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Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971) – CROCE (VH)

CROCE, Marcela (Org.). Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971). Buenos Aires: Simurg, 2006. Resenha de: COSTA, Adriane A. Vidal. Varia História, Belo Horizonte, v.23, n.38, p. 643-648, jul./dez., 2007.

A coletânea organizada por Marcela Croce inclui um conjunto de textos que contemplam quatro importantes debates político-intelectuais do século XX na América Latina, marcados por questões polêmicas e por uma intensa “belicosidade discursiva”. O primeiro desses debates, envolvendo espanhóis e hispano-americanos, ocorre no contexto vanguardista dos anos 20, com a publicação do artigo do espanhol Guillermo de Torre, Madrid, meridiano intelectual de Hispanoamérica, na revista madrilena La Gazeta Literária, em abril de 1927, no qual o autor, como o próprio título indica, propõe Madri como o meridiano intelectual da América Hispânica. O segundo debate também ocorre nos anos 20 e gira em torno das discussões entre os peruanos José Carlos Mariátegui e Víctor Raúl Haya de la Torre sobre a teoria e a prática do marxismo. O terceiro debate constitui a polêmica discussão entre o argentino Julio Cortázar e o peruano José María Arguedas sobre o indigenismo na literatura, que ocorre entre 1968 e 1971. E, por fim, o “caso Padilla” (1971), que suscitou um polêmico debate em torno do regime de Fidel Castro e sua relação com os intelectuais.

No conjunto, a obra reúne correspondências, poesias, manifestos e artigos que alimentam o debate intelectual com dúvidas profícuas e polêmicas fecundas. Além dessa documentação, o livro traz textos de vários autores que analisam, separadamente, os principais matizes dos quatro debates supracitados.

A introdução é de Marcela Croce, intitulada Polémicas, entredichos y disidencias en América Latina, na qual a autora afirma que, de um modo geral, o que dá o tom polêmico a esses debates é a vontade de criar uma verdade, ou seja, cada intelectual exprime suas razões como definitivas, mesmo quando simula certas concessões ao oponente para terminar desclassificando-o por sua ignorância, seu descuido, sua incapacidade ou sua má fé. O embate acontece quando as “verdades” são questionadas, e, na maioria das vezes, transforma-se no enfrentamento do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, do claro e do confuso. Quando esse ocorre, no afã de defender posições, as acusações ao oponente vêm à tona: incongruente, iconoclasta, ortodoxo, contraditório. São polêmicas, mal-entendidos, questionamentos que marcam o território da “belicosidade discursiva” no campo intelectual latino-americano. É a partir desses argumentos que Marcela Croce organiza a coletânea, ou melhor, uma “antologia de discursos polêmicos na América Latina”.

A primeira parte do livro é dedicada à polêmica do “meridiano intelectual” e traz, na íntegra, o texto de Guillermo de Torre, Madrid, meridiano intelectual de Hispanoamérica. Além disso, apresenta dois pequenos artigos que discutem a questão. No primeiro, Del lado de allá, Pablo Valle analisa um dos pontos mais polêmicos do texto de Guillermo de Torre, qual seja: Madri como o grande meridiano literário para os hispano-americanos, em substituição, principalmente, a Paris. E no segundo, Del lado de acá, Gabriela G. Cedro analisa a reação e o enfrentamento, quase que imediatos, de vários intelectuais hispano-americanos, que proclamam uma relativa autonomia intelectual em relação à Espanha. Além disso, a polêmica sobre o “meridiano intelectual” propicia o debate sobre questões estéticas, artísticas e culturais. Grande parte desse debate está nas páginas da revista ultraista e portenha Martín Fierro (n°.42, junho-julho de 1927), que contém as primeiras declarações belicosas contrárias à proposta do “meridiano”. O tom das declarações dos martinfierristas varia entre a ironia, a zombaria, a seriedade, o desprezo, mas sempre mantendo a coerência dos argumentos. Segundo Cedro, as respostas dos martinfierristas são vistas na Espanha como despropositadas e injuriosas.

