Questões de estilística no ensino da língua – BAKHTIN (B-RED)

BAKHTIN, Mikhail. Questões de estilística no ensino da línguaTradução, posfácio e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2013. 120 p. Resenha de: ANDRADE, Augusto Baptista de Andrade. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.9 n.2, São Paulo July/Dec. 2014.

A obra aqui apresentada tem como cerne a tradução do artigo intitulado Questões de estilística nas aulas de língua russa no ensino médio, assinado por Mikhail M. Bakhtin, com notas de Liudmila Gogotichvíli e colaboração de Svetlana Savtchuk. O texto foi traduzido por Sheilla Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, diretamente do russo.

As tradutoras, ao perceberem a relevância da obra para o estudo de qualquer língua, optaram por transpor para a versão brasileira como Questões de estilística no ensino da língua. Dessa forma, proporcionam à comunidade acadêmica mais um relevante trabalho desenvolvido por Bakhtin, abordando uma faceta pouco discutida no Brasil: seu lado docente. Não apenas o docente voltado para as discussões sobre estratégias de ensino ou sobre desenvolvimento de conteúdo, mas, principalmente, o professor/pesquisador/professor, que observa o desempenho dos estudantes, analisa as suas produções e, sustentando-se em aspectos teóricos, leva à sua prática diária o que se tem chamado de práxis: uma educação criativa e autocrítica, na qual o homem produz (cria) e transforma o conhecimento para uma constituição real da aprendizagem. É esse docente que se pode observar no artigo traduzido, pois representa a ação direta do professor do Ensino Médio, função exercida por Bakhtin em duas escolas no interior da Rússia entre 1937 e 1945.

Trata-se, pois, de um texto indispensável, não apenas para pesquisadores da área de Língua e Linguística, mas para professores do Ensino Fundamental e Médio que há tanto tempo ouvem sobre uma Educação Linguística que passa pelos mesmos problemas discutidos por Bakhtin.

Algumas questões importantes despontaram durante a leitura. A primeira relacionada diretamente ao universo de significações que a publicação proporciona. É possível perceber com clareza a noção de dialogia defendida por Bakhtin e seu Círculo, pois ela irrompe em todo o artigo e na própria construção estrutural da obra pelo entrelaçamento das vozes de Grillo, Américo, Faraco, Brait e Gogotichvíli.

Outro aspecto a destacar é que a obra é sui generis, pois não é uma organização formal de capítulos como se vê normalmente em livros e em coletâneas. Na realidade, são alguns especialistas que refletem sobre o artigo de Bakhtin e oferecem, mesmo em pequenas notas, importantes contribuições que complementam nosso olhar sobre ele. As partes que compõem a obra – orelha, apresentação, artigo, notas da edição russa e posfácio das tradutoras – conversam de forma fina entre si e dão a complementaridade necessária para que os leitores possam perceber as nuances do trabalho realizado pelo filósofo/docente da linguagem.

Se o artigo, que é o objeto de reflexão em todas as partes do livro, impressiona, tendo em vista as discussões muito próximas à contemporaneidade, os demais textos oferecem outras vozes, que aguçam os olhos e os ouvidos do leitor para a importância da compreensão que Bakhtin dá à Estilística no ensino de língua.

Dessa maneira, pretende-se apenas apresentar nesta resenha algumas considerações que ressaltam a qualidade da obra em pauta, ainda que aqui não haja uma ordem sequencial de apresentação da estrutura do livro. Assim, a proposta é unir as vozes que falam sobre o artigo de Bakhtin em uma imagem caleidoscópica, que possibilite mostrar um dos caminhos para que o professor de língua possa experienciar, criando duas possibilidades igualmente importantes para o ensino: a de observar reais mudanças na expressividade textual de seus alunos e conhecer (além de elaborar) estratégias que ofereçam subsídios para uma leitura e produção textual eficientes, a partir de um estudo de Gramática que observe a língua viva.

