Há, constantemente, a necessidade de avaliação daquilo que nos foi contado como “História” e que preenche os currículos, livros e salas de aula, pois corre-se o risco de assumir uma única versão da mesma, limitando as possibilidades de compreensão das manifestações ao redor, inibindo vozes e projetando apenas as mesmas personagens, ideologias e visões de mundo. Foi com a proposta de revisitar, ampliar e problematizar a produção uma história, ciência e saber únicos que nasceu (por meio de processos intensos de luta e reafirmação política) o curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros, vinculado à Universidade Federal do Maranhão (LIESAFRO/UFMA).
O curso se configura como interdisciplinar porque promove diálogo, pesquisa e estudos nas diversas áreas do saber como a Filosofia, Sociologia, Educação, História e Geografia, promovendo geração e divulgação de conhecimentos que revisitem os modos fixos de saber, que por tanto tempo foram consagrados na academia e nas escolas, e que também problematizem e apresentem olhares múltiplos sobre histórias e culturas que não são unas. Tais saberes evocam, principalmente, para a questão étnico-racial que por séculos foi politicamente negligenciada nas pesquisas acadêmicas, resultando em ensinos de história, geografia, filosofia e sociologia que desprivilegiassem vivências e historicidades gerados por populações do eixo sul, resultando em um epistemicídio historicamente reforçado.
A proposta deste curso de licenciatura lhe configurou como o primeiro no Brasil que pensa centralmente as questões étnico-raciais, fortalecendo a Lei 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação básica. Este dossiê é um reflexo daquilo que a Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros estuda e dos debates e pesquisa que tem promovido, pois traz artigos fruto dos trabalhos de pesquisa que culminaram na primeira formatura de graduação do curso, inaugurada em 5 de maio de 2015 na Universidade Federal do Maranhão – campus Bacanga – contando com defesas dos trabalhos monográficos realizadas a partir de maio de 2019.
São pesquisas realizadas nas diversas áreas que contemplam a licenciatura interdisciplinar e constando revisões, desnudamentos, leituras outras, análises da sociedade maranhense e brasileira em suas diversidades e que a revista KWANISSA reuniu como forma de celebrar este marco tão importante para a produção acadêmica regional e nacional no dossiê “Estudos africanos e Afro-brasileiros: pesquisas da primeira turma”.
Este dossiê especial é aberto com o artigo de Ayla Cristina Lopes Moura trazendo a perspectiva da língua no “USO CONCOMITANTE DA LÍNGUA CRIOULA E DA LÍNGUA PORTUGUESA: o caso de Praia – Cabo Verde” que trata da diversidade linguística, existência e convivência de duas línguas diferentes presentes e sendo usadas de forma concomitante na Cidade de Praia, capital da Ilha de Santiago, Cabo Verde, tendo com objetivo perceber e mostrar o quanto é importante considerar a pluralidade linguística de um povo.
A pesquisa realizada por Cleonice Pinheiro traz como foco compreender como Museu “Cafuá das Mercês” pode contribuir para o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira, com o título “MUSEU AFRO E A LEI N° 10.639/2003: reflexões acerca dos desafios e das possibilidades do Museu Cafuá das Mercês (Museu do Negro) para o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira” analisa como a legislação que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana evidencia a necessidade de providenciar espaços como os museus e instituições a serviço da sociedade.
O artigo “PESQUISA ANCESTRAL: as rotas poéticas da capoeira e do negro no Brasil”, analisa os elementos que compõem a arte da capoeira, destacando a importância das músicas dessa modalidade como fonte historiográfica na formação social, em especial para apresentar o processo histórico da luta da população negra no Brasil. O autor Cristian Emanoel Ericeira Lopes analisa, a partir uma abordagem pedagógica e lúdica, tendo um terreno fértil para abrir o debate da educação das relações étnico-raciais, alguns cantos de capoeira que contam os episódios protagonizados por homens e mulheres que lutaram por sua liberdade, atribuindo valores positivos a esses sujeitos que, quando não esquecidos ou apagados, são relegados a espaços de subalternidade na narrativa hegemônica.
Em “GÊNERO E ESCRAVIDÃO: Mulheres Escravizadas nas Malhas do Tribunal Episcopal do Maranhão Colonial” de Elizania Cantanhede Ribeiro a abordagem é sobre as denúncias envolvendo mulheres escravizadas, de origem indígena ou africana, e como as autoridades eclesiásticas lidavam com tais questões, abordando também questões de concubinato, gênero e escravidão.
