Périclès, la démocratie athénienne à l’épreuve du grand homme – AZOULAY (RMA)
AZOULAY, Vicent. Périclès, la démocratie athénienne à l’épreuve du grand homme. Paris: Armand Colin, 2010, 280p. AZOULAY, Vicent. Pericles of Athens. Princeton: Princeton University Press, 2014. (translated by Janet Lloyd, with a foreword by Paul Cartledge), 312 p. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Mundo Antigo, v.3, n.6, dez., 2014.
Péricles (495-429 a.C.) pode ser considerado um dos personagens históricos mais citados e referidos em todos os tempos. Marcou não apenas a história de Atenas, no seu auge, como exerceu influência nos milênios posteriores, graças, em parte, às narrativas do historiador Tucídides no próprio século V a.C. e do filósofo de época romana Plutarco, autor de uma biografia do estadista. O historiador Vincent Azoulay aceitou o desafio de retratar o ateniense para a coleção de “novas biografias históricas” da editora parisiense, tendo o grande êxito da edição francesa e sua premiação (Prix du Sénat du livre d’histoire 2011), levado à tradução para o inglês e à edição recente em Princeton. O jovem historiador francês tem se dedicado à História cultural do mundo grego, a partir de uma perspectiva fundada na teoria social, e com o recurso sistemático não só à tradição textual, como à epigrafia e à Arqueologia. Pode considerar-se, ainda, que sua perspectiva se insere nos estudos de recepção e usos do passado, como neste belo volume. Desde a introdução, explicita que se trata de um ir e vir constante entre presente e passado, nessa ordem, com o uso de abordagens de cunho sociológico (como o conceito de habitus de Pierre Bourdieu), mas também com destaque para as evidências arqueológicas, referidas com frequência ao decorrer do volume.
Após um breve relato sobre a construção antiga do personagem, o volume busca apresentá-lo desde a tenra juventude e seu contexto familiar. Por meio da Arqueologia, foi possível determinar que Péricles, aos vinte e dois anos de idade, em 472 a.C., foi corega e ganhou a vitória, associada a Ésquilo (Inscriptiones Graecae II,2, 2318): já estava, novinho, preocupado com ganhar popularidade por meio da munificência. A ascensão deveu-se, também, à sua atuação como general (estratego), ainda que, no contexto da cultura da luta (agon) a sua prudência tenha sido considerada, tantas vezes, como covardia e pusilanimidade. Neste aspecto, a estratégia militar adotada por Péricles no início da Guerra do Peloponeso de abandono do campo e concentração na parte amuralhada de Atenas, marcou, para sempre, sua memória: quantos generais, no correr dos tempos, não imitaram ou evitaram a política de abandono da própria terra arrasada, o recuo para posterior retomada? Péricles foi tomado, muitas vezes, como exímio orador, ainda que tudo que tenhamos dele sejam discursos reportados, pois nada que tivesse escrito nos chegou.
Além disso, era importante sua apresentação e mesmo seus silêncios. A ligação do líder democrático com o imperialismo ateniense merece atenção especial, já que é um aspecto dos mais ressaltados por todos os estudiosos. A partir, de novo, das evidências arqueológicas, Azoulay pondera que as tendências imperialistas antecedem a atuação de Péricles e ele não as teria podido evitar, mesmo que o quisesse, embora não se possa afirmar isso. Não houve novidade no domínio imperial (arkhé), mas na franqueza do discurso sobre essa violenta dominação. A gestão econômica privada de Péricles revela o que Azoulay chama de “economia ligada ao mercado”, ainda que o seu círculo de relações revele uma sociedade de alianças e relações pessoais. Isto o conduz ao erotismo, tanto na vida privada, como na relação do orador com os atenienses. Também aqui a Arqueologia contribui para procurar entender a posição ambígua de Aspásia (IG II, 2, 7394), assim como o papel da religiosidade ateniense, longe, portanto do Péricles aufklärer (iluminista) ou em busca da laicidade.
Após Péricles, teria havido um declínio democrático, com o predomínio de demagogos? Isto conduz o autor para o que chama de longo purgatório da imagem de Péricles, entre os séculos XV e XVIII, que denomina como lost in translation (“perdido na tradução”). O desprezo pela democracia não favorecia o personagem. Em seguida, analisa, em detalhem, a invenção do mito de Péricles, entre o final do século XVIII e o século XXI. O século de Péricles teve destinos diferentes em diversos ambientes culturais e o autor trata tanto da França, como do importante contexto de idioma alemão. Sempre houve resistência a esse mito, em especial na nascente Altertumswissenschaft de língua alemã. Já no século XX, Péricles foi utilizado em defesa da democracia na Inglaterra, mas, também, por Hitler! Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Péricles entrou em declínio, mas continuou muito relevante no ensino fundamental e médio. O volume conclui-se com uma reflexão sobre o lugar do grande homem na democracia.
A obra de Vincent Azoulay está inserida nas discussões cada vez mais importantes sobre as relações entre presente e passado e na análise dos discursos sobre o passado. Péricles continua atual, em particular no momento em que a Grécia, em particular, e a Europa, em geral, encontram desafios particulares. O volume relaciona-se com as discussões historiográficas recentes e mostra como a História da Grécia Antiga não pode ser desvencilhada da História Contemporânea …e vice-versa! Recomenda-se, portanto, a sua leitura atenta a todos instruirá e encantará.
Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular do Departamento de História da Unicamp.
Acessar publicação original
[MLPDB]