Realismo, História e Ficção/Cadernos de Pesquisa do CDHIS/2021
A emergência do paradigma realista na produção cultural europeia em meados do século XIX é capítulo chave na história das formas de representação. As proposições e debates que ajudaram a definir o estatuto das artes plásticas e da literatura ficcional também estabeleceram parâmetros de sentido para gêneros letrados como a historiografia. Se as convenções da história literária indicaram a formação de uma escola, ou de um estilo, observa-se que o realismo norteou práticas de representação interessadas na descrição, e na apreensão, da realidade. Mais do que um programa estético circunstancial, o realismo pode ser pensado como problematização recorrente das relações entre imaginação, forma e narrativa.
Os artigos que compõem este dossiê apontam para diferentes aspectos desta articulação e conformam um delineamento histórico de suas configurações. Em “Considerações sobre a antroponímia da gente miúda preservada nas crônicas de Fernão Lopes e de Gomes Eanes de Zurara” Jerry Santos Guimarães analisa como os dispositivos de nomeação informam sobre a aplicação das normativas retóricas e sobre as funções do registro histórico na crônica portuguesa do século XV. Já em “Retórica e romance histórico: apontamentos sobre The Antiquary (1816), de Walter Scott” Lavinia Silvares examina a permanência parcial da tradição retórica e a incorporação da perspectiva histórica como procedimento característico do romance moderno. O desenvolvimento do programa realista na crítica literária do século dezenove é objeto do artigo “O real e o alegórico na recepção oitocentista de Moby Dick” em que Lainister de Oliveira Esteves examina como as resenhas de época articularam o significado das alegorias aos aspectos verossímeis do romance de Herman Melville.
Em “A tríade dialética espacial de Henri Lefebvre” Keidy Narelly Costa Matias investiga a conceitualização do espaço como instrumento de compreensão e transformação da realidade na obra de Henri Levbre. Já em “A vida como arte: traços libertários no projeto Fluxus (1962-1978)” Claudia Tolentino Gonçalves Felipe analisa como o movimento de vanguarda redimensionou a experiência estética por meio da diluição das fronteiras entre vida e arte e pela recodificação da relação artista/público. No artigo “O Gerente e a Recepcionista (Traços de Psicologia Social em um Romance de Agatha Christie)”, Jean Pierre Chauvin discute os aspectos convencionais do romance policial tendo em vista a formação histórica do gênero e seus dispositivos próprios de representação da realidade. “História e ficção: dos usos do fingir à política de semantização”, texto de Warley Alves Gomes que fecha o dossiê, examina as aproximações poéticas e epistemológicas da historiografia com a literatura ficcional.
Dois artigos integram a seção de artigos livres. Por meio de elementos teológicos, práticas oficiais e entrevistas, Flavio Pantoja Monteiro estuda a figuração de demônios e seus atributos a partir do posicionamento de duas vertentes pentecostais (Assembleia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular) e duas neopentecostais (Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja Internacional da Graça de Deus).
Atentos às abordagens paisagística, urbana e pública da arqueologia e cientes do impacto negativo exercido pela urbanização e pela ausência de políticas públicas voltadas para o assunto, José Mauricio da Silva e Claudia Rodrigues Carvalho analisam elementos do patrimônio arqueológico presentes em municípios da Baixada Fluminense (Nova Iguaçu, Japeri, Queimados, Mesquita, Belford Roxo) e no município de Miguel Pereira, situado na Região do Médio Paraíba do Sul.
Cássia Stefanini Vieira preparou um relato de experiência voltado para o uso de Ensaio sobre a Cegueira (1995), do escritor português José Saramago, com alunos do ensino médio da Etec de Cotia, no Estado de São Paulo. De acordo com a autora, o experimento deixou evidente o poder transformador e o papel desempenhado pela literatura no âmbito do ensino.
Frederico de Sousa Silva apresenta a tradução de uma das cartas de Plínio, o novo, publicada entre 100 e 110 d. C. Seu epistolário é vasto e acomoda centenas de cartas. O tradutor, por meio de uma pesquisa de pós-doutoramento, está vertendo para o português esse imenso acervo de missivas.
Kassius Kennedy Clemente Batista preparou uma resenha de Rastros de Resistência: histórias de luta e liberdade do povo negro, publicado em 2019 pela Panda Books e finalista do prêmio Jabuti de 2020. Já Carla Dieppe resenhou The colour of time: a new history of the world (1850-1960), livro de Dan Jones e Marina Amaral publicado em Londres no ano de 2018.
A pluralidade dos textos que integram esta edição dos Cadernos de Pesquisa do CDHIS evidencia o alcance do realismo como problemática dos sistemas de representação e como procedimento narrativo que subsidia os significados das artes, da literatura, da história.
Organizadores
Cleber Vinicius do Amaral Felipe – INHIS-UFU.
Lainister de Oliveira Esteves – INHIS-UFU.
Referências desta apresentação
FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral; ESTEVES, Lainister de Oliveira. Apresentação. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Uberlândia, v. 34, n. 1, p. 3-5, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR/JF]