Com essa intenção, já na orelha da obra, Faraco pontua que o artigo traduzido mostra que o foco do autor não está em discussões teóricas, mas no fazer pedagógico do docente que deveria proporcionar o gosto e o amor por efeitos estilísticos diferenciados, tendo em vista o que se pretende dizer em cada contexto de produção. Em seu artigo, a partir de uma articulação metodológica, Bakhtin apresenta e demonstra como observar os efeitos de sentido do período composto por subordinação sem conjunção e, como caminho de construção para essa trajetória, escolhe o diálogo com seus alunos, procurando evitar uma linguagem livresca e impessoal, tal qual observa Faraco.

Saltando para o posfácio, Baktin, Vinográdov e a estilística, observar-se as tradutoras discorrerem sobre como encontraram Serguei Gueórguevitch Botcharov para solicitar autorização formal para a tradução do artigo e como foram recebidas prontamente após informarem que Bakhtin era uma referência em documentos oficiais da educação básica no Brasil. Passam, posteriormente, a discorrer sobre a questão estilística apontando que Bakhtin procura demonstrar a importância de se refletir sobre uma estilística da língua que não está preocupada apenas com a caracterização de autores e correntes literárias, ao explicitar a estilística do discurso. Para tanto, as tradutoras retomam o que foi apontado por Vinográdov sobre a estilística da língua, estrutural e do discurso, como diferentes tipos e atos de uso, explicitando que a estilística da língua ocupa-se das “inter-relações e interações dos grandes estilos de uma língua em conexão com as funções interativa, comunicativa e persuasiva da linguagem” (p. 103), para, posteriormente, refletir sobre a do discurso, mostrando a importância de Vinográdov nas discussões sobre o tema. Grillo e Américo retomam os conceitos de Estilo e Estilística, argumentando que na Rússia, apesar da influência constante da Estilística europeia, as reflexões/discussões adquirem certa particularidade. Para tanto, tecem um rápido contexto histórico dessas proposições, a fim de apresentar tais nuances, salientando a importância da interlocução com Viktor Vinográdov que, apesar de ter sido opositor constante de Bakhtin, foi várias vezes citado em Problemas da poética de Dostoiévski.

Na apresentação, Lições de gramática do professor Mikhail M. Bakhtin, Brait retoma a importância de se discutir o ensino de língua materna, salientando que o texto de Bakhtin, ora traduzido, demonstra que todas as preocupações em torno de uma Educação Linguística de qualidade parecem perdurar no tempo, pois já era para o filósofo/professor um problema a ser tratado. Tal problema persiste no Brasil, sem sinais de evolução, e pode ser constatado pelos resultados de avaliações nacionais amplamente divulgados. O que nos parece ser fundamental, já apontado na apresentação, é que os autores do Círculo tiveram a preocupação de estabelecer uma relação entre procedimentos metodológicos de ensino/aprendizagem, interligando Gramática, leitura, produção de sentidos e autoria. Brait afirma que sua apresentação não pretende roubar do leitor o prazer da leitura surpreendente e gratificante do livro como um todo; no entanto, sem os resgates desenvolvidos em seu texto, o contexto da obra perderia uma voz importante para a plena compreensão do que se deseja enfatizar, principalmente o reforço que se dá à atenção que Bakhtin oferecia ao contexto escolar, pois, se há uma crise do ensino de língua em curso desde o início do século XX, faz-se necessário continuar a procura de novas possibilidades para reverter tal situação.

A presente publicação, em específico, cumpre esse papel, ou seja, propõe uma revisão do ensino de Gramática praticado nas escolas. Nesse sentido, observa-se no artigo de Bakhtin uma orientação sobre procedimentos didáticos que envolvem a interação docente/discente na parceria necessária para a consecução de uma aprendizagem real, pautada nas questões de produção textual e tendo como suporte a Estilística.

