Periodização histórica – debates e questionamentos / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2013
Como historiadores nos deparamos com um problema constante em nosso ofício: explicar determinadas periodizações históricas, para contextualizarmos o objeto de pesquisa. Como profissionais que lidam com o homem no tempo e no espaço devemos ter em mente que uma categorização temporal é o produto de um lugar social específico, o qual visa elaborar um discurso de normatização para que os eventos passados possam ser inteligíveis as necessidades atuais. Deste modo, o presente dossiê intitulado de “Periodização histórica – debates e questionamentos”, da Revista NEARCO 2013.1 pretende lançar novos olhares para os recortes temporais, afim de desnaturalizar tais sistematizações, que em muitos casos passam por despercebidas. A empreitada foi árdua, contudo como diz um antigo provérbio: caminhando sozinho podemos chegar em algum lugar, contudo caminhando em conjunto chegaremos mais longe. De tal forma recorremos aos nossos parceiros de longa data para formularmos esta publicação, que comemora os nossos quinze anos de democratização do saber a sociedade. As temáticas contidas nesta edição perpassam pelas demarcações históricas da Antiga Mesopotâmia, passando pelo período denominado de Antiguidade Tardia e findando com o recorte intitulado de Medievo.
A pesquisadora Katia Pozzer explicita que no mundo antigo, diferentes sistemas de contagem do tempo foram utilizados, segundo as regiões e a época. Os gregos, por exemplo, contavam os anos a partir da primeira olimpíada, os romanos a partir da fundação de Roma. No que tange aos habitantes do Oriente Próximo, os mesmos se referiam aos anos dos reinados de seus soberanos ou aos nomes de seus dignitários. O calendário das civilizações antigas era baseado no ritmo das atividades agrícolas e religiosas e era marcado por intervalos de tempo naturais, dados pelo deslocamento do sol no horizonte, pelo ciclo das colheitas e pelo movimento da lua. Assim a autora pretende analisar o calendário mesopotâmico, o qual era composto de um ano solar, com meses lunares e de um dia solar. Já o Prof. Dr. André Bueno visa em seu artigo problematizar a questão da relação entre tempo e história na China Antiga. Bueno para dar conta de sua proposta se utiliza dos textos de Confúcio (-551 a -479) e Sima Qian (-145 a -85), que são considerados como os dois principais fundadores da historiografia chinesa. O trabalho do autor, além de inovador, nos possibilita conhecer sobre um importante campo, que ainda apresenta certa escassez de produção no Brasil.
As nossas análises sobre as periodizações também envolveram outras regiões orientais como da Antiga Índia. O texto produzido pelo Prof. Dr. Edgard Leite foi direcionado nos convida a desenvolver algumas questões teóricas sobre os problemas de periodização da Índia antiga. O referido pesquisador nos aponta as dificuldades que envolvem a comparação com processos históricos fundadores que são verificados no Ocidente, assim o mesmo destaca o papel da Revolução Neolítica no entendimento das grandes transformações estruturais na história. Além da Índia Antiga, os nossos escritos buscaram refletir eventos que envolveram a sociedade Persa. Em virtude do exposto recorremos ao Prof. Dr. Vicente Dobroruka que analisou a apocalíptica persa. Assim o referido estudioso frisa em seu artigo os diferentes usos das periodizações históricas num apocalipse persa conhecido como Zand-i Wahman Yasn (ZWY). Em sua proposta enfatiza-se que ao longo do apocalipse citado são utilizadas matrizes diferentes dos temas tradicionais dos metais, das idades do mundo e dos impérios mundiais.
Ao nos direcionarmos para os estudos que envolvem a sociedade helênica buscamos o apoio da Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido. A referida helenista focou em seu artigo nos estudos que envolvem o período entre 1200 a 800 antes de nossa era, cujo resultado foi à emergência da polis. O período ora é identificada como Idade do Bronze, Tempos obscuros, Idade Media dos gregos ou simplesmente Dark Ages pela historiografia anglo-americana. Os pesquisadores afirmam que o termo se deve ao “retrocesso cultural” e econômico que ocorreu na região helênica como ausência da escrita, dificuldade em estabelecer assentamentos e assim como a perda dos contatos e rotas comerciais no Mar Egeu. Sendo assim, a autora almeja analisar os termos junto a historiografia, além de expor como o conceito tem sido aplicado, os seus possíveis significados e criticas junto aos pesquisadores helenistas. Complementando os estudos helênicos, nosso dossiê contou com a participação do pesquisador Luis Filipe Bantim de Assumpção. O autor salienta que as periodizações são sistematizações acadêmicas passíveis de um processo de historicização. Desse modo, o mesmo objetiva analisar a maneira como as periodizações históricas de “Arcaico, Clássico e Helenístico” foram desenvolvidas para dar conta das especificidades existentes nas sociedades helênicas.
