Principia ethica – MOORE (C)
MOORE, George Edward. Principia ethica. Trad. de Maria Manuela Rocheta Santos e Isabel Pedro dos Santos 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. Resenha de: SCARIOT, Juliane. Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 1, p. 234-237, jan/abr, 2012.
Qual é o âmbito da ética? O que é bom? O que é o bem? O que é bom em si mesmo? O que significa dizer que determinada ação é um dever? Essas são questões abordadas pelo filósofo inglês Moore (1873- 1958) no livro Principia ethica, um clássico da ética, publicado em outubro de 1903. Originalmente, a obra era composta de seis capítulos e um prefácio, mas a edição aqui utilizada inclui o prefácio à segunda edição, no qual Moore analisa as críticas tecidas ao seu texto e aponta algumas alterações que seriam necessárias; também há o artigo “O conceito de valor intrínseco”, publicado em 1922, e o texto “O livrearbítrio”, que integra Ethics, obra publicada em 1912 e reeditada em 1966.
É importante mencionar que, além dos textos de Moore, a obra tem uma introdução na qual apresenta, brevemente, o autor e a obra.
Dentre as curiosidades explicitadas nessa parte inicial do livro, deve-se destacar a relação entre Moore e Henry Sidgwick, filósofo de suma importância na ética utilitarista, e que foi professor daquele. Apesar de Moore classificar as aulas de Sidgwick como “bastante aborrecidas” (p.
10) e das divergências teóricas, é inegável a influência de Sidgwick na sua obra, principalmente quanto à argumentação de que o bem é indefinível e quanto à defesa do utilitarismo não hedonista, afinal Sidgwick defendia que o conceito de razão prática é indefinível, e que a concepção utilitarista de obrigação requer uma complementação através da intuição dos fins ideais da ação.
Já no primeiro capítulo de Principia ethica, nominado “O âmbito da ética”, Moore opõe-se a Sidgwick ao afirmar que a peculiaridade da seara ética não é investigar afirmações sobre a conduta humana. Assim, Moore inova ao colocar os termos bom/bem como centro da ética. Para esse filósofo, bom é uma propriedade simples e indefinível. Isso é exemplificado com uma comparação com a cor amarela: “Tal como é impossível explicar a alguém, seja de que maneira for, o que é amarelo, a não ser que essa pessoa já saiba o que é, também não é possível explicar o que é o bem.” (p. 88). Nesse sentido, apenas seria possível citar exemplos de coisas com tal propriedade, sem conceituar a propriedade em si.
No referido contexto, explicita a falácia naturalista, falácia na qual incorreram os filósofos que pensaram ter encontrado as propriedades comuns a todas as coisas boas e, consequentemente, definido o bem.
Moore lembra a importância de diferenciar bem de bom na condição de adjetivo e de substantivo, pois inúmeras coisas podem ser consideradas boas, ou seja, podem comportar o adjetivo, e isso não significa que tais coisas boas sejam equivalentes ao bem, afinal “não iríamos muito longe com a nossa ciência, se fôssemos obrigados a defender que tudo o que é amarelo significa exatamente o mesmo que amarelo”. (p. 96).
Moore também ressalta que, quando algo é detendor de uma propriedade única chamada bom/bem, possui valor intrínseco. Para o referido filósofo, um juízo ético correto exige que uma ação produza: (a) certo efeito em qualquer circunstância; e (b) o maior bem, considerados os efeitos no futuro – e não apenas os efeitos imediatos. Destarte, quando determinada ação é a melhor coisa a fazer, ela oferece o maior somatório de valor intrínseco. Entretanto, deve-se ressaltar que descobrir o valor intrínseco é algo complexo, pois o valor intrínseco do todo não é igual à soma do valor intrínseco de cada parte; as partes estão ligadas em uma relação de reciprocidade, formando uma unidade orgânica.
Nos Capítulos II, III e IV, Moore demonstra como as principais teorias éticas incorreram na falácia naturalista. Ele analisa as teorias naturalistas, em especial, a evolucionista de Spencer, o Hedonismo (Sidgwick e Mill) e as teorias que descrevem o bem em termos metafísicos (estoicos, Espinosa e Kant). No tocante ao utilitarismo, que Moore nomina de hedonista, é interessante notar que a falácia naturalista é mostrada através da utilização de um método peculiar: o filósofo avalia o valor do suposto bem “se ele existisse totalmente isolado, despojado de tudo o que geralmente o acompanha”. (p. 185). Esse método evidencia que há bens que, quando despojados de elementos que normalmente o acompanham, tem seu valor muito diminuído, como é o caso do prazer quando está ausente a consciência.
No tocante à conduta, objeto do quinto capítulo, Moore afirma que correto é sinônimo de útil e que causa bom resultado. Assim, dever é a ação “que causará maior bem no Universo do que qualquer outra alternativa” (p. 249-250), a opção com maior soma de valor intrínseco e que considera ao menos o futuro imediato. Como é difícil comprovar juízos éticos, já que o dever é composto de ações que geralmente produzem os melhores resultados. Assim, as quais deveriam ser sempre praticadas, pois o indivíduo não possui meios de avaliar perfeitamente cada situação concreta e optar pela melhor ação. A constante disposição para cumprir o dever é chamada virtude e, nesse sentido, algo bom enquanto é meio.
Por fim, há o capítulo intitulado “O ideal”, que apresenta as linhas gerais do que é fim em si mesmo, ou seja, do Bem Absoluto e do Bem Humano. Novamente se recorda o método do isolamento e o princípio das unidades orgânicas, pois o valor intrínseco do todo não é igual à soma do valor intrínseco de cada parte. Assim, Moore conclui que há uma pluralidade de grandes bens intrínsecos, que são altamente complexos, exigem a consciência de um objeto e, via de regra, além da cognição, exigem determinado sentimento ou emoção. O mencionado filósofo analisa os bens não mistos, os males e os bens mistos. De forma resumida, pode-se dizer que esses são bens que possuem algum elemento mau ou feio; os grandes males consubstancializam-se no amor pelo que é mau ou feio, no ódio pelo que é bom ou belo e na consciência da dor; os grandes bens não mistos podem ser descritos como o amor por coisas belas ou pessoas boas.
É polêmica a tese de Moore de que “as coisas mais valiosas que conhecemos ou podemos imaginar são, sem dúvida, certos estados de consciência que se podem descrever genericamente como os prazeres das relações humanas e o gozo dos objetos belos”. (p. 295). De plano, nota-se que identificar o Sumo Bem com o prazer nas relações intersubjetivas e na apreciação do belo colide frontalmente com o preceituado pela ética do dever, na qual o Sumo Bem exige a estrita observância do dever, e que esse deve ser cumprido, ainda que amargo.
Sem adentrar na polêmica do que compõe o Sumo Bem para Aristóteles, é evidente a divergência desse e de Moore, pois enquanto um concebe o Sumo Bem como uma atividade, o outro o entende como um estado.
De forma geral, o livro Principia ethica é de grande valia, seja pelas contribuições à seara ética, seja ao demonstrar que, antes de propor respostas, é fundamental que se saiba qual é a pergunta que se está a enfrentar. É evidente que já no prefácio à segunda edição o próprio autor revisou algumas de suas posições, de modo que a adoção incondicional da tese exposta por Moore dificilmente será sustentada.
Já contribuições como o método do isolamento e a concepção de unidades orgânicas transcendem o âmbito ético e continuam aplicáveis e defensáveis. Em suma, é inegável que a obra cumpre sua função de instigar o debate filosófico.
Juliane Scariot – Advogada. Mestranda em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul.