Protagonismos Indígenas no Espaço Escolar / Revista Espacialidades / 2020

A sociedade atual, cada vez mais heterogênea, tem mostrado a necessidade de reconhecimento e representatividade dos diversos grupos que a compõe e nos seus mais variados âmbitos, seja político, econômico ou cultural. No Espaço escolar não seria diferente, este que pode ser entendido como um espaço de vivências sociais capaz de amalgamar a diversidade existente, assume uma posição de extensão da sociedade e, portanto, também precisa assegurar o princípio da equidade. Desse modo, o presente dossiê visa trazer discussões que privilegiem a participação direta ou indireta dos povos indígenas no processo educacional, que entre lutas e desafios, tem consolidado importantes conquistas de direitos no Brasil, como por exemplo, desde a Constituição de 1988 até ao Decreto Lei nº 6861, de 27 de maio de 2009 – no qual aprovava e definia a organização da Educação Escolar Indígena –, passando pela Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 com a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na Educação básica da rede pública e privada.

No decorrer da História do Brasil, os índios tiveram lugares bem específicos, em grande medida aqueles de negação e esquecimento. Contudo, uma onda de movimentos liderados por grupos indígenas em prol da defesa de seus direitos ganhou ainda mais força durante a década de 1970, período que marcou o início das articulações sociais de resistência às políticas repressivas dos governos militares. Desde então, os índios têm buscado ainda mais assumir os rumos de suas próprias histórias, construindo suas narrativas, protagonizando-as, e efetivando sua participação nos mais diversos espaços.

Aqui, o fio condutor dos debates levantados será a noção espacial, em vista que esta constitui o foco e escopo da Revista. Portanto, através dos diálogos que intersecionam o Protagonismo indígena e o Espaço escolar, reforçar-se-á a importância de abordagens que tratem dos grupos indígenas e de suas demandas, principalmente, do dever de se oferecer elementos que corroborem para a construção de uma consciência social voltada ao respeito da alteridade no meio escolar. Sendo assim, esse dossiê torna-se pertinente no sentindo da valorização da educação pautada na diversidade sociocultural e linguística dessa parcela da população, na sua reafirmação identitária e na manutenção de sua cultura.

Destarte, as pesquisas apresentadas neste dossiê através de diferentes abordagens, metodologias, fontes e arcabouço teórico, cumprem com um objetivo em comum: servirem de contribuição para endossar os debates em torno dessa temática.

Abrindo o Dossiê temático, Arthur Ramalho Freire, mestrando em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, contribuiu com sua pesquisa “As intervenções estatais na Educação Escolar Indígena: da colonização a política pública, uma análise bibliográfica”, na qual realizou uma discussão perpassando por diversos momentos históricos em que os índios do Brasil foram submetidos a ações educativas pelo Estado, muitas delas impositivas. Na ocasião, portanto, o autor tratou desde o ensino proposto nas missões jesuíticas até àquele operacionalizado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Já no artigo “Educação escolar indígena: o processo de gestão como forma de organização e respeito aos conhecimentos”, escrito por Oséias Poty Miri Florentino, pedagogo pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Mariana Ferreira Bayer e Suzete Terezinha Orzechowski, ambas Professoras do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO. Os autores analisam a gestão democrática de escolas indígenas no município de Mangueirinha, no Paraná, sendo uma Guarani e outra Kaingang, identificando o envolvimento dos índios nesse processo através de visitas de campo e levantamento bibliográfico e documental.

Em sequência, há outro estudo em uma comunidade Kaingang, porém, localizada no município de Redentora, no Rio Grande do Sul. No trabalho “O espaço reservado à formação de professores em uma comunidade Kaingang”, os autores Juliana Tatsch Menezes, Especialista em Linguagem e Docência pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Ânderson Martins Pereira, doutorando em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e Ariane Avila Neto de Farias, doutoranda em Letras na Universidade Federal do Rio Grande – UFRG, por meio de entrevistas realizadas com Professores da Escola indígena, investigaram como se dava a prática do ensino de Língua Portuguesa e se essa atendia às determinações oficiais.

Em seguida, a próxima discussão visou elaborar mapas mentais da Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu, no Sul da Bahia, afim de servir como material didático na escola indígena local. Portanto, o trabalho “Etnomapeamento na Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu” foi resultado de uma pesquisa integrada por Adriana Silva Souza, graduanda da Licenciatura Intercultural Indígena no Instituto Federal da Bahia – IFBA, Campus Porto Seguro, juntamente com os Docentes da mesma Instituição de Ensino, Ana Cristina de Sousa, Carla Sandra Silva Camuso e Leonardo Thompson da Silva. O grupo de pesquisadores realizou um levantamento histórico da ocupação do território Pataxó Hãhãhãe, coletando dados referentes às construções espaciais desse povo que viessem a subsidiar o etnomapeamento.