Se não bastassem as notas apresentadas, as tradutoras incluíram outros apontamentos que estavam na edição russa, registrados por Liudmila Gogotichvíli, Sobre o texto de Bakhtin. Observa-se, nessa seção, uma série de comentários de grande relevância para a compreensão geral do texto do professor/filósofo da linguagem. As discussões sobre inter-relação entre Gramática e Estilística são retomadas no âmbito escolar, perpassando aspectos discutidos pelo Círculo, no que se refere aos gêneros do discurso, a fim de que seja compreendida a concepção bakhtiniana das relações entretidas entre Gramática e Estilística. Há referência a alguns autores que trabalharam com a questão, dentre eles estudiosos europeus. Entre tantas discussões que poderiam ser aqui apontadas, para não extrapolarmos o objetivo desta resenha, frisa-se a indicação de que, apesar de certas mudanças científico-metodológicas entre 1921 e 1922 que fundamentavam o ensino de língua russa, especialmente na defesa da separação da Gramática de outros aspectos da língua, para Bakhtin tal proposição era equivocada, pois o teórico considerava que enquanto a Gramática levasse o estudante ao conhecimento sobre a língua, a estilística o conduziria à prática.

O artigo, propriamente dito, apresenta as considerações desse pensador em relação ao ensino de língua e demonstra sua grande preocupação com o que se fazia na Rússia. Coerente com sua concepção dialógica da linguagem, o texto sustenta a necessidade de se observar os estudos das formas gramaticais em consonância com os aspectos semânticos e estilísticos da língua, o que não é tarefa fácil, pois como o autor alerta, raramente o professor dá ou sabe explicitar tais relações.

Em caráter de exemplificação, para que se possa compreender a que o artigo se propõe, destaca-se a possibilidade do modo como a oração subordinada adjetiva poderia ser ou não transformada em particípio. Exercícios dessa natureza são realizados com frequência, no entanto, comumente o aluno fica sem compreender o objetivo da realização de tal atividade, dado que o aspecto puramente gramatical, sem a percepção estilística, não oferece a clareza necessária para a mudança. Nas palavras do mestre, ao citar o exemplo: A notícia que eu ouvi hoje me interessou muito e A notícia ouvida por mim hoje me interessou muito, o professor deveria explicitar, como aponta Bakhtin, que “[…] ao transformar uma oração subordinada desenvolvida em uma reduzida de particípio, diminuímos a natureza verbal dessa frase, realçamos o caráter secundário da ação, expresso pelo verbo ouvir, assim como diminuímos a importância da palavra indicativa de circunstância hoje. Por outro lado, essa alteração provoca uma concentração de sentido e de ênfase no protagonista dessa frase, na palavra notícia, ao mesmo tempo em que se obtém uma grande concisão expressiva” (p.25-26). Fica explicitado, dessa maneira, que alterações gramaticais podem produzir efeitos de sentidos variados, por isso a importância de se trabalhar a Gramática e a Estilística em conjunto, razão pela qual em toda sua extensão o artigo continua laborando essa perspectiva.

Deve-se, sem dúvida, parabenizar a iniciativa da tradução da obra, bem como a reunião de pesquisadores, cujo trabalho tem se voltado, no Brasil, à chamada Análise Dialógica do Discurso. De modo que a importância de sua leitura é aqui reafirmada, tanto para pesquisadores que se dedicam ao estudo da língua/linguagem, quanto para professores dos diversos níveis educacionais, pois a presente publicação traduz para o universo da Educação Linguística reflexões fundamentais para o exercício consciente da docência.

É importante dizer ainda que a presente resenha não teve a pretensão de propor um percurso para a leitura da obra. Cabe a cada leitor buscar seu caminho e dialogar com os profissionais que se dedicaram à tradução, à elaboração do livro e às discussões apresentadas.

Carlos Augusto Baptista de Andrade – Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL, São Paulo, São Paulo, Brasil; carlos.andrade21@hotmail.com.

Itamar Freitas

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