Pienso, luego creo: la teoría Makuna del mundo – CAYÓN (A-RAA)

CAYÓN, Luis Abraham. Pienso, luego creo: la teoría Makuna del mundo. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia, 2013. Resenha de: BARBOSA, María Alejandra Rosales. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n. 25, maio/ago., 2016.

(…) o fato de que o Pensamento seja uma forma de criar e gerar a realidade, colocando à humanidade em um lugar fundamental para a manutenção da vida no planeta, nño é uma ideia de pouco porte. Em um sentido, acredito que os Makuna estño propondo que a realidade que vemos é como uma projeção holográfica do Pensamento, o qual explicaria por que as propriedades fractais, as de diferenciação e simultaneidade, as de multiplicidade na unicidade, e as de constituição mutua, da sua teoria do mundo, atravessa, a constituição do espaço, o tempo e os seres.
(Cayón 2010, 392)

Este fascinante livro merecedor do Prêmio Nacional de Antropologia na Colômbia (2012) e publicado em idioma espanhol pela editora do Instituto Colombiano de Antropología e Historia (ICANH) em 2013, é uma versño da Tese de Doutorado em Antropologia Social defendida na Universidade de Brasília (UnB) no ano de 2010. A partir de uma longa e intensa investigação etnográfica entre os índios Makuna ou ide masñ (gente de água), que habitam às margens do rio Comeña, Apaporis e Pirá-Paraná, ao sul da regiño do Vaupés, Luis Cayón estuda o complexo sistema de conhecimento xamânico deste grupo étnico tukano da Amazônia colombiana. Na tese de doutorado -versño original do livro-, o jovem antropólogo identificou e analisou uma ontologia nativa, com conceitos como ketioka (pensamento) e he (yurupari), ambos fundamentais para compreender e estabelecer premissas para uma teoria própria “do mundo Makuna”.

A célebre frase de Descartes “penso, logo existo” serve possivelmente de inspiração para o título da obra desse talentoso pesquisador colombiano. Descartes como sabemos, pensava que “o mundo” e a “realidade” estavam formados por duas entidades: a espiritual -portadora inclusive do pensamento- e a material -ator passivo da existência- Dessa maneira, segundo Descartes, “pensamos porque existimos”, e parafraseando Cayón, também “pensamos porque acreditamos”.

Apesar de ser uma tese de antropologia enquadrada nos estritos termos acadêmicos, o texto e a narrativa possuem uma estrutura e estilo de escrita bem peculiar, com prosas ora mais técnicas, ora mais livres; provavelmente por ser resultante de uma “etnografia compartilhada” e, como diria Roy Wagner (2010), decorrente de uma “antropologia reversa” que institui um tratamento mais “simétrico” ao sujeito e objeto da pesquisa, no sentido dado por Bruno Latour (1994). Essa combinação vem trazendo inúmeras contribuições e resultados positivos no que se refere às reinvindicações dos povos indígenas brasileiros, sendo inclusive uma ferramenta metodológica privilegiada, muitas das vezes apropriada pelos nativos para seu próprio benefício. Em outras palavras, discutir com os nativos os termos da investigação e, “hacerlos partícipes de la co-teorización” (Rappaport 2007). Portanto, segundo o próprio autor do livro, “el trabajo de campo, además de implicar el trabajo solicitado por los indígenas, se convierte en un lugar de pensamiento, reflexión y critica” (Cayón 2013, 56).

O livro Pienso, luego creo. La Teoria Makuna del Mundo apresenta-se com uma introdução e mais sete capítulos e um epílogo, oferecendo uma sequência intrigante, que desvela aos poucos o profundo pensamento Makuna. Na “Introdução”, Cayón contextualiza a sua pesquisa em uma regiño e com grupos amplamente estudados desde o processo de ocupação colonial, que inicia no século XVIII, dando maior ênfase na segunda metade do século XX. Descreve também, com emocionantes detalhes a sua trajetória de campo e a forma como os seus interesses pessoais e teóricos foram se transformando, alcançando o que ele mesmo define como uma verdadeira etnografía compartida.

No primeiro capítulo intitulado “El blanco en el mundo de los índios”, o autor explica o processo histórico do contato interétnico, dilucidando as consequências da política imperial e republicana para os grupos daquela regiño. No segundo capítulo “Unidades Cosmoproductoras” explica quem sño os makuna e como funciona a rede de conexño do sistema regional que fazem parte. Nesse capítulo, encontraremos a análise do parentesco e as unidades sociais dessa etnia, sem cair em excessos técnicos que dificultariam a leitura para um público mais leigo.

