Pensamiento político e historia: ensayos sobre teoría y método | John G. a. Pocock

A história das ideias políticas precisa ser analisada na condição de ser uma história da linguagem ou linguagens políticas, sendo o papel do historiador apreender, ou melhor, reconstruir o contexto retórico e sociolinguístico do passado. Eis uma das premissas básicas da qual parte o historiador neozelandês John Greville Agard Pocock para as suas análises. Paralelamente ao britânico Quentin Skinner, que possivelmente atraiu mais os olhares de admiradores e críticos no campo intelectual com o passar dos anos, ele é um dos grandes expoentes do já há décadas conhecido Linguistic Contextualism, oriundo da Escola Histórica da Universidade de Cambridge. Os caminhos de Skinner e Pocock sempre se cruzaram, haja vista a formação que tiveram desde a época da graduação. E não é despropositado afirmar que nessa confluência de experiências vividas há mais de cinquenta anos, há muito mais convergências do que divergências. Mas é claro que as especificidades são inerentes a cada um e, por isso, os estudiosos ganham muito ao disporem de mais uma obra de Pocock, e que é muito relevadora acerca das suas pesquisas nas últimas cinco décadas. Trata-se de Pensamiento político e historia. Ensayos sobre teoría y método.

O livro é composto de três partes, “El pensamiento político como historia”, “Intermezzo” e “La historia como pensamiento político”, contando com treze artigos ao todo, e que abrange um período que vai de 1962 a 2005. Naquela parte do meio, Intermezzo, Pocock apresenta uma análise do pensamento e da atuação de Quentin Skinner, apontando para o caráter de “arqueólogo” que este designa como o papel do historiador. O autor traça um panorama das ideias centrais do britânico, lembrando a questão da importância de se pensar nos atos de fala inseridos num contexto específico, como também a influência de Robin Collingwood e Peter Laslett, chegando a tocar até mesmo na questão dos anacronismos históricos, tão bem combatidos por Skinner. Claro que Pocock não deixa de lado algumas críticas a certas abordagens skinnerianas, ou mesmo coisas que o Regius Professor tenha deixado passar. Mas tais “alfinetadas” são mínimas. Talvez esse momento da obra de Pocock não seja o que mais prende a atenção.

A última parte, La historia como pensamiento politico, apresenta os seguintes capítulos, respectivamente: “Los orígenes de los estudios sobre el pasado: un enfoque comparado”; “Tiempo, instituciones y acción: un ensayo sobre las tradiciones y su comprensión”; “El historiador como actor político en el seno de la comunidad, la sociedade y la academia”; “La política de la historia: lo subalterno y lo subversivo” e “La política de la historiografia”. São textos nos quais se tem uma inclinação maior do autor para questões do papel do historiador, como ainda problemas concernentes à historiografia e à sua história. Na parte primeira, El pensamiento político como historia, o enfoque se encontra mais voltado para as concepções que são o eixo do próprio Contextualismo Linguístico, já que Pocock sinaliza as suas idiossincrasias sobre linguagem, texto enquanto ações, discurso e verbalização de atos políticos, e as próprias ideias políticas em contextos específicos. Eis os títulos: “La historia del pensamiento político: un estudio metodológico”; “Ideas en el tempo”; “La verbalización de un acto político: hacia una política del discurso”; “Las ideas políticas como sucesos históricos: los filósofos políticos en tanto que agentes históricos”; “La reconstrucción del discurso: hacia una historiografía del pensamiento político”; “El concepto de lenguaje y el métier d’historien: reflexiones en torno a su ejercicio” e, por fim, “Los textos como acontecimientos: reflexiones en torno la historia del pensamiento político”.