O livro traz o número 42 da revista Martín Fierro, que contém os textos/ respostas de Ortelli y Gasset (Jorge Luis Borges e Carlos Mastronardi), A un meridiano encontrao en una fiambrera; Pablo Rojas, Imperialismo baldío; Raúl Scalabrini Ortiz, La implantación de un meridiano anotaciones de sextante; Jorge Luis Borges, Sobre el meridiano de una gaceta; Lisardo Zía, Para Martín Fierro; Ildefonso Pereda Valdés, Madrid, meridiano etc.; Ricardo Molinari, Una carta.

Na seqüência estão organizados os textos com as respostas de vários intelectuais espanhóis às declarações do martinfierristas, que são acusados, entre outras coisas, de arcaicos, retrógrados e desdenhosos. Os textos são publicados na revista La Gaceta Literária, Madri, 1°. de setembro de 1927, n°.17, com o sugestivo título Un debate apasionado; abaixo do título a inscrição: “campeonato para un meridiano intelectual. La selección argentina Martín Fierro (Buenos Aires) reta a la española Gaceta Literaria (Madrid). Gaceta Literaria no acepta por golpes sucios de Martín Fierro que lo descalifican. Opiniones y arbitrajes”.1 Os autores que assinam os textos são: Giménez Caballero, Guillermo de Torre, Ramón Gómez de la Serna, Benjamin Jarnés, Gerardo Diego, Antonio Espinosa, entre outros.

Como a intenção do volume é mostrar as polêmicas e os enfrentamentos nesse debate, foram compiladas também as réplicas dos martinfierristas aos intelectuais espanhóis. A réplica está no número 44/45 de Martín Fierro (ago/nov de 1927), nos seguintes artigos: Buenos Aires, metrópoli, de Santiago Ganduglia; Croquis, de Vizconde de Lascano Tegui; El pez por su boca muere, de M.F. (hijo); Carta a los españoles de la ‘Gaceta Literaria’, de Pablo Rojas Paz; Extrangulemos al meridiano, de Nicolas Olivari. Todo esse debate repercutiu em outras revistas hispano-americanas como Avance, de Havana, e Variedades, de Lima, mas não foi tão intenso como na revista Martín Fierro.

A segunda parte do livro traz o polêmico debate entre José Carlos Mariátegui e Víctor Raúl Haya de la Torre em torno da teoria e da prática do marxismo. O artigo é de Susana Santos, intitulado Polémicas de la ‘pátria nueva’ (1919-1930): ¿peruanizar el marxismo o marxistizar el Peru?, que mostra os principais pontos da polêmica entre os dois peruanos. A autora faz uma boa síntese e procura compreender a polêmica dentro da história peruana, mostrando o contexto político da Pátria Nueva, as lutas camponesas e a “Geração de 20”. Em contrapartida, os documentos anexados são escassos, ou seja, apenas um texto de Mariátegui, Aniversario y balance (Amauta, n°.17, 1928); uma breve síntese do programa da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA); e uma carta de Haya de la Torre para Mariátegui, escrita no México em 1928, que não são suficientes para expressar a intensidade da polêmica.

A terceira parte do livro é dedicada à polêmica Arguedas-Cortázar, que girou em torno do indigenismo na literatura.2 O artigo Entre la tierra originaria y la ciudad de las luces: un problema de ubicación: arriba o debajo de la torre del marfil, de Mariana Bendahan, esclarece a origem da polêmica e os canais nos quais ocorrem o enfrentamento e a “belicosidade discursiva”. Enfim, a autora faz um breve resumo do panorama textual e contextual em que se inscreve a polêmica, com o intuito de mostrar que o debate em torno do indigenismo canaliza outros temas centrais: a relação entre cultura e política, a natureza da função do intelectual na América Latina após a Revolução Cubana, a tensão entre localismo e cosmopolitismo, as posições polares de ambos a respeito do “boom” da literatura latino-americana(Córtazar no centro e Arguedas na periferia).3

