Esse livro oportuno e bem escrito ilumina partes da ciência brasileira que até recentemente haviam permanecido esquecidas — tal como a Escola Tropicalista Bahiana que constitui o centro da pesquisa —, apesar mesmo da considerável bibliografia já produzida sobre a ciência e a medicina coloniais, quase sempre sinônimo de medicina tropical, que entretanto raramente consideraram os países latino-americanos pois já eram nações independentes nos períodos focalizados por essa historiografia.
Julyan Peard rejeita a antiga interpretação de que a ciência no Brasil era inexistente ou pouco significativa anteriormente ao século XX. Com uma respeitável coleção de fontes primárias e secundárias, ela conta aos leitores uma história diferente e agradável sobre a Escola Tropicalista Bahiana, que se iniciou previamente à revolução bacteriológica e à grande expansão colonial européia. Em suas palavras: “um grupo de médicos no século XIX no Brasil, visando adaptar a medicina ocidental para melhor atacar questões específicas desse país tropical, buscaram novas respostas para a velha questão de se as doenças de climas quentes seriam ou não distintas daquelas da Europa temperada. Em sua busca, usaram os instrumentos da própria medicina ocidental para se contrapor às idéias a respeito da fatalidade dos trópicos e de seus povos, e reivindicaram a competência brasileira”.
O texto se organiza em cinco capítulos, cujos títulos claramente traduzem tanto a estrutura da narrativa quanto os principais pontos discutidos, e até mesmo parte das conclusões: ‘A Escola Tropicalista Bahiana: uma resposta criativa na adversidade’, ‘A política da doença’, ‘Raça, clima, medicina: enquadrando desordens tropicais’, ‘Médicos e mulheres na Bahia’, ‘Rumo a temas centrais’. Além disso, nas 13 páginas da Introdução a autora apresenta uma útil revisão da bibliografia preexistente, destacando a contribuição de sua obra (original, é bom que se diga) para diversas áreas relevantes. O livro está construído em torno da tensão central entre os ‘Tropicalistas’ e a ciência européia: “apesar deles (os Tropicalistas) oporem resistência a aspectos da autoridade cultural Européia que lamentava a inferioridade brasileira e latino-americana, eles desejavam ganhar o manto da legitimidade que, conforme acreditavam, somente a ciência européia, como líder da ciência universal, poderia estender sobre eles”. Peard mostra, capítulo por capítulo, suas estratégias, às vezes conscientes, às vezes intuitivas, para construir um campo científico inovador, no qual se imbricavam ainda questões de identidade nacional e a resposta regional (da Bahia) à autoridade imperial central (do Rio de Janeiro). Quase metade das páginas compreendem três úteis apêndices, notas a todos os capítulos, uma lista das fontes primárias, a bibliografia e um índice remissivo bem elaborado — um material que atesta a qualidade da pesquisa e da edição.
É oportuno salientar que Julyan Peard também utiliza o que poderíamos chamar de “nova” história e sociologia da ciência brasileiras, particularmente a que trata da medicina e da saúde pública. Apesar de seu vigoroso desenvolvimento, em termos quantitativos e qualitativos, essa produção, infelizmente, ainda permanece bastante confinada às fronteiras latino-americanas, devido talvez às barreiras de idioma. O livro de Peard, ao usar e dialogar com essa bibliografia, respeita a produção intelectual local assim como contribui para enriquecer o conjunto de referências. De minha parte, embora recomendando fortemente o livro, eu lamento que a autora não tenha incorporado completamente as conclusões a que chegou essa historiografia recente, e tenha preferido, ao final (sendo quase contraditória com todas as páginas precedentes), permanecer fiel à imagem construída pelos trabalhos anteriores, afirmando, ao concluir, que “nas raras ocasiões em que a pesquisa foi feita no Brasil anteriormente a 1900, esse trabalho foi esporádico, isolado, … ou incapaz de se auto-sustentar.”
Resenhista
Silvia F. de M. Figueirôa – Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino Instituto de Geociências/Unicamp. E-mail: figueroa@ige.unicamp.br
Referências desta Resenha
PEARD, Julyan G. Race, Place, and Medicine: The Idea of the Tropics in Nineteenth-Century Brazilian Medicine. Durham, S.C./London: Duke University Press, 1999. Resenha de: FIGUEIRÔA, Silvia F. de M. Ciência e medicina fora da Corte: a Escola Tropicalista Baiana. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.9, n.3, set./dez. 2002. Acessar publicação original [DR]
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