Perspectives on the Archaeology of Pipes/Tobacco and other Smoke Plants in the Ancient Americas | Elizabeth Bollwerk e Shannon Tushingham

Publicado em 2016 na versão e-book pela editora Springer, o livro “Perspectives on the Archaeology of Pipes, Tobacco and other Smoke Plants in the Ancient Americas” é uma obra que merece divulgação e destaque na Arqueologia nacional. Com edição e organização de Elizabeth A. Bollwerk e Shannon Tushingham, traz importantes contribuições de diversos autores empenhados em desvendar o universo dos cachimbos e as dinâmicas do fumo na América pré-colonial. Trata-se da primeira publicação que converge, de forma sistemática, para estudos sobre tais temas.

Dividido em 14 capítulos independentes, organizados ao longo de 267 páginas, este volume apresenta pesquisas históricas, arqueológicas, químicas e etnográficas sobre questionamentos acerca de cachimbos e plantas relacionadas ao fumo. A partir de metodologias distintas, técnicas de análises interdisciplinares e uma impressionante abordagem tecnológica, os artigos fornecem significativas contribuições e abrem caminhos para investigações futuras.

As análises surpreendem em dados e interpretações no que concerne aos cachimbos. Estes, para além de um simples artefato, mostram-se aqui um valioso instrumento de pesquisa, a partir de suas características morfológicas, funcionais e, sobretudo, simbólicas. Além de fazerem um mapeamento acerca da matéria-prima, forma e tamanho dos cachimbos estudados, os autores se dedicam em discussões ritualísticas e cosmológicas envolvendo tais artefatos.

Em “Perspectives on the Archaeology of Pipes, Tobacco and other Smoke Plants in the Ancient Americas”, o estudo do tabaco se constrói, a partir de uma preocupação em relacioná-lo às pessoas. Os povos nativos americanos são aqui protagonistas, no sentido de que demarcam suas próprias práticas de uso do fumo, sejam elas sagradas, cerimoniais e/ou funcionais. Não obstante, as discussões se esbarram nos atuais valores relacionados ao tabagismo, os quais o consideram prejudicial à saúde, viciante e não tradicional.

Para melhor sintetizar os diferentes temas e abordagens da obra, segue uma breve apresentação de seus capítulos. No primeiro capítulo, os organizadores fazem uma ampla introdução sobre a temática proposta. O capítulo 2, do autor Sean M. Rafferty, apresenta as mudanças no modo de fumar cachimbos no Leste da América do Norte e os diferentes estilos de fazê-lo. A partir do contexto arqueológico e de pesquisas etnohistóricas, o autor destaca como o cenário em que os cachimbos são encontrados se relacionam com práticas de resistência dos nativos na pré-história. John Creese, no capítulo 3, discute de que maneira os processos de manufatura dos cachimbos trazem em si uma identificação afetivo-relacional, entendendo-os enquanto reprodutores de identidades.

Nesse mesmo caminho, a partir de marcadores culturais e temporais, Elizabeth A. Bollwerk ressalta, no capítulo 4, como a variação estilística dos cachimbos pode estar ligada a esforços ativos de indivíduos e grupos para expressar aspectos identitários e sociais. O conjunto de dados da autora encaminha importantes contribuições relacionadas ao fumo na região do médio Atlântico no período pré-colombiano. O capítulo 5, por sua vez, traz à tona um método ainda pouco explorado nos estudos de cachimbos: a espectrometria de fluorescência de raios-X (XRF). Michael Ligman demonstra como a variedade de técnicas arqueométricas, arqueológicas e teóricas podem fornecer novas abordagens aos estudos interdisciplinares.

O capítulo 6, escrito por Dennis B. Blanton, destaca o potencial de rastreamento na decoração e estilo de cachimbos no delineamento de cronologias regionais, seguindo os parâmetros estabelecidos por ritos e práticas funerárias. No sétimo capítulo, Alison Hadley faz uso de um robusto referencial teórico para promover a compreensão dos cachimbos como parte de um sistema tecnológico. A partir de evidências do contexto arqueológico, o autor analisa outros tipos de materiais como ferramentas líticas no intuito de entender todo o processo de fabricação, uso e, principalmente, desgaste dos cachimbos.

O capítulo 8, do autor John Hedden, foca em padrões de decoração e estilos específicos de cachimbos resgatados de um sítio localizado na região de Glenwood, no oeste de Iowa. Com base no estudo sistemático dos cachimbos em questão, Hedden desenvolve uma pesquisa acerca da relação entre efígies e rituais, estabelecendo padrões de determinação para espaços arqueológicos religiosos. Em seguida, o capítulo 9, fornece uma visão geral do uso de tabaco e das práticas de fumo dos povos nativos do Canadá e da costa oeste dos Estados Unidos. A partir do contexto social, ritual, regional e de comércio dos cachimbos em questão, o autor Grant Keddie, estabelece relações entre esses instrumentos e suas diversas práticas de uso.

