Política externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918) | Clodoaldo Bueno
Nas últimas décadas, o grande historiador Clodoaldo Bueno vem se destacando como um dos mais abalizados sobre a política externa brasileira, fenômeno que agora se repete com o lançamento de sua mais nova obra. Esta já surge como leitura essencial para os que militam no campo da história das relações internacionais, uma vez que o autor, demonstrando amplo conhecimento do tema em questão, narra, de forma celebrável, o desenrolar da formulação da política externa nos anos seguintes à década do nascedouro da República brasileira. O prefácio do professor Amado Luiz Cervo fala por si: a obra “compõe, ademais, a tríade de obras hoje indispensáveis ao conhecimento da evolução da política exterior durante a denominada República Velha”, juntamente com outro livro de Bueno, A República e sua política exterior, 1889-1902 (São Paulo: Ed. Unesp, 1995) e a Tese de Doutorado defendida por Eugênio Vargas Garcia, Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 (Universidade deBrasília, 2001).
Apresentando recorte temporal de 1902 a 1918, Bueno seduz o leitor com a forma que o argumento principal de seu livro é exposto. Tendo como desafio principal “reconstruir o sistema de idéias de Rio Branco” (p. 23), o autor a ele dedica a parte mais longeva da obra, sem que haja, no entanto, a ausência de uma correta exploração da formulação da política externa brasileira nos anos que antecederam e precederam a chancelaria do Barão (1902-1912).
Dividido em três grandes partes, o livro utiliza como delimitador entre elas os dez anos em que Rio Branco ocupou o Itamaraty. Destarte, a primeira retrocede no tempo apenas a ponto de trazer a lume os fatos vinculados a seu título: “o contexto hemisférico na transição da pax britannica para a hegemonia norte-americana”. A segunda, “Rio Branco: a aliança com os Estados Unidos e a idéia de condomínio oligárquico de nações,” tem na figura do Barão peça-chave de análise, visto que desfrutou de ampla margem de autonomia na condução do Itamaraty. A terceira e última parte, intitulada “A busca da continuidade e os novos desafios”, narra o vácuo causado pela ausência do Barão na formulação da política externa nacional e a tentativa por parte dos tomadores de decisão da época em continuar imprimindo ao Brasil uma posição altiva no cenário internacional.
À luz de Hobsbawm, Bueno faz uso das balizas cronológicas que designam a Era dos Impérios (1875-1914) para discorrer acerca do nascente sentimento pan-americanista que aflorava concomitante ao crescimento industrial norte-americano. Subdividida em três partes menores, essa primeira parte analisa o Neo-imperialismo, ou Imperialismo Econômico, uma vez que a ordem financeira começa a nortear as relações entre as nações. A Grã-Bretanha, até então “metrópole comercial” de praticamente toda a América Ibérica, tem seu escopo reduzido à medida que há o surgimento de uma nova fonte de poder do outro lado do Atlântico. O crescimento dos Estados Unidos, todavia, nunca foi considerado uma ameaça aos interesses brasileiros, nem mesmo frente ao Corolário Roosevelt, que reunia, em uma única matriz de pensamento, monroísmo e intervencionismo.
São levantadas ainda as raízes históricas do pan-americanismo e a afirmação que o Brasil tenderia a se tornar cada vez mais dependente dos Estados Unidos, idéia trabalhada por Rio Branco e exposta com genialidade por Bueno no decorrer de seu texto.
Subdividida em cinco menores partes, a segunda parte do livro é iniciada com um perfil de Rio Branco, elucidando aos leitores sobre suas opiniões acerca dos demais países sul-americanos, das potências da época e do regime republicano. Como coloca Renouvin, o “meio ambiente” influenciava sua tomada de decisão enquanto homem de Estado, todavia, sua visão geopolítica jamais levou o Brasil a situações periclitantes. Expondo as decisões tomadas pelo país no âmbito da política externa, como uma aproximação “pragmática” aos Estados Unidos; a parceria e rivalidade com a Argentina; as questões referentes à soberania; e a busca em elevar o prestígio brasileiro, Bueno consegue percorrer com eficiência, e fazendo mão de vasto material empírico, os anos de Rio Branco na pasta do Ministério das Relações Exteriores.
A terceira e última parte, subdividida em outras três, reverbera os anos em que a chancelaria foi ocupada por Lauro Müller. Organizada de forma a retomar os grandes temas de política externa da República Velha, essa parte faz referência ao novo relacionamento com os Estados Unidos, de “amizade com limites” à “amizade sem reservas”; passando pela participação brasileira na revolução mexicana de 1910; pela “cordialidade desconfiada” com a Argentina; encerrando-se nos impactos trazidos pela I Guerra Mundial para o Brasil, como a vinculação aos aliados e a renúncia do Chanceler brasileiro nos primeiros anos de guerra.
A todos nós que acompanhamos a difícil forja de criação de um pensamento brasileiro de relações internacionais, a nova obra de Clodoaldo Bueno traz lúcidas e fundamentais análises acerca, principalmente, dos eventos diplomáticos do período Rio Branco. O autor nos brinda com toda sua experiência acadêmica ao longo do livro, que tem como grande mérito não a elaboração de conjecturas e padrões, mas sim a elegante e assertiva abordagem de um curto, porém importantíssimo, período da história das relações internacionais, desenvolvendo todos os aspectos do tema. Sem dúvidas, estamos diante de um já clássico estudo das relações internacionais do Brasil.
Resenhista
José Flávio Sombra Saraiva
Referências desta Resenha
BUENO, Clodoaldo. Política externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918). São Paulo: Paz e Terra, 2003. Resenha de: SARAIVA, José Flávio Sombra. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.2, 2003. Acessar publicação original [DR]