Tanto pelo fato dos assuntos abordados, quanto por toda a erudição de J. G. A. Pocock, os textos, ao mesmo tempo em que são reveladores e demasiadamente instigantes, apresentam uma densidade em múltiplos sentidos que não é nada simples de ser encarada. Quanto a isso, diversos artigos seriam necessários a fim de trabalhar todas as ideias do historiador. Infelizmente, no espaço de uma resenha cabe ao autor somente apresentar as filigranas de uma abordagem tão rica e combativa como a encontrada em Pensamiento político e historia. E um desses pontos essenciais da teoria que o autor apresenta é a sua própria ideia de história. Até o presente, não se escreveu uma história integral da historiografia, e possivelmente jamais tal história será escrita. Isso porque, segundo Pocock, a historiografia caracteriza-se por ser uma forma de pensamento que surge quando se tem a tomada de consciência das estruturas sociais nas quais se vive e dos processos que nelas se desenvolvem. Daí a existência das mais diferentes historiografias, pois a consciência que uma sociedade tem é plural, nunca singular, e é fruto das relações entre os indivíduos do presente com o passado transmitido e documentado através daquilo que pode ser chamado de tradição.

Por tradição Pocock entende, em sua forma mais básica, o conjunto de repetições indefinidas de uma série de ações, isto é, tudo aquilo que os indivíduos herdam do passado e que os possibilita agirem. Nesse ponto, chega-se a outro fator essencial de sua abordagem teórica. Isso porque, mesmo considerando a presença da tradição em inúmeros aspectos, Pocock põe por terra, assim como fez Quentin Skinner, as vertentes que julgam ser a tradição a estrutura determinante das ações políticas dos indivíduos, como se os problemas enfrentados pelos autores fossem perenes ao longo dos séculos, através de um gigante debate entre grandes filósofos leitores uns dos outros. Com efeito, ele ratifica a condição na qual se encontram os indivíduos, mesmo inseridos num determinado contexto e com o cipoal sociolinguístico a ele intrínseco, de modificar, de realizar trocas daquele mesmo sistema social. Isso seria, de certa maneira, um distanciamento da consciência tradicional, devido, e isso é essencial, a uma ampliação do próprio vocabulário político e social. Assim estaria aberta, portanto, a possibilidade do debate entre as vozes tradicionalistas e as não tradicionalistas, o que é, na verdade, o que dá vida ao próprio debate histórico e, consequentemente, ao debate político, na visão de Pocock.

Mas as coisas não são tão simples como podem parecer num primeiro momento. John Pocock afirma que o que dota os indivíduos de poder é efetivamente a linguagem, já que é a realização de um ato de poder verbalizado que insere cada indivíduo no seio de uma comunidade política. Contudo, o autor metaforiza os sistemas de linguagem na figura de um rio caudaloso, repleto de obstáculos e fortes correntes e pleno de desníveis, onde o historiador das ideias pode sucumbir repentinamente. Isso devido ao simples, mas essencial fato de que nenhum indivíduo controla cem por cento os instrumentos linguísticos dos quais dispõe. Indo mais além, determinado autor pode ter atuado à margem dos esquemas, relações ou estruturas tradicionais. Soma-se a isso, a existência de ouvintes ou leitores, sobre os quais os atos de fala proferidos pelo orador ou escritor atuam ou tentam atuar, como também as modificações ocorridas ou não da situação histórico-política ou das estruturas mediante o cometimento de tais atos de fala. Outro obstáculo encontra-se no fato de haver linguagens institucionalizadas, linguagens implícitas, como ainda sublinguagens. Mediante essa avalanche de problemas que pululam sem cessar, fica o questionamento: como estudar os textos do passado e os seus autores? É a essa pergunta que Pocock dá algumas respostas na primeira parte de Pensamiento político e historia. Sem tentar impor definitivamente a sua metodologia, ele dá boas pistas de como se fazer uma análise histórica do pensamento político do passado, intentando na busca do sentido o mais original possível de obras e atores políticos.

Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que os textos não estavam soltos pairando no ar ou ainda que os autores do passado não eram gênios com mentes brilhantes, como se tivessem sido semideuses em meio aos demais mortais. Sendo assim, os textos precisam ser entendidos enquanto ações propriamente realizadas em contextos específicos, atuando sobre linguagens. O texto é também um ator em sua própria história, é um evento e um marco histórico, afirma Pocock. Com relação aos autores, especificamente os do pensamento político, não foram filósofos vinte e quatro horas por dia, mas sim homens de carne e osso, que recebiam informações ordinárias para além das filosóficas, e que faziam diversas outras atividades enquanto escreviam e publicavam. Não se pode negar também, que foram indivíduos que participaram dos jogos linguísticos em seus contextos, esgrimindo argumentos em várias direções. Cabe ao historiador, encontrar no seio dessa comunidade política na qual o autor viveu, os diversos vocabulários conceituais, estilos de discursos ou as formas de pensamento nos mais distintos níveis de formalização. Para isso, deve verificar as diversas fontes constitutivas dessas linguagens e os seus conteúdos variáveis implícita ou explicitamente. Isso ele realiza, frisa Pocock, investigando o autor propriamente dito, e aqueles que a ele foram contemporâneos, e com os quais possivelmente travou as trocas de atos de fala, verificando como ocorreu o manejo das linguagens nessas inter-relações. Faz-se necessária, como em Skinner, a abordagem inter-textualista.

Mas o texto não basta, pois uma abordagem histórica assim embasada ficaria frágil demais em sentido histórico, pois, se assim procedesse, o historiador passaria a exercer não mais o seu papel, mas sim o de um filósofo. Como estabelece o próprio Pocock:

Si esto fuera todo, tendríamos que admitir que solo podemos conocer al autor a través del texto. No siempre es así, aprendemos mucho sobre él en otros textos, en su correspondência, los escritos que guardan sus amigos, las fichas policiales y, como historiadores, nos son de gran ayuda nuestros conocimientos sobre el universo histórico y social en el que vivía; un conocimiento que no és idéntico al que el autor tiene de sí mismo porque solo lo podemos adquirir gracias a uma labor de reconstrucción. Toda esta información nos permite formular hipótesis sobre: 1) las intenciones y acciones que pudo haber realizado y se nos escaparon en una primera lectura; 2) las intenciones y acciones que pudo haber realizado inconscientemente; 3) las intenciones y acciones que pudo haber realizado y no llevó a cabo; 4) las intenciones y acciones que, en ningún caso pudo haber realizado o intentado realizar, por mucho que a nuestros colegas les guste ignorarlo. (POCOCK, 2011, p.122)

Intencionalidade autoral, atos de fala contextualizados, sistemas linguísticos, dentre alguns outros objetos de análise, tudo isso é o que compõe, desde sempre, as análises históricas das ideias políticas realizados por John G. A. Pocock. E, da mesma maneira que acontece com as demais figuras do Linguistic Contextualism, como Quentin Skinner e John Dunn, a crítica tem sido feroz na tentativa de desestabilizar as proposições do historiador neozelandês radicado nos EUA. Acusam os pensadores dessa vertente interpretativa, e isso equivocadamente, de tentar adentrar na cabeça dos autores do passado para realizar o que eles estavam realizando em suas remotas épocas. Mais comum, contudo, é a acusação de que não existe utilidade alguma em se buscar os sentidos originais dos textos e autores do passado, sendo necessário, de fato, utilizar-se dos seus escritos como manuais para as sociedades atuais trilharem um bom caminho rumo a uma sociedade ideal. Salvaguardando as diferenças teóricas, John Pocock responde, no mesmo espírito do historiador de Cambridge Harold Laski, dos primórdios do século XX, que é condenável o hábito de fazer das necessidades imediatas e pragmáticas o bem supremo, e que isso pode conduzir a erros grosseiros. Além do mais, ele afirma, o debate sobre a diversidade cultural propiciado pela história nos moldes em que pretende elaborar, por si só, já é um ato político, mesmo não transformando de imediato a realidade social. Já seria muito gratificante a leitura de Pensamiento político e historia pelo mero apetite intelectual. Mas ela oferece muito mais, pois a partir dela o pesquisador do campo das ideias se depara com praticamente cinco décadas de grandes discussões teóricas em torno do instigante mundo do pensamento político.


Resenhista

Thiago Rodrigo Nappi – Mestrando História – UEM. E-mail: thiago-nappi@uol.com.br


Referências desta Resenha

POCOCK, J. G. A. Pensamiento político e historia: ensayos sobre teoría y método. Madrid: Ediciones Akal, 2011. Resenha de: NAPPI, Thiago Rodrigo. Política, história, historiografia: aspectos da teoria de John G. A. Pocock. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 6, n. 2, p.136-140, jul./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

 

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