Discutir as implicações do uso do tabaco na saúde física e mental contemporânea é um dos objetivos do capítulo 10. Com base em uma pesquisa histórica contundente, Charles M. Snyder desenvolve um estudo que tenta aproximar Arqueologia e saúde pública. Para isso, o autor demonstra como o principal motivo de resistência às políticas e programas comunitários que buscam reduzir o uso do tabaco dentro de comunidades indígenas se pauta na percepção de que essas políticas se configuram em um meio de atacar e marginalizar as comunidades nativas. Assim, Snyder discute a importância de compreender os usos e os significados do tabaco existentes antes do atual sentido comercial da planta.

O capítulo 11, por meio de dados históricos e etnográficos, retrata o uso moderno do tabaco na costa do Oregon, ressaltando como a função da planta foi modificada ao longo do tempo nas culturas indígenas da região. A autora, Patricia Whereat Phillips, descreve sua ação de trabalho para recuperar, manter e perpetuar o uso aceitável e responsável da planta como medicamento e ferramenta de prática cultural na comunidade em questão. Em seguida, Shannon Tushingham e Jelmer W. Eerkens, autores do capítulo 12, apresentam uma análise de resíduos em cachimbos no intuito de identificar quais as plantas de fumaça utilizadas por povos indígenas da América do Norte Ocidental, no período pré-colombiano.

O capítulo 13, de autoria colaborativa (María Teresa Planella, Carolina A. Belmar, Luciana D. Quiroz, Fernanda Falabella, Silvia K. Alfaro, Javier Echeverría e Hermann M. Niemeyer), converge estudos arqueobotânicos, análise de matérias-primas, estudos morfo-tecnológicos e questões relacionadas à reconstrução de rituais no centro do Chile. Os estudos morfológicos, químicos e históricos se entrelaçam em uma pesquisa interdisciplinar que impressiona em metodologia e arcabouço teórico. Finalizando o volume, o capítulo 14, revela reflexões finais e direções futuras para os temas discutidos ao longo da obra.

Para além de resultados científicos, os capítulos mostram como análises arqueológicas de cachimbos e questões sociais ligadas ao fumo podem render diálogos frutíferos. O livro reúne práticas sagradas do tabaco e os significados tecnológicos, ideológicos e sociológicos dos cachimbos, sem esquecer nem romantizar os prejuízos causados pela nicotina. Embora focado na América pré-colonial, demonstra a importância do tema na Arqueologia contemporânea.

Cachimbos são artefatos que ultrapassam tempos e lugares. Devido aos seus aspectos culturais, sociais e de (re)produção de identidades, além de seu fácil transporte, são facilmente encontrados em contextos distintos. Fabricados a partir de matérias-primas diversas, fazem parte da história de povos por todo o mundo e vêm sendo muito discutidos na Arqueologia brasileira. No entanto, no livro em questão, praticamente não há pesquisas relacionadas aos países latino-americanos, a única exceção é o Chile. Para além da crítica, essa lacuna tem caráter convidativo à sistematização e publicação de pesquisas nacionais sobre o tema, processo que já se inicia com este dossiê.

“Perspectives on th Archaeology of Pipes, Tobacco and othe Smoke Plants in the Ancient Americas” é, antes de tudo, um livro recheado de diversidade metodológica, teórica e geográfica. Autores de formações díspares, lugares diversos e perspectivas divergentes unidos no intuito de melhor compreender o universo do fumo e dos cachimbos em parte da América. O resultado disso é uma obra completa no que se propõe a fazer. Merece, pois, ser divulgada e traduzida para outros idiomas, uma vez que se configura em uma leitura indispensável para todos que se interessam pelo tema.


Resenhista

Ana Rosa Lima – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e Patrimônio Cultural – Centro de Artes, Humanidades e Letras – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (PPGap/UFRB). E-mail: arqueoana@gmail.com  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1613-0737


Referências desta Resenha

BOLLWERK, Elizabeth A.; TUSHINGHAM, Shannon. (Orgs.). Perspectives on the Archaeology of Pipes, Tobacco and other Smoke Plants in the Ancient Americas. USA: Springer International Publishing Switzerland, 2016. Resenha de: LIMA, Ana Rosa. Vestígios – Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, v. 16, n.2, p. 173-175, jul./dez. 2022. Acessar publicação original [DR]

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