Reagan and Gorbachev: How the Cold War Ended | Jack F. Matlock Junior

Em um belo dia do ano de 1983, Jack Matlock Jn., embaixador dos EUA na República da Tchecoslováquia, recebeu um inesperado telefonema da Casa Branca convocando-o a Washington, onde lhe foi oferecido uma posição-chave no Conselho de Segurança Nacional: a de desenhar uma estratégia de negociação viável frente à União Soviética. Especialista em história e cultura da Rússia e funcionário do Departamento de Estado, Matlock foi escolhido por ser um linha dura com experiência em negócios com os russos, e não – como outros membros no CSN – por ser apenas um teórico.

Na época se falava de uma nova Guerra Fria conduzida por Reagan com sua proposta de escudo antimísseis, seu agressivo projeto da Nova Direita baseado na desregulamentação da economia, no combate ao comunismo, no chauvinismo e na caracterização da União Soviética como o Império do Mal. Do lado Soviético, vivia-se uma longa crise iniciada com a morte de Brezhnev e marcada pela luta interna de poder, pela invasão do Afeganistão e pela manutenção da visão dual comunismo versus capitalismo.

Quem apostaria que Matlock Jn. estava prestes a testemunhar, na condição de um dos atores chaves um dos momentos mais importantes da história da humanidade: o fim da Guerra Fria?

O autor não esconde o fato de que o fim da União Soviética e do comunismo foram eventos inesperados e que não estavam entre os objetivos de Reagan. Contudo, diferentemente do que dizia a maioria dos analistas, deduzindo do discurso anticomunista do presidente que sua postura era apenas confrontacional, Matlock vê um Reagan missionário, disposto a mostrar aos comunistas que existia um mundo melhor e livre, um líder capaz mesmo de ajudá-los caso eles decidam seguir por este novo caminho.

O autor mostra como por acidente da história chega ao poder, em Moscou, um líder reformista e ousado que aos poucos se aproxima de Reagan para forjar uma amizade e aliança que permitiu a transformação de uma relação baseada na idéia de conflito em uma na prática da cooperação. Para o autor, o fim da Guerra Fria foi obra das iniciativas e ações destes dois grandes líderes, Reagan e Gorbachev.

Em uma narrativa minuciosa e apaixonada, Matlock apresenta seu testemunho dos melhores anos de sua carreira diplomática, quando presenciou a súbita mudança na cúpula soviética com a chegada ao poder de Gorbachev e a substituição do velho linha dura e ministro das Relações Exteriores Andrei Gromiko por um diplomata flexível, chamado Eduard Shevardnadze. Página por página o autor nos conduz com detalhes pelo processo de decisão, pelas propostas, encontros, intrigas, desentendimentos, altos e baixos em um processo arduamente conduzido e conquistado, que levou a União Soviética a aceitar os pontos-chave da estratégia política de Reagan.

Gorbachev, com apoio de Reagan, reduziu as armas nucleares estratégicas em 50%; deu fim a produção de armas biológicas e permitiu que as ex-repúblicas soviéticas se tornassem independentes; finalmente, com e término da censura viu emergir uma imprensa livre, direitos civis e eleições diretas. Um início promissor no caminho do que Reagan chamava “mundo livre.”

Em uma profissão onde o pessimismo, o ceticismo e o sentimento de fracasso e impotência são comuns, a experiência diplomática de Matlock Jn. revela que vale a pena acreditar na mudança e em um outro mundo marcado pela democracia e pela diplomacia paciente, garantida na força econômica e militar. Um mundo, nas palavras de Gorbachev – que segundo Matlock, Reagan concordaria plenamente – onde nenhum país poderia se considerar seguro se não levasse em conta a segurança dos outros países.

Mas se a lição da história é que a “história em geral não é levada em consideração”, Matlock Jn. reconhece que a luta dos dois líderes travadas contra resistências de burocratas e ideólogos dos dois lados, para por fim a velha ordem mundial criou possibilidades para a construção de um novo mundo, que os líderes sucessores Yeltsen e Putin, Clinton e W. Bush não aproveitaram.

A atual hegemonia de uma agenda internacional negativa baseada no choque de civilizações, na luta contra o terrorismo, no unilateralismo norte-americano, nas conseqüências da tortura nas prisões em Guantanamo e no Iraque parecem ameaçar o mundo que Reagan e Gorbachev criaram. A reemergência do novo totalitarismo russo, agora sem casca ideológica alguma, é o mais forte sinal de que, talvez, mudar a história seja bem mais difícil do que os dois líderes imaginavam.

Caso a política de Bush-Putin refaça o totalitarismo soviético e limite a democracia americana, não estariam anuladas as grandes realizações de Reagan e Gorbachev? Não teria sido então melhor manter o “demônio conhecido” que abrir as portas para os desconhecidos? Matlock Jn. não se acomoda e não se entrega ao pessimismo. Ele não hesitou em recentemente assinar o manifesto de ex-diplomatas e militares norte-americanos contra a política de W. Bush. Seja lá o que venha a ocorrer, seu livro permanece como um documento imprescindível para os interessados em tomada de decisões na política externa americana e no fim da Guerra Fria, e como um testemunho de como se pode articular uma política de paradigmas realista e idealista que produza resultados no contexto externo.


Resenhista

Marcos Aurélio Guedes de Oliveira – Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


Referências desta Resenha

MATLOCK JUNIOR, Jack F. Reagan and Gorbachev: How the Cold War Ended. New York: Random House, 2004. Resenha de: OLIVEIRA, Marcos Aurélio Guedes de. Revista Brasileira de Política Internacional, v.47, n.2, 2004. Acessar publicação original [DR]

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