No trabalho “DA EIRA À GUMA: conflito e poder nas religiões afrobrasileiras” de Erick Ângelo Reis Rosa trata de religiões de matriz afro-indígena analisando questões de conflito e poder entre sujeitos e hierarquias presentes na conformação organizativa entre os “pecadores” e as divindades.
José Jonas Borges da Silva, no artigo “O RACISMO E O PENSAMENTO DE CLÓVIS MOURA: elementos para um debate” trata da contribuição do pensamento de Clóvis Moura para o debate acerca do racismo no Brasil, buscando refletir sobre a atualidade do pensamento do autor, enquanto intelectual e militante da causa negra que analisou as iniciativas e resistências do negro na formação social do Brasil.
Já o artigo “SAÚDE PARA A POPULAÇÃO NEGRA E SEUS DESDOBRAMENTOS: algumas abordagens” de Elisandra Cantanhede Ribeiro apresenta uma análise bibliográfica sobre os processos de implementação das políticas públicas de saúde da população negra no Maranhão, a partir da historiografia brasileira.
Ainda sobre olhar em um território africano tem-se o artigo “A GLOBALIZAÇÃO E A GEOECONOMIA DE MOÇAMBIQUE: notas acerca da chegada da VALE S.A e os impactos para a economia local” com autoria de Jairo da Costa Fontenelle Filho, que apresenta reflexões acerca da inserção do continente africano no contexto da globalização, especialmente, buscando o caso da Ceada da Vale em Moçambique, desnuda questões atreladas ao discurso desenvolvimentista e que promovem centenas de anos de exploração capitalistas dos territórios africanos.
EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: o uso de manifestações culturais para a implementação da lei 10.639/2003 trabalho desenvolvido por Janilce Márcia Fonseca Sousa foi um relato de experiência elaborado a partir de documentário envolvendo questões educacionais, raciais e o uso de algumas manifestações culturais relatando as vivências da escola Centro de Ensino Japiaçú.
E para encerrar este ciclo de artigos do dossiê especial da primeira turma de formandos/as em Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros, tem-se o artigo de Jessica Cristina do Nascimento Dias e Márcio dos Santos Rodrigues intitulado “Por Uma Genealogia Do Afrofuturismo” que tem como objetivo estabelecer uma genealogia do movimento “Afrofuturismo” compreendendo-o enquanto movimento estético-artístico bem como sua contribuição para o enfrentamento contra a marginalização e opressão impostas por grupos dominantes, bem como através de ficção especulativa constrói pretensões futuras para a humanidade.
Agradecemos ao empenho de cada aluno/a e orientador/a nas realizações de tais pesquisas, destacamos a relevância destes trabalhos, sobretudo, em contextos de estagnação e mesmo retrocessos políticos, econômicos e de cunho ideológicos que tem tentam limitar uma produção acadêmica mais ampla e diversa. Agradecemos ainda o esforço na elaboração destes artigos em meio ao contexto de crise sanitária e econômica estamos vivenciando.
Destacamos a aqui também o texto do editorial “Construam um mundo negro” do professor e atualmente coordenador da Licenciatura em Estudos Africanos e Afrobrasileiros, Rosenverck Estrela Santos que foi escrito para homenagear a turma “Maria Firmina dos Reis”, quando este foi escolhido como paraninfo.
Para esta publicação, agradecemos enormemente a primeira turma da Liesafro que cedeu gentilmente a foto de capa. Esta fotografia faz parte do álbum de formatura desta, foi tirada em frente as ruinas da igreja de São Matias, no município de Alcântara-Maranhão.
Desejamos a todos/as uma excelente leitura, reflexões e provocações que cada artigo pode conter, sabendo que também desnudam as experiências e políticas da Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (LIESAFROUFMA) e revista a Kwanissa.
Organizadores
Claudimar Alves Durans – Doutoranda em História pela UFMA; Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB/UFMA) e Núcleo Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (NIESAFRO/UFMA) Professora da Rede Municipal de São Luís; Editora da Kwanissa– Revista de Estudos Africanos e Afrobrasileiros. E-mail: claudimardurans@yahoo.com.br
Tatiane Sales – Professora Doutora da Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-brasileiros. Pesquisadora Núcleo Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (NIESAFRO/UFMA) Editora da Kwanissa Revista de Estudos Africanos e Afro-brasileiros. E-mail: tatiane.sales@ufma.br
Referências desta apresentação
DURANS, Claudimar Alves; SALES, Tatiane. Apresentação. Kwanissa – Revista de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros. São Luís, v. 4, n. 7, p. 01-05, 2021. Acessar publicação original [DR]
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