A origem da polêmica é uma carta que Cortázar escreve, de Paris, a Roberto Fernández Retamar, em maio de 1967, publicada na revista cubana Casa de las Américas, na qual argumenta que a distância territorial promove benefícios em prol de uma melhor contemplação e entendimento da realidade intelectual latino-americana, e que, por isso, sua literatura possui uma raiz nacional e regional potenciada por uma experiência mais aberta e mais complexa. Arguedas, que não concorda com os argumentos de Cortázar, publica um artigo na revista peruana Amaru (abril-junho de 1968), expondo sua convicção em torno da tarefa do escritor: escrever novelas não é uma profissão, o escritor escreve novelas por amor, necessidade, prazer e não por ofício, ao mesmo tempo em que coloca em evidência a lógica mercantilista do boom na literatura latino-americana.

O livro recolhe, além das cartas, outros textos importantes da polêmica, como a entrevista de Cortázar, concedida à jornalista Rita Guibert para a revista norte-americana Life, em sua versão para o espanhol, em 1969, intitulada Julio Cortázar: fragmentos de las declaraciones recogidas en la nota Creador Solitário; o artigo que Arguedas publica na revista Amaru, nesse mesmo ano, com o título de Inevitables comentários a unas idéias de Julio Cortázar; e os fragmentos do Tercer diário, do livro de Arguedas, El zorro de arriba el zorro de abajo, publicado postumamente em 1971. Em todos os textos selecionados pela autora, fica claro o ponto central que gera e alimenta a “belicosidade discursiva”: o nacional e o cosmopolita como determinantes da prática literária do escritor latino-americano na década de 60.

A quarta parte do livro recupera o debate suscitado pelo “caso Padilla”,4 em 1971, que, segundo Marcela Croce, revela, ao mesmo tempo, um corporativismo intelectual e uma ruptura definitiva de parte da intelligentzia latino-americana com o governo cubano e suas instituições culturais.

A organização dessa parte do livro é a mesma das anteriores, ou seja, artigos breves, que situam o leitor no debate e, em seguida, os textos dos intelectuais envolvidos na polêmica. O artigo de Martín Chadad, Testimonio de partes, o quién es quién, mostra como Padilla deixa de ser um sujeito para tornar-se um caso, um caso que impunha, para muitos, uma nova forma de avaliar e compreender a Revolução Cubana. No outro artigo, El difícil ofício de calcular, o donde me pongo, Verônica Lombardo mostra a dimensão que adquire o “caso Padilla”, em 1971, desde a prisão do poeta até a sua autocrítica. Segundo a autora, o campo intelectual polariza-se e pauperiza-se, anulando qualquer possibilidade de dialética para circunscrever-se na oposição entre o melhor modelo intelectual a ser seguido: ou se é um intelectual crítico ou um intelectual revolucionário.

O “caso Padilla”, segundo Lombardo, permite polemizar não só os caminhos da Revolução Cubana e as formas estéticas da arte, mas também coloca em jogo um debate muito profundo sobre os valores, os alcances e os limites do intelectual, no que diz respeito à sua responsabilidade estrutural na esfera de transformações políticas e sociais. Dessa polêmica participam importantes intelectuais latino-americanos: a lúcida crítica de Ángel Rama, publicada em Cuadernos de Marcha; a posição inicialmente oscilante de Julio Cortázar até sua firme adesão à revolução; a postura esquiva e conciliatória de García Márquez, que permanece fiel a Fidel Castro; a posição controvertida de Mario Vargas Llosa, que culmina com sua renúncia do Comitê da Casa de las Américas e sua ruptura drástica com Cuba.

