Entendendo o turismo como uma prática social da atualidade, não podemos relacioná-lo apenas como uma alternativa para alavancar o desenvolvimento econômico. As repercussões geradas a partir de sua expansão implicam em mudanças comportamentais dos vários planos da vida cotidiana, tanto no que diz respeito à (in) formalidade laboral, quanto ao cultivo das novas experiências de convivências com a economia do turismo, uma vez que imprimem novos ritmos e tempos aos lugares.
Num momento em que a humanidade experimenta as transformações nas relações de produção e consumo, mediados cada vez mais pelos meios técnicos e informacionais, os sistemas de objetos da comunicação e informação (Mobile Internet) são reveladores da emergência de novos paradigmas, de novas relações de poder e experiências na escala humana que transcendem aspectos das culturas e lógicas pautadas da exploração de meros objetos, como paisagens e lugares de contemplação.
As atividades turísticas, bem como toda a compreensão sistêmica que envolve a oferta e a demanda, deslocamentos e, sobretudo, as trocas de experiências culturais e econômicas, forjam uma nova lógica, desenhada para consolidar o modelo globalizante de acumulação do capital, introduzindo o turismo como necessidade básica do cidadão.
Aliado a esse pressuposto, a competitividade e o individualismo contemporâneo associado a flexibilidade e a mobilidade organizacional do trabalho expressada pelas crises dos Estados – Nações se contrapõem no plano das aparências com a tendência homogeneizadora do mundo, que de forma revolucionária introduz a “ditadura do Ócio” como viés para entender / perceber o espaço, traduzindo as interações de vários elementos no processo de produção / reprodução de um mundo novo, marcado pela modernidade.
Essa reestruturação espacial que ocorre simultaneamente nas escalas local e global, mantendo suas heterogeneidades temporais e espaciais, reflete o momento batizado por Milton Santos (1994) como “técnico – científico – informacional”, que se estabelece fortalecendo os setores de serviços, onde as mídias propõem mudanças tão velozes e tão sublimes, que passam a ser incorporadas como novas necessidades da vida do homem.
São essas necessidades, representadas pelas demandas cada vez maiores no cenário mundial, que atribuem ao turismo um lugar de destaque nos planejamentos contemporâneos, uma vez que a capitalização dos fluxos de pessoas nas distintas escalas; sejam internacionais, regionais e locais conduz a um novo desenho do mapa do mundo, segundo as tendências delineadas por essa nova forma de consumo do espaço.
Dessa forma, o turismo “adentra artificialmente no rol das necessidades básicas do homem” (RODRIGUES, 1997) massificando o consumo consumptivo de determinados lugares e despertando interesses de grupos econômicos sobre as conquistas financeiras advindas de sua exploração.
Assim, a intensificação de um processo chamado de turistificação de lugares, passa a desempenhar papel fundamental na inserção e/ou reaquecimento de economias em declínio, à custa de grandes e graves impactos sociais, onde a capacidade de carga desses lugares – (carrying capacity), conceito pertinente ao processo de turistificação – que sequer é observado, ou seja, o processo muitas vezes ocorre de forma tão violenta que o lugar não suporta as incursões demandadas, passando a revelar aspectos de degradação ambiental e social, além de desterritorializar as comunidades envolvidas. Fato que está intrinsecamente articulado ao processo de desenvolvimento pensado em bases que não coadunam com o desenvolvimento compartilhado entre a população como um todo.
Os questionamentos e proposições presentes neste número da Revista Ponta de Lança buscam oferecer subsídios para um tratamento reflexivo sobre assuntos relevantes para o desenvolvimento de uma consciência mais ampla a partir das ciências sociais, principalmente através da Geografia, da História, da Antropologia e do Turismo, no sentido de desvelar os vieses do turismo no Brasil.
Como pressuposto inicial da discussão, apresentamos o texto dos professores Ana Valéria Endres e Elbio Troccoli Pakman que tem como objetivo mostrar as raízes iniciais da gestão do turismo no país e suas principais modalidades, bem como, as atuais possibilidades de percepção dos lugares turísticos enquanto promotores de uma revalorização da identidade e da história de certos lugares no Brasil.
Já o artigo de Ivan Rêgo Aragão apresenta de forma elucidativa uma reflexão acerca do turismo religioso como prática motivadora do sagrado, da fé e crença comunal, onde se verificam os aspectos da mobilidade humana baseada na devoção, no pagamento de promessa e na identidade cultural, tendo como objeto de análise a divulgação e culto do Senhor dos Passos no Brasil.
Numa perspectiva da antropologia social, o grupo de pesquisadores capitaneados pela professora Gabriela Nicolau dos Santos foram buscar as potencialidades do turismo cultural no Alto Sertão Sergipano, como forma de desvendar que além dos Cânions de Xingó, tão massificados pelos atrativos que apresentam, também podem sugerir outros olhares, novos sentidos e roteiros arqueológicos, históricos e religiosos que explicitam a verdadeira cultura regional.
Também, dentro do viés antropológico, o trabalho de pesquisa de Eliane Avelina de Azevedo e Fabiana Almeida da Silveira enfoca os traços da gastronomia local do município de São Cristóvão, na região da grande Aracaju, como alternativa para a diversificação da oferta turística de um destino. Seus estudos formatam um arcabouço de possibilidades que tentam aliar o patrimônio arquitetônico e museológico existente no município com a produção gastronômica como estratégia de promoção do desenvolvimento local e regional.
O artigo dos professores Antonio Carlos Campos e Cristiane Alcântara, busca discutir as realidades e perspectivas do turismo rural em Sergipe, apontando para possíveis ações que devem ser executadas de acordo com o planejamento territorial. Os autores também esboçam uma proposta de turismo rural enquanto um produto turístico complementar ao turismo de sol e praia, viável e motivador, a partir de atividades de troca de experiências fundamentadas no saber-fazer do modo de vida rural.
O artigo elaborado pelo professor Joab Almeida Silva apresenta algumas inquietações relativas à governança do turismo em Sergipe, focando o polo Costa dos Coqueirais. Neste artigo, o autor busca fomentar a discussão e reflexão sobre governança compartilhada e sua influência na organização espacial no turismo.
Uma aplicação acadêmica e revisão do conceito de cidades inteligentes no turismo são apresentadas na contribuição da Professora Jennifer Soares, que analisa as mudanças estruturais que vêm ocorrendo na atividade turística, que cada vez mais requer novos modelos de planejamento e gestão de destinos.
Este número finaliza com o artigo de Rafaelle Camilla dos Santos Pinheiro, que apresenta o Turismo de Base Comunitária como uma alternativa de gestão do turismo em comunidades que tenham um potencial e vontade de desenvolver o turismo.
Finalmente, buscando a divulgação de uma das obras atuais que discute toda a contemporaneidade das relações sociológicas, Larissa Prado Rodrigues apresenta uma resenha do livro de Zygmunt Bauman que explana a cultura no mundo líquido moderno: das missões proselitistas iluministas ao multiculturalismo.
Boa leitura!
Referências
RODRIGUES, Adyr Balastreri. Turismo e Espaço – rumo a um conhecimento transdisciplinar. São Paulo, Hucitec, 1997.
SANTOS, Milton. Técnica, Tempo, Espaço: Globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1994.
CAMPOS, Antonio Carlos; SANTOS, Cristiane Alcântara de Jesus. Apresentação. Ponta de Lança, São Cristóvão, v.10, n.19, 2016. Acessar publicação original [DR]
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