O terceiro capítulo, “La fuente de la vida”, começa com um trecho inicial do célebre escritor argentino Jorge Luís Borges, O Aleph (1998). A figura do “Aleph” em Borges e na etnografia realizada por Luis Cayón, constitui-se no ponto que congrega todo o universo, é uma imagem literária, relacionada com a multiplicidade do conhecimento e é justamente dessa forma que o autor nos adentra no pensamento Makuna, por meio das manifestações do Jurupari.

No quarto capítulo, “La maloca cosmo”, a narrativa é mais teórica e epistemológica, ao analisar o conceito nativo de ‘espaço’ como sendo a estrutura do universo. Espaços, territórios e lugares com nome, todos interconectados com ketioka (o pensamento). Já o quinto capítulo intitulado “Los componentes del mundo”, trata o conceito “tempo”, enfatizando o cuidado com os lugares sagrados e cumprimento do ciclo ritual, pois todos os processos de geração de vida sño indissociáveis do tempo e dos espaços.

O sexto capítulo “Personas de verdade”, desenvolve com intensidade e profundidade a noção de “pessoa”, tomando em conta o conceito nativo de doença, a composição interna dos seres humanos e principalmente, como algumas substâncias e objetos podem ser importantes na constituição relacional dos Makuna com o universo.

No último e talvez mais relevante capítulo chamado “Cosmoproducción” –termo criado pelo autor- Cayón explica a maneira como o “pensamento” Makuna entra em agenciamento, dando vitalidade e ânimo aos seres humanos e nño humanos. Entendido como resultado de um processo de fabricação e construção do universo. E finalmente, o livro conclui com uma narrativa etnográfica em forma de epílogo, destacando alguns aspectos relevantes da teoria Makuna do mundo e ilustrando com autorretrato do autor.

Segundo Luis Cayón (2010; 2013), os Makuna ou “Gente de água” contam na atualidade com uma população aproximada de 600 pessoas, habitando as selvas do Vaupés colombiano, a 150 km da fronteira brasileira. Pertencem à família linguística Tukano Oriental, que se localiza fundamentalmente, na regiño central do noroeste amazônico, cercado pelas bacias dos rios Vaupés e Apaporis, assim como no alto rio Negro e seus afluentes no Brasil. Interessante notar que, esse grupo compartilha esse amplo território com outras famílias linguísticas como: arawak, carib e makú-puinave, apresentando inclusive, grandes similitudes na sua organização social e vida ritual no geral.

Para essa “Gente de Água”, a realidade está construída por três estados ou dimensões de existência que sño simultâneos: o estado primordial a partir do qual se originaram todos os seres, a dimensño invisível em que os seres possuem diferentes formas e manifestações e, o estado físico ou material que tem a ver com a dimensño visível que normalmente percebemos (Cayón 2010). Sem dúvida que, essa forma de explicar o mundo e tudo o que há nele, está intimamente relacionado com o complexo sistema xamânico dessas sociedades, transcendendo todas as dimensões da vida cotidiana, sendo crucial o seu estudo.

A noção ketioka ou pensamento, grande destaque na ontologia Makuna, é definida por Cayón (2010; 2013) de forma polissêmica, é o conocimiento-saber-poder-hacer, conceito que apresenta nño apenas diversos sentidos, mas também agências. Ketioka é ao mesmo tempo tudo o que os Makunas fazem, dando sentido a sua existência: pensar, curar, falar bem, dançar e se divertir. Também pode ser entendido como elementos do universo e dos ornamentos ritualísticos. Em um sentido mais amplo, é entendido também como a força que impregna e comunica a todos os poderes xamânicos existentes no universo.

Desse modo, na teoria makuna do mundo, toda forma tangível e física é mais do que aparenta e, a experiência ordinária percebida pelos sentidos possui uma dimensño invisível e intangível, que eles chamam de He. Arhem et al. (2004, 55) explica”: “‘He’, es el mundo de espíritus poderosos y de las deidades ancestrales. En esta otra dimensión, las rocas y los ríos están vivos y las plantas y animales son personas. Conocido por el mito y controlado por el ritual, He contiene los poderes primordiales de la creación que gobierna, en última instancia, el presente”. Nesse sentido, os Makuna nño fazem distinção entre o visível e o invisível, pois ambos sño dimensões interconectadas, como se fossem uma única manifestação da “realidade”.

