Originalmente lançado em 1984, mas publicado no Brasil apenas em 2007, o estudo da historiadora norte-americana Lynn Hunt intitulado Política, cultura e classe na Revolução Francesa oferece não apenas pertinentes contribuições ao exame de um dos eventos mais estudados da história mundial, como também apresenta uma original abordagem da política, vista de maneira indissociável das práticas culturais e sociais.
Quando Hunt começou a pesquisa que daria origem ao livro, esperava demonstrar a validade da interpretação marxista, ou seja, de que a Revolução Francesa teria sido liderada pela burguesia (comerciantes e manufatores). Os críticos dessa visão (chamados de “revisionistas”), afirmavam, ao contrário, que a Revolução havia sido liderada por advogados e altos funcionários públicos. Procedendo a um minucioso levantamento de dados sobre a composição social dos revolucionários e suas regiões de origem, Hunt esperava encontrar maior apoio à Revolução nas regiões francesas mais industrializadas. Contudo, ela constatou que as regiões que mais industrializavam não foram consistentemente revolucionárias, e havendo de ser buscados outros fatores para tais comportamentos como os conflitos políticos locais, as redes sociais locais e as influências dos intermediários de poder regionais. “Em suma, as identidades políticas não dependeram apenas da posição social; tiveram componentes culturais importantes” (HUNT, 2007:10).
Hunt desejava evitar não só a abordagem de um certo tipo de marxismo, que faz derivar automaticamente uma “superestrutura política e cultural” de uma “estrutura econômica”; como também uma visão que faz da política tout court criadora das divisões sociais e das transformações econômicas. Para tanto, a autora buscou concentrar-se na “cultura política”, e na “análise dos padrões sociais e suposições culturais que moldaram a política revolucionária. […] [Sociedade e política] são inextricavelmente interligadas, não havendo um lugar onde uma termina e a outra começa” (HUNT, 2007: 11).
Na introdução, Lynn Hunt faz um repasso das três interpretações clássicas da Revolução Francesa: a marxista, a revisionista e a tocquevilleana (que destacava o crescimento do Estado e a centralização do poder por ele). Apesar de reconhecer seus méritos, Hunt as critica por entender que compartilham, além de um enfoque centrado apenas nas origens e resultados da Revolução, também um descaso pelas intenções e vivências políticas durante aquele evento. Hunt igualmente se opõe às novas análises centradas apenas na política, que partem de um ponto de vista essencialmente antimarxista e fazem uma análise meramente abstrata da política, desvinculando a prática revolucionária da identidade social. Em seu entender, nenhuma das análises mencionadas consegue visualizar o fato essencial que a Revolução na política
foi uma interação explosiva entre ideias e realidade, entre intenção e circunstância, entre práticas coletivas e contexto social. Se a política revolucionária não pode ser deduzida a partir da identidade social dos revolucionários, também não pode ser desvinculada dessa identidade (HUNT, 2007: 34).
Na primeira parte do livro, Poética do Poder, a intenção da autora era investigar a “lógica da ação política como ela se expressou simbolicamente: no modo como as pessoas falavam e nas maneiras como inseriam a Revolução e a si mesmas como revolucionárias em imagens e gestos” (HUNT, 2007: 35). Para tanto, ela destaca a importância do emprego ritual das palavras (novas e antigas), mostrando como a linguagem política estava investida de significado emocional e simbólico e não só refletia as mudanças e os conflitos revolucionários, mas também servia como ferramenta para transformações políticas e sociais.
O desejo dos revolucionários de romper com o passado era enorme e a retórica revolucionária tratou de promover essa ruptura com as tradições, os costumes e os modos de vida. Era necessário educar o povo na “cultura republicana”, criar novas práticas sociais, ensinar um novo linguajar e difundir uma nova maneira de se vestir, mais adequada aos novos tempos. Nesse afã didático, foram criados festivais cívicos e proliferaram diversos símbolos revolucionários: a árvore da liberdade, o barrete frígio, o altar patriótico, a figura da Liberdade, Hércules, a personagem Marianne etc. Com efeito, o novo regime sentiu a necessidade de representar a si mesmo e ao povo, e Hunt mostra como essas representações – e, posteriormente, também a lembrança da Revolução – variaram ao longo do tempo, segundo as conjunturas políticas e as intenções de seus criadores.
Na segunda parte do livro, A Sociologia da Política, a autora buscou “mapear a difusão e o desenvolvimento da revolução” (HUNT, 2007: 153), estabelecendo os contextos sociais nas quais essa experiência teve lugar.
As práticas têm de ser estudadas em seu contexto social. As árvores da liberdade foram plantadas por alguém, os festivais foram mais bem-sucedidos em alguns lugares do que em outros. Uma estrutura simbólica não cai do céu, nem é extraída de livros. Ela é moldada pelo povo que encontra algum atrativo na visão apresentada pela nova cultura política. […] Não se supõe aqui que o significado de cultura ou política pode ser deduzido da identidade social das pessoas envolvidas, mas que a identidade social fornece importantes indicadores sobre o processo de inventar e estabelecer novas práticas políticas (HUNT, 2007: 153).
Hunt verificou que a recepção e o apoio à Revolução variaram segundo a região, não se constatando uma correspondência linear entre desenvolvimento econômico e apoio à causa revolucionária.
Como as culturas políticas tomaram forma em cada região? […] A retórica da Revolução atraiu as periferias do país, as pessoas que viviam longe dos avanços econômicos, sociais e culturais. Mas foram essas pessoas que estiveram na linha de frente do movimento de união e integração, que acreditaram que a política podia mudar a vida cotidiana e, com ela, o caráter dos homens (HUNT, 2007: 177).
Por fim, Hunt tece considerações a respeito da política revolucionária, afirmando que esta não foi apenas o instrumento de uma classe social ou de uma elite modernizadora, mas que esta teria nascido junto com a nova classe política republicana, e que se fez e refez no permanente intercâmbio entre a teoria e a prática revolucionária.
O livro, portanto, levanta questões estimulantes para todos os interessados nesse evento de importância fundamental para a compreensão do mundo contemporâneo, apresentando ainda uma abordagem instigante da categoria “culturas políticas” na análise e interpretação históricas.
Resenhista
George Zeidan Araújo – Mestrando em História – UFMG.
Referências desta Resenha
HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Resenha de: ARAÚJO, George Zeidan. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 4, n. 7, jan./jun. 2010. Acessar publicação original [DR]
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