A resposta dos intelectuais latino-americanos radicados na Europa, e de muitos intelectuais europeus, ao “caso Padilla”, é imediata. A primeira (re) ação é uma carta aberta, Declaración de los 54, endereçada ao “Comandante Fidel Castro”, na qual expressam a preocupação com a detenção de Heberto Padilla. Assinam a missiva Carlos Barral, Simone de Beauvoir, Ítalo Calvino, Fernando Claudín, Julio Cortázar, Marguerite Duras, Hans-Magnus Enzensberger, Carlos Franqui, Carlos Fuentes, Maurice Nadeau, Octavio Paz, Jean-Paul Sartre, Susan Sontag, Mario Vargas Llosa, entre outros. Uma outra carta, Declaración de los 62, é endereçada a Fidel Castro em 1971, após a autocrítica de Padilla, que, segundo os intelectuais, havia sido forçada. Essa carta não conta com a adesão de Julio Cortázar, que declara posição favorável a Cuba.

Além de compilar as duas cartas citadas acima, o livro reúne também outros documentos sobre o debate em torno do “caso Padilla”: os fragmentos do poema de Padilla, Final del Juego (1968), e o texto com a sua autocrítica (1971); os fragmentos do discurso de Fidel Castro no Primeiro Congresso Nacional de Educação e Cultura (1971); a carta de Mario Vargas Llosa a Haydée Santamaría (1971) e a resposta de Haydée Santamaría; as declarações de García Márquez à imprensa colombiana (1971); a carta de Julio Cortázar a Haydée Santamaría; a opinião de Rodolfo Walsh em Cuadernos de Marcha (n°.49, Montevidéu, 1971); a carta aberta de David Viñas a Roberto Fernández Retamar; e o artigo de Ángel Rama, Una nueva política cultural en Cuba, publicado em Cuadernos de Marcha, n°49.

Enfim, pode-se concluir que o panorama traçado pelos autores da coletânea esboça a história dos intelectuais em quatro momentos diferentes da história latino-americana, amarrados por uma questão recorrente no discurso intelectual: a polêmica. Polemizar significa, entre outras coisas, tentar compreender e traduzir uma época e, ao mesmo tempo, os caminhos do futuro.

Notas

1 CROCE, Marcela (comp.) Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971). Buenos Aires: Simurg, 2006, p.86.

2 Em termos gerais, o indigenismo, como prática discursiva, tem como referencial a representação do mundo indígena, ou seja, da realidade social, política, econômica e cultural dos povos indígenas da América Latina. Tem seu início em fins do século XIX, com ampla vigência até meados da década de 1960. Para uma concepção crítica do indigenismo na literatura ver CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa: literatura e cultura latino-americanas. Belo Horizonte: UFMG, 2000.

3 Na década de 1960, assistimos ao surgimento do “boom” da literatura latino-americana, em especial dos romances. Nesse período, são produzidos vários livros de grande valor literário, que ganham projeção internacional. O “boom” traduz-se em uma produção bastante original nas letras latino-americanas, tem seu limite temporal circunscrito em torno de figuras como Julio Cortázar, Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e José Donoso. Em apenas seis anos aparecem obras como Rayuela, Cien años de soledad, Sobre héroes y tumbas, La ciudad y los perros, entre outras. O que motiva o “boom”, a nível comercial, além da qualidade literária das obras, é o impulso das editoras (sobretudo européias) e a irrupção da Revolução Cubana, que motiva inúmeros leitores, pelo mundo afora, a conhecerem a literatura, a cultura e a história latino-americana. Ver DONOSO, José. História personal del “boom”. Barcelona: Anagrama, 1972.

4 Heberto Padilla foi perseguido por causa de suas opiniões sobre a Revolução Cubana. Em 1971, Padilla foi preso e fez, ou, como muitos afirmaram, foi coagido a fazer, uma autocrítica, negando tudo que havia dito anteriormente. Isso desencadeou uma onda de protestos da parte de antigos aliados de Cuba, de Jean-Paul Sartre a Mario Vargas Llosa.

Adriane A. Vidal Costa – Mestre e doutoranda em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – MG. E-mail: adrianevidal@oi.com.br

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[DR]
Itamar Freitas

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