No que tange ao recorte histórico denominado de República Romana, nosso dossiê teve como autora a Prof.ª Dr.ª Claudia Beltrão da Rosa. A especialista argumentou que a periodização tradicional dos estudos históricos é um modelo que, como todos os modelos, deve existir em benefício da análise e da interpretação dos dados, e não o contrário. Logo, a autora frisa que algumas questões sobre a pertinência do modelo monarquia / não monarquia para o estudo da religião romana na “República”, assim como o período denominado de republicano necessitam ser estudados pelos pesquisadores, a fim de contextualizar seu objeto de pesquisa. Além dos escritos de Claudia Beltrão da Rosa, os pesquisadores Gilvan Ventura da Silva e Carolline da Silva Soares foram vitais nas análises que envolvem a periodização romana. Assim o artigo de Silva e Soares é voltado para refletir os limites e possibilidades dos conceitos mais comuns utilizados para definir o sentido das transformações operadas no Império Romano a partir da morte de Cômodo (192), transformações estas que culminaram na redefinição do sistema imperial romano e, do ponto de vista da longa duração, na sua gradual desagregação à medida que avança o século V.
Ao nos depararmos com a periodização da sociedade islâmica recorremos ao estudioso Ian Morris, o qual indica que as sociedades que formavam o império islâmico emergiram na Antiguidade Tardia. Para o autor a fragmentação política e espiritual de tal área imperial ocorreu entre c.700-950, o que decididamente constituiu as comunidades medievais sob comando das dinastias islamizadas. Seguindo pela perspectiva cronológica chegamos aos escritos da historiadora Renata Rozental. As reflexões da autora são voltadas para a formação de consciências históricas entre os judeus da Idade Média. Desta forma, Rozental salienta que a memória apresenta-se como instrumento narrativo e configura-se como parte da nova identidade judaica entre os séculos XIV-XVI. Neste estudo é possível perceber o uso social do tempo como campo legítimo de estudo do historiador.
Além das sociedades mencionadas podemos ressaltar pesquisas como as de Dominique Vieira Coelho dos Santos e Renan Marques Birro, que analisam respectivamente a sociedade Céltica e Nórdica, as quais o modelo de periodizações históricas tradicionais não são apropriados para as suas especificidades culturais. Dominique Vieira Coelho dos Santos apresenta uma reflexão acerca do modo pelo qual os historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construção de formas e periodizações. Logo, o artigo convida ao leitor a repensar as periodizações e seus usos, além de contribuir para novas perspectivas sobre a História da Irlanda. No caso de Renan Birro, o mesmo destacou que a utilização de temporalidades (ou eras) para o Estudo da Europa Nórdica (compreendida sem limites muito estritos como os atuais países Nórdicos, o Leste da Alemanha e o Leste Europeu) foi empreendida como um exercício didático para simplificação dos estudos e detecção de tendências artístico-estilísticas, culturais, sociais e tecnológicas durante a Antiguidade e o Medievo. Todavia, Birro ressalta que os avanços da Arqueologia, de estudos comparativos e micro-analíticos tem pulverizado esse panorama conforme a observação minuciosa de regiões específicas. Assim, o autor se propõe realizar uma breve retrospectiva até a quase reinvenção das palavras “Viking” e “Era viking” no contexto do nacionalismo, pós-colonialismo e na busca de identidade da Inglaterra vitoriana no século XIX e seus usos através das últimas centúrias.
Quanto ao aspecto teórico o dossiê conta com os estudos do historiador João de Oliveira Ramos Neto. O referido autor apresenta de forma introdutória as concepções de tempo histórico em Durval Muniz de Albuquerque Júnior, François Hartog, Reinhart Koselleck, Antoine Prost, José Carlos Reis e Paul Ricoeur, propondo um breve debate entre eles na tentativa de compreender a relação do historiador com o tempo que oscila entre a concepção natural e a concepção filosófica. No artigo são tratados temas e conceitos como calendário, estrutura, conjuntura, fato histórico e regime de historicidade.
Além do dossiê, a revista apresenta a sessão de artigos livres que contém a produção de Jorge Durbano. O presente artigo visa debater sobre as funções institucionais e administrativas que um cidadão ateniense no período clássico deveria executar para o acesso e manutenção de seu cargo na polis de Atenas. Além do referido texto, a revista NEARCO também expõe a resenha efetuada por Guilherme Keller Fragomeni da obra Medeia- Mito e Magia, de autoria da helenista Maria Regina Candido. O referido trabalho visa apresentar os principais pontos que constituem o livro sobre um dos personagens históricos mais debatidos na história.
Em suma, o conselho editorial da Revista NEARCO deseja a todos uma boa leitura!
Carlos Eduardo da Costa Campos – Membro do Núcleo de Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa: Religião, Mito e Magia no Mediterrâneo Antigo. O mesmo atua como docente do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval, CEHAM – UERJ. E-mail: eduygniz@hotmail.com
Maria Regina Candido – Docente associada em História Antiga e coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A mesma atua como membro da coordenação do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval, CEHAM – UERJ e como Professora do Programa de Pós-Graduação em História da UERJ e do Programa de Pós-Graduação em História Comparada, da UFRJ.
CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.6, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]