Entre as etapas da comunicação científica está a produção textual, responsável por dar corpo e divulgação aos resultados, parciais ou finais, de um trabalho. Antes mesmo que uma pesquisa tenha início, é necessário produzir um texto, isto é, um projeto, por meio do qual seja possível conhecer a intenção dos cientistas proponentes, assim como seus conhecimentos sobre estado da arte na área, metodologia a ser empregada, cronograma, custos e resultados esperados. A escrita, então, atravessa todas as etapas das produções acadêmicas.
A obra Produção textual na universidade, das linguistas Désirée MottaRoth e Graciela Rabuske Hendges, docentes da Universidade Federal de Santa Maria (RS), trata dos gêneros do domínio acadêmico-científico. A generalidade do título é coerente com a proposta do livro, que não se limita a tratar de resenhas, artigos e projetos de uma ou outra área do conhecimento. As autoras, cuidadosamente, recolhem dados e exemplos sobre a composição e os movimentos retóricos de textos que circulam em diversas áreas, dando à discussão, portanto, um tom de diversidade muito importante para quem aprende a redigir na academia. Por toda a obra, dispensam-se regras generalistas sobre como fazer resumos ou artigos, a favor da explicação de movimentos retóricos que são mais comuns em uma ou em outra área, sem julgamentos de valor sobre a importância de cada uma delas.
Produção textual na universidade é uma obra que auxilia no letramento acadêmico dos estudantes, desde a graduação, podendo ser adotada também para alunos de pós-graduação. Trata-se de um livro composto de oito capítulos, além da nota do editor, da Apresentação, das referências dos exemplos e de uma bibliografia. São abordados, nesta ordem: a resenha, o projeto de pesquisa, o artigo acadêmico (introdução, revisão da literatura, metodologia, análise e discussão dos resultados) e o resumo (ou abstract). O primeiro capítulo insere o leitor na discussão sobre publicar ou perecer, questão que tem tanto impulsionado os pesquisadores quanto aumentado a tensão e a ansiedade em relação à produção científica.
Em todos os capítulos em que se aborda um gênero específico do domínio acadêmico, as autoras trazem resultados de pesquisas linguísticas que fundamentam orientações ou parâmetros para a produção de texto. Não se trata, portanto, de uma obra para consulta de macetes descontextualizados ou de regras peremptórias sobre o que seja escrever resumo ou resenha, de forma generalista. Trata-se, sim, de um livro para se compreender os movimentos retóricos de resenhas, resumos, projetos e artigos, de acordo com a prática que vem sendo adotada em áreas diversas da pesquisa acadêmica. Por exemplo, para tratar de abstracts, as autoras mostram como esses textos vêm efetivamente sendo produzidos por autores, tanto em linguística quanto em medicina ou engenharia, e sendo publicados em eventos ou em periódicos. Não é, portanto, de um livro de regras de gramática ou de fórmulas de paragrafação, como é a maioria das obras de redação para universitários.
Em um movimento contrário ao dos livros de normas e macetes, MottaRoth e Hendges extraem dos dados de pesquisa linguística as orientações para a composição de textos deste e daquele gênero acadêmico. Além disso, oferecem quadros com textos bem-sucedidos, marcando as partes e indicando os movimentos retóricos mais ajustados às condições de produção e de circulação do gênero em foco.
Produção textual na universidade é resultado de pesquisa criteriosa. Outra vantagem da obra é ela ter se originado de um material utilizado pelas autoras com alunos de graduação e pós-graduação, isto é, trata-se de um livro pilotado pelas autoras ao longo de anos, acrescido de ajustes e correções, e só então publicado e chegado a um público mais amplo.
A despeito de as autoras terem sugerido uma sequência de trabalho na composição dos capítulos, é plenamente possível que professor e alunos, usuários da obra, alterem essa sequência com os gêneros, podendo começar pelo projeto de pesquisa ou pelo artigo, e só então passando ao resumo e à resenha. Ao contrário do que propaga certo discurso entusiasmado com novas tecnologias, os livros impressos não pretendem acorrentar o leitor a uma ordem inexorável. Como sempre, a edição sugere uma trilha, que o leitor está livre para desafiar. Conforme Roger Chartier destaca, “A ordem do livro é constantemente desafiada pela liberdade da leitura”, liberdade esta ligada ao modo de trabalho de cada professor, em cada área, conforme o desenrolar dos cursos de redação acadêmica oferecidos em nossas universidades e faculdades.
Produção textual na universidade alia prática e reflexão fundamentada, resultando em uma obra para ser estudada e utilizada para o letramento acadêmico de estudantes universitários, que terão, certamente, ótimas oportunidades de compreender (mais do que redigir às cegas) os movimentos textuais da redação no domínio da produção científica.
Resenhista
Ana Elisa Ribeiro – Licenciada e bacharel em Letras/Português. Doutora em Linguística Aplicada pela UFMG. Professora do PPG em Estudos de Linguagens e do curso de Letras do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). E-mail: anadigital@gmail.com
Referências desta resenha
MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela Rabuske. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola, 2010. Resenha de: RIBEIRO, Ana Elisa. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.1 n.1, p.97-99, jan./jul. 2011. Acessar publicação original [DR]
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