Hoje, os Makuna na Colômbia, lutam por manter sua forma de viver frente às diversas pressões da “sociedade nacional” colombiana, que constantemente ameaçam a integridade e direitos já adquiridos de seus territórios, seja com grandes empreendimentos extrativistas, ou com figuras político-administrativas e de proteção, estabelecidas pelo próprio Estado e sem consulta prévia. E como diz Cayón (2008): “un poco más de un siglo de contacto directo debilitó el pensamiento y la forma de vida de este grupo, pero no logró exterminarlos. (…) por ejemplo, la mitología y las curaciones chamánicas se han enriquecido por ello. No hay nada más pristino y estático en el pensamiento makuna”. É por isso que, nesse difícil contexto, cada vez mais faz-se necessário o diálogo entre a disciplina antropológica e as epistemologias nativas, na tentativa de proporcionar um melhor entendimento da situação atual e dos desafios futuros desses povos, na realização de como diz Ramos (2010), um verdadeiro diálogo intercultural e sem assimetrias.

Gostaria de encerrar esta resenha, com a seguinte afirmação: a maneira profunda como os ameríndios em geral, percebem, manejam e explicam o mundo, vai mais além do que o pensamento abstrato e concreto normalmente alcança, desafiando até o próprio pensamento antropológico. Podemos dizer que é um tipo de conhecimento sensorial e de relações de várias ordens, uma perspectiva sob a lógica de uma complexa epistemologia de conhecimento própria, que nesse caso, foram bem “traduzidas” na linguagem etnológica e etnográfica por Luis Abraham Cayón[1]. Uma escrita como ele mesmo chama, intimista e transformadora, uma escolha que muitos dos seus leitores saberemos agradecer sempre.

Comentarios

1 A Tese de Doutorado do antropólogo Luis Cayón, teve importante repercussño no mundo acadêmico e fora dele, contribuindo para que a Unesco em 2011 declarasse o xamanismo Makuna e de seus grupos vizinhos, como patrimônio intangível da humanidade.

Referências

Århem, Kaj, Luis Cayón, Gladys Angulo e Maximiliano García. 2004. Etnografía Makuna: tradiciones, relatos y saberes de la Gente de Agua.Bogotá: Acta Universitatis Gothenburgensis e Instituto Colombiano de Antropología e Historia (ICANH).         [ Links]

Borges, Jorge Luis. 1998. Obras Completas 1.Espanha: Editora Globo.         [ Links]

Cayón, Luis. 2002. En las aguas de yurupari. Cosmologia y chamanismo makuna. Bogotá: Ediciones Uniandes.         [ Links]

Cayón, Luis. 2008. “Idema, el caminho de agua. Espacio, chamanismo y persona entre los makuna”. Antípoda, Revista de Antropología y Arqueología 7: 141-173.         [ Links]

Cayón, Luis. 2010. “Penso, logo crio. A teoria Makuna do mundo”. Tese doutoral, Universidade de Brasília, Brasil.         [ Links]

Cayón, Luis. 2013. Pienso, luego creo. La teoría Makuna del mundo.Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia.         [ Links]

Latour, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.         [ Links]

Ramos, Alcida Rita. “Revisitando a Etnologia à brasileira”. EmHorizontes das Ciências Sociais no BrasilAntropologia, editado por Luis Fernando Dias Duarte, 25-49. Petrópolis: Vozes.         [ Links]

Rappaport, Joanne. 2007. “Más allá de la escritura: la epistemología de la etnografía en colaboración”.Revista Colombiana de Antropología 43:197-229.         [ Links]

Wagner, Roy. 2010. A invenção da cultura. Sño Paulo: Cosac Naify.         [ Links]

María Alejandra Rosales Barbosa – Universidade Federal de Roraima, Brasil. Doutoranda em Antropologia Social/Etnologia Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente no Instituto INSIKIRAN de Formação Superior Indígena. Dentre as últimas publicações destaca-se: “Fotoetnografia: uso da fotografia na pesquisa antopologica”. Em Anais do V Seminário de Integração de Práticas Docentes e II Colóquio Internacional de Práticas Pedagógicas e Integração. Boa Vista: Editora da UFRR, 2013. “Medicina popular em Curitiba (1899-1912): curandeirismo ou feitiçaria?” Textos e Debates 8: 129-151, 2005. malejab@gmail.com e alejandra.rosales@ufrr.br.

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Itamar Freitas

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