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Quem governa o mundo? | Noam Chomsky

Noam Chomsky, nascido em 1928, na Filadélfia, é linguista, filósofo, cientista, comentador e ativista político. Doutor pela Universidade de Harvard e professor emérito em Linguística pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, se destaca pelo ativismo contra a guerra do Vietnã, como se pode constatar em uma outra obra chamada “O poder americano e os novos mandarins”, publicada no ano de 1969, a qual avalia a intervenção norte americana na Ásia.

Conhecido desde a década de 1960 por frequentar o debate acadêmico sobre temas políticos, possui forte teor crítico em relação às políticas dos Estados Unidos da América, país dito como principal impositor no discurso global. Autor da Teoria Central da Linguística que diz que os humanos possuem uma capacidade inata de linguagem embutida no cérebro, o autor mostra apreço pela comunicação. Também se destaca como “o maior intelectual da esfera pública” segundo a Observer e de acordo com o New Statesman “quem quer conhecer melhor nosso mundo tem de ler Noam Chomsky”.

De forma geral, neste livro em questão, Chomsky se lança na busca por investigar o alcance dos domínios dos centros de poder global sobre outras área do mundo. O objetivo central é responder ao questionamento que dá nome à obra e parte de uma análise nas esferas econômica, política e militar.

Os centros de poder em questão e como se distribuem ao redor do mundo, de acordo com o autor são os Estados Unidos, a China, os Estados do Oriente Médio e da Europa. Dito isto, o autor além de analisar a questão principal sobre quem comanda o mundo, de acordo com a introdução do livro, aponta os caminhos que esses agentes seguem em busca de atender a seus interesses.

Os agentes são os atores que fazem parte da geopolítica mundial, os Estados, as principais potências mundiais ou ainda os grandes centros de tomada de decisão mundial. Países que possuem estruturas internas poderosas e muito relevantes no que tange a suas decisões políticas, enquanto muita das vezes sua população vive marginalizada no contexto da atual ordem contemporânea global.

O autor parte seu discurso a partir do fato de que desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos passou a determinar e impor as proposições que compreendem o discurso global. Tais proposições são apresentadas já na introdução da obra como por exemplo as diversas preocupações mundiais como o conflito israelo-palestiano, o Irã, a América Latina, a guerra contra o terror, a organização econômica internacional, os direitos, a justiça, guerra nuclear e destruição ambiental. Porém, o autor também verifica que o poder norte-americano vem diminuindo desde 1945, quando Washington passou a partilhar seu poder com os países que fazem parte do G7 – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido (e a União Europeia) – assim como as organizações por eles controladas como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e as organizações internacionais de comércio.

Ainda na introdução, Chomsky incorpora ao debate os “senhores da humanidade”, que durante o início da Era do Capitalismo de Estado moderno foram ignorados por Adam Smith, estes senhores eram os comerciantes e fabricantes da Inglaterra, responsáveis pela política naquele período (como Chomsky chama os “arquitetos da política”), sem esse entendimento, segundo o autor, não se pode ter sapiência sobre quem governa o mundo, pois na ordem contemporânea esses mesmos mestres adquiriram o estatuto de senhores e passaram a monopolizar um poder enorme “com as gigantescas e não raras vezes predatórias instituições financeiras, com as multinacionais protegidas pelo poder do Estado e com as figuras políticas que representam amplamente os seus interesses” (p.12). Isto quer dizer que as instituições dos mestres, agora conglomerados internacionais e enormes instituições internacionais, adquiriram poderio internacional e dentro dos próprios Estados de forma a conseguirem se proteger e promover apoio para outras nações.

O autor não deixa de mencionar a responsabilidade dos intelectuais que se unem ao discurso do Estado e se tornam, perante a comunidade intelectual geral, indivíduos aceitos, louvados. Em contrapartida, aquele que contrariam as medidas que o Estado promove, interna ou externamente, e “se recusam a unir-se ao serviço do Estado são punidos”.

O autor afirma que: […] é mais gratificante rejubilar com o enaltecimento da corajosa resposta aos abusos dos inimigos oficiais: uma atividade que nada tem de errado, mas que não constitui a prioridade de um intelectual regido por valores que leva a sério a responsabilidade da posição que assume”. (p. 26)

Durante o primeiro capítulo o autor descreve de forma minuciosa as intenções e as reações norte-americanas, se referindo a um ligeiro delineamento inicial dos, em suas palavras, “terríveis crimes pelos quais os norte-americanos têm grande dose de culpa”. Dentre esses crimes, o autor cita que de 1960 a 1990, com o colapso soviético, o número de prisioneiros políticos não violentos que foram vítimas de execuções e chacinas em massa aumentou muito. Na América Latina, entre as vítimas estão muito mártires religiosos. Os números excedem os verificados na União Soviética, devido a guerras travadas contra a Igreja Católica e apoiadas por Washington.

