados, o texto faz um apanhado histórico da evolução internacional do conceito de refugiados, analisa o contexto global das migrações forçadas em termos dos “boat people”, e de como o fenômeno remonta ainda ao período da Guerra Fria. Procurando mostrar que os náufragos modernos no mar mediterrâneo correspondem à um outro processo político global, que perpassa pela vontade política da maioria dos Estados hegemônicos do sistema internacional.

No foco da questão dos refugiados no Brasil, o trabalho de Danielle Anonni e Joana Galdino Silva busca analisar os direitos trabalhistas dos refugiados no país. Procurando refletir, a partir da atual legislação de direitos sociais, a respeito da regulamentação trabalhista a ser conferida aos imigrantes, particularmente aos refugiados, buscando desmistificar falsos pressupostos que autorizariam a discriminação laboral e de tratamento aos trabalhadores migrantes. O objetivo principal parece evidenciar como as relações de emprego no Brasil permanecem ligadas aos mitos e aos pressupostos discriminatórios e de como, sobretudo, estes fatores, são os elementos reais de violações aos direitos trabalhistas, o que acaba atingindo aos refugiados presentes no país.

Por outro lado, o trabalho de Julia Bertino Moreira se propõe a refletir sobre o papel e a atuação das Cátedras Sérgio Vieira de Mello no processo de integração local dos refugiados presentes no país. Busca debater a respeito da inclusão da academia como ator relevante na estrutura que congrega atores estatais e não estatais em prol da recepção e acolhimento de refugiados. O argumento central é desenvolvido no sentido de que as Cátedras e as universidades podem contribuir significativamente, por meio de seu tripé: ou seja, suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, de modo a favorecer os processos de inserção e interação dos refugiados em múltiplos aspectos e dimensões.

No contexto das migrações em direção ao Brasil, José Antônio Peres Gediel e Melissa Martins Casagrande procuram fazer uma análise das bases teóricas das medidas de cunho humanitário relacionadas ao processo de migração dos haitianos ao país, assim como das resoluções e instrumentos que tais medidas ensejam no contexto das divisões do Direito Internacional de Proteção Humana, ou seja, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Concomitante procura-se evidenciar uma reflexão sobre os fundamentos da razão humanitária. No caso dos fluxos de haitianos e sua relação com a posição brasileira no cenário internacional atual, e a implantação do visto de permanência por razões humanitárias em face da instabilidade sociopolítica exacerbada pelo terremoto que atingiu o pequeno país da América Central em 2010.

O artigo de Laura Madrid Sartoretto aborda o Sistema Europeu Comum de Asilo implantado na União Europeia que buscava harmonizar os procedimentos em relação às solicitações de refúgio e dividir as responsabilidades entre os Estados-membros do bloco. A autora procura demonstrar que ele foi incapaz de atender os objetivos para os quais foi criado, pois existem enormes divergências nas condições de recepção em cada um dos países do bloco, o que pode ser evidenciado pelas contínuas reuniões dos líderes europeus para se chegar a um denominador comum em relação à divisão de responsabilidades e as cotas para recepção de refugiados. O texto procura evidenciar que os chamados Regulamentos Dublin, que procura estabelecer como país de solicitação aquele de primeira entrada do migrante, implantou uma carga de responsabilidade demasiada aos países com fronteiras externas, principalmente os banhados pelo mar Mediterrâneo, porta de entrada da maioria dos refugiados que chegam a Europa.

Enquanto que Lúcia Maria Machado Bógus e Viviane Mozine Rodrigues dedicam-se à apresentação do fenômeno da apatridia, originada dos problemas de fronteira entre o Haiti e a República Dominicana. Tendo como marco o terremoto que abalou a República do Haiti, em 2010, a migração da população para o país vizinho acaba ganhando contornos de tragédia, visto as decisões judiciais dos tribunais dominicanos a não reconhecerem crianças de pais haitianos que migraram de forma clandestina, enquanto cidadãos dominicanos. O que acaba recrudescendo o debate em torno do instituto da apatridia, e as posições da comunidade internacional a respeito deste tema tão delicado, no sentido de combater esta prática que retira a dignidade e a nacionalidade das pessoas.


Organizador

César Augusto S. da Silva – Professor da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. Doutor em Ciência Política pela UFRGS.


Referências desta apresentação

SILVA, César Augusto S. da. Apresentação. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.4 n.8, p.7-10, jul./dez. 2015. Acessar publicação original [DR]

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