Para encerrar esse dossiê temático, apresentou-se o artigo “O índio na escola do imperador: retomada de terreno por indivíduos que foram expulsos de seus espaços originais”, cujos autores, Marcello Miranda Ferreira Spolidoro e Beatriz Mota Ferreira, respectivamente, doutorando e mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, analisaram o aumento da comunidade indígena na instituição pública federal de educação Colégio Pedro II. Além da observação desse movimento, ao qual eles atribuíram como “retomada de terreno”, foi colocada em questão também a importância da descolonização do currículo escolar, objetivando a valorização de práticas pedagógicas contra-hegemônicas.

O presente volume contou ainda com outros quatro trabalhos na Sessão livre, sendo o primeiro deles de autoria de Thaina Morais Avelino Maia, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, intitulado “Da cidade imaginada à cidade escrita: o espaço urbano na narrativa do livro Constantinopla (1889)”. Neste artigo, a autora propôs uma análise do relato de viagem do escritor italiano Edmondo De Amicis (1846-1908) à capital do Império Otomano e de suas impressões descritivas também imbuídas de suas leituras fantasiosas.

O artigo seguinte, “Integralismo ‘racial’: a figura do judeu no projeto nacional brasileiro de Gustavo Barroso (1930)”, de Cícero João da Costa Filho, Doutor em História pela Universidade de São Paulo – USP, versa sobre o caráter antissemita presente nas produções bibliográficas do chefe de milícias Gustavo Barroso (1888- 1959) e, em especial, daquelas que tratavam do seu projeto de nação baseado na elite e no estado forte. Cícero Costa Filho apresentou as concepções integralistas, as noções de raça e o conservadorismo que compunham as narrativas de Gustavo Barroso sobre como deveria ser o Brasil de acordo com sua visão.

Já Lucas Aleixo Pires dos Reis, graduando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, no artigo intitulado “O espaço senegambiano: uma percepção de conformação espacial a partir do comércio de ferro – século XVI” abordou a conformação das relações sociais na Senegâmbia através do comércio interno de ferro. Por meio da análise de relatos de viajantes, o autor problematizou a hierarquização existente entre povos ao norte e povos ao sul da região, baseando-se nos espaços sociais construídos durante o século XVI.

Por fim, Cristiane da Rosa Elias, mestranda em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, contribuiu com o seu trabalho “Língua, colonização e resistência: uma discussão sobre os usos da linguagem”. Nele, a autora objetivou refletir a respeito das formas de dominação exercidas sobre a linguagem, entendendo-a como meios de disseminação de modos de ser e pensar. Dessa maneira, associou as línguas africanas a uma alternativa de resistência desses povos, em enfrentamento ao sistema colonial e as estratégias de submissão dos grupos.

Esse volume também contou com a contribuição, na sessão “Entrevista”, do Professor José Luiz Soares ou Luiz Katu como é mais conhecido, sendo uma das principais lideranças indígenas do Rio Grande do Norte, cacique da aldeia Catu, que fica entre os municípios de Goianinha e Canguaretama, e é interlocutor não apenas dos Potiguara, mas também de outros povos indígenas do estado junto aos agentes governamentais. Essa entrevista compõe o trabalho de dissertação “‘Não há conflito se for feita releitura’: a experiência escolar dos Potiguara do Catu no contexto de convivência intercultural numa escola não indígena (Goianinha / RN, 2015-2019)”, de autoria de Tiago Cerqueira Santos vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA UFRJ / UFRN), e contou com a preparação, discussão e contribuições do professor Lígio José de Oliveira Maia, Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Como Professor e articulador de movimentos de luta, Luiz Katu detalhou as ações executadas na tentativa de dirimir os preconceitos e os estigmas sofridos, ressaltando a importância das Escolas Indígenas João Lino e Alfredo Lima, localizadas no estado Potiguar, e do seu exercício político também enquanto docente, assim como sua preocupação com o ensino da História nas escolas não indígenas. Além disso, a liderança concedeu informações sobre os desafios enfrentados e os avanços conquistados no Catu, e pontuou ainda as principais dificuldades que passam os alunos egressos das duas Escolas Indígenas da aldeia as quais ele leciona, após a conclusão do Ensino Fundamental I.

Sendo assim, o primeiro número de 2020 da Revista Espacialidades apresenta aos leitores e às leitoras um conjunto de artigos acompanhado de uma rica entrevista, afim de corroborar com o preenchimento de lacunas na historiografia referente ao protagonismo indígena, em especial no âmbito escolar. Através das investigações e pesquisas elaboradas pelos autores e autoras, estimulam-se os diálogos e as problematizações, e assim, enriquecendo os debates históricos.

O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!

Clara Maria da Silva (UFRN) – Vice Editora Gestora

Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Editor

Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Gerenciador do site

Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe

Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora Gestora

Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais

Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Editora de texto (normatização)

Victor André Costa da Silva (UFRN) – Secretário Geral


MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.16, n. 01, 2020. Acessar publicação original [DR]

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