Outro acontecimento foi o apoio de Washington para o golpe militar no Brasil e que foi amplamente difundido depois da morte de John Kennedy, o golpe de 1973 que iniciou a ditadura de Pinochet no Chile, e “a mais cruel das ditaduras: a argentina – o regime latino-americano predileto de Ronald Reagan” (p.23).

Outra denúncia de Chomsky é que a ditadura confiou aos economistas formados na Universidade de Chicago (Boys de Chicago) a reforma de toda a economia do Chile. Em 1962, Kennedy enviou uma missão das Forças Especiais para a Colômbia, lideradas pelo general William Yarborough, e aconselhou as forças colombianas a perseguir militantes comunistas, todas atividades apoiadas pelos Estados Unidos.

O autor prossegue afirmando que o 11 de setembro mudou o mundo, e dentre suas consequências, tem-se o fato de Bush declarar guerra contra o terrorismo que já havia sido declarada por Reagan, e por isso Chomsky vai designar que a América Latina foi o primeiro 11 de Setembro, com o Chile como primeiro alvo.

No Oriente Médio, Chomsky destaca a invasão do Afeganistão e do Iraque, além da desculpa usada pela chamada Guerra contra o Terror que levou à busca incessante por Osama Bin Laden.

Para Noam Chomsky, a questão sobre se existe realmente o declínio da hegemonia dos Estados Unidos e se a China e a Índia possuem reais possibilidades de tomar o lugar dos norte-americanos.

Chomsky defende que o declínio estadunidense é real, tendo começado desde seu apogeu após a Segunda Guerra Mundial, mas “o corolário comumente traçado de que o poder transitará para Índia e para a China é comumente duvidoso”, pois o mundo está se tornando muito diverso e apesar do declínio norte-americano, não existe nenhum país à altura para assumir o poder hegemônico global.

Atentando para dados recentes, Chomsky analisa o déficit públic dos EUA que Obama tentou resolver em 2009, diminuindo as despesas estatais e locais. A população defendeu a opção de aumentar os impostos dos mais riscos. Outro problema é o saldo deixado pelos custos das guerras de Bush e Obama no Iraque e no Afeganistão que chegaram aos 4,4 bilhões de dólares. O orçamento militar dos EUA equivale a cerca do somatório total dos orçamentos militares no resto do mundo. Por fim, o autor fecha essa questão analisando que o poder norte-americano está, de fato, está em declínio pelo mundo, porém, os Estados Unidos ainda são a nação mais poderosa do mundo, mas estão cada vez mais incapazes de impor sua vontade. A China e a Índia anunciaram um rápido crescimento, porém ainda é muito desigual, com características de nações muito pobres “marcadas por gravíssimos problemas internos com os quais o Ocidente não se vê confrontando” (p. 93).

A China é o principal centro de produção do mundo, mas enquanto fábrica de montagem para as potências industrializadas mais ascendentes e para as multinacionais ocidentais. Mas isso pode mudar, se investir em criação de bases para a inovação que já acontece por se destacar enquanto líder mundial do mercado crescente dos painéis solares. A China está construindo uma versão moderna das rotas da seda, com o objetivo de colocar a região chinesa sob influência e acessar as regiões produtoras de petróleo como a Europa e o Médio Oriente.

Outro ponto de destaque é que a China está investindo na criação de um sistema energético e comercial integrado, com vias férreas extensas e de alta velocidade e oleodutos. Em 2015, a China criou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), sendo seu principal acionista a própria nação, EUA e Japão não compareceram a inauguração.

Isto decorre do fato de que o AIIB pode vir a ser um potencial concorrente para o FMI e para o Banco Mundial, instituições essas em que os EUA tem poder de veto. Existe também expectativas de alguns analistas de que a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) pode a vir a tornar-se um equivalente a Organização do Atlântico Norte (NATO).

Chomsky mostra que a China teve um crescimento econômico recente mas em consequência da sua população, isto é, a China possui uma percentagem muito alta de pessoas em idade de trabalhar. O autor conclui que o declínio norte-americano pode ocorrer em um cenário bem realista ao se considerar o equilíbrio de forças no mundo.

O livro é uma fonte única de fatos e de acontecimentos precisamente documentados e explicados, mas muitos desses acontecimentos, pouco conhecidos do público em geral. Chomsky busca responder a pergunta título do livro mas sugere que além de repensarmos sobre qual país governa o mundo, precisamos antes pensar sobre os valores e princípios que governam o mundo, sobre as políticas que estão sendo discutidas e adotadas e sobre como a população dos países periféricos absorvem as mudanças da geopolítica e economia mundial.

No geral é um excelente exercício para que possamos pensar fora do óbvio em relação a quem exerce o poder, e passemos a pensar que poder é esse e como este se manifesta.


Resenhista

Liana dos Santos Gonçalves de Souza – Economista Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: liana.goncalves18@gmail.com


Referências desta Resenha

CHOMSKY, Noam. Quem governa o mundo? Lisboa: Editorial Presença, 2016. Resenha de: SOUZA, Liana dos Santos Gonçalves de. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 15, n. 43, p. 273-275, janeiro, 2020.

Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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