Prontos a contribuir: guardas nacionais, hierarquias sociais e cidadania (Rio Grande do Sul – século XIX) | Miquéias Henrique Mugge
A obra enfoca o tema da Guarda Nacional de São Leopoldo articulando muito bem as contribuições teóricas do método das redes sociais sob perspectiva histórica à extensiva pesquisa empírica realizada nas fontes acerca da milícia. Ao anunciar sua abordagem e as possibilidades da história política do cotidiano, Miquéias Henrique Mugge afirma seu propósito de pesquisa: recuperar vivências, comportamentos e estratégias diárias de seus personagens em foco, os guardas nacionais de São Leopoldo. Para tanto, além dos já conhecidos fundos documentais usualmente utilizados pelos historiadores como, por exemplo, as correspondências entre os oficiais e autoridades do Estado Imperial como Presidentes de Província e ministros de Estado, Mugge tem o mérito de acrescentar à análise inventários, processos-crime, entre outras fontes, contribuindo inestimavelmente para o que se propôs, ou seja, recuperar as vivências cotidianas, como sujeitos políticos, dos guardas nacionais de São Leopoldo, tanto do oficialato, mas também daqueles que compunham a hierarquia baixa da milícia, os simples guardas. Cumprindo muito bem tal objetivo, Mugge também revisa a discussão historiográfica sobre o papel dos imigrantes alemães na construção do Estado nacional brasileiro do XIX, resgata muito bem os eixos explicativos da historiografia acerca da imigração alemã, destacando que tais imigrantes não foram “apolíticos”, pelo contrário, viveram e atuaram politicamente na defesa de seus direitos, resistindo ou aderindo a “milícia cidadã” conforme seus interesses. Diga-se que esta questão é apresentada a partir de um pertinente diálogo com a historiografia recente da imigração alemã no Rio Grande do Sul.
Além disso, Mugge, no tratamento das fontes como, por exemplo, os inventários, consegue discutir – dialogando com a historiografia que tematizou a Guarda Nacional no Império do Brasil – o perfil do oficialato da Guarda Nacional de São Leopoldo. Suas conclusões são legitimas, porque fundamentadas nas fontes históricas, e significativas quando, por exemplo, afirma que a hierarquia dos oficias não segue necessariamente a lógica econômica, já que “a renda não era condição necessária para tornar-se um oficial” e “os de menor fortuna poderiam ocupar um posto mais alto que os de maior fortuna, como de fato ocorreu”. Na mesma lógica de pensamento, Mugge salienta que havia outros atributos necessários para a ascensão dos oficias, como “manter e entreter relações pessoais, dar atenção aos clientes, ter habilidades e recursos pessoais para a função de chefe familiar ou político”. Como ilustração, cito o ferreiro de Campo Bom, Philipp Dreyer, alferes e depois capitão. Acrescento também o mérito do texto em narrar a vida de indivíduos, com nome e alguns dados pessoais, bem em sintonia com a pesquisa histórica – inspirada teoricamente na micro-história atual que objetiva conhecer personagens concretos do passado e suas vivências particulares, reduzindo a escala de análise e utilizando o método indutivo, partindo dos atores sociais e da observação de suas relações. Assim sendo, o autor quebra com as visões generalizantes, como a que afirmava que “todo imigrante era apolítico”, e consegue se aproximar do passado de seus personagens em foco.
Ao tratar especificamente da milícia em São Leopoldo, a pesquisa possui a relevância de apresentar as características peculiares da instituição no contexto de uma colônia de imigrantes, discutindo a importância dos comerciantes e do espaço urbano, mostrando que o caráter do poder local neste contexto é distinto, por exemplo, dos chefes locais da região fronteiriça de campanha, de Comandos Superiores como os de Quaraí e Livramento. Todavia, apropriadamente, a obra não se esquece de salientar os elementos comuns entre a milícia de São Leopoldo e as demais do Império como, por exemplo, o usual recrutamento forçado praticado pelos comandantes, o papel da Guarda na articulação dos poderosos locais ao poder central do Império, as resistências dos guardas ao serviço ativo das mais diversas maneiras, entre outras questões.
Portanto, trata-se de uma obra que contribui significativamente para o conhecimento da história de São Leopoldo, seus imigrantes, bem como de uma instituição importante para a compreensão do Império do Brasil e da própria construção do Estado brasileiro, a guarda nacional.
Resenhista
André Átila Fertig – Programa de Pós-graduação da UFSM, Santa Maria/RS, Brasil. E-mail: andre.fertig@hotmail.com
Referências desta Resenha
MUGGE, Miquéias Henrique. Prontos a contribuir: guardas nacionais, hierarquias sociais e cidadania (Rio Grande do Sul – século XIX). São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2012. Resenha de: FERTIG, André Átila. Uma história social e política dos guardas nacionais de São Leopoldo no Rio Grande do Sul do século XIX. Diálogos. Maringá, v. 17, n.2, p. 753-755, mai./ago. 2013. Acessar publicação original [DR]