JARES, Xesús R. Pedagogia da convivência. Trad. de Elisabete de Moraes Santana. São Paulo: Palas Athena, 2008. Resenha de: BRUM, Lisiane Reis. Conjectura, Caxias do Sul, v 14, n. 3, p. 217-222, set/dez, 2009
Merece destaque a obra do professor Xesús R. Jares: Pedagogia da convivência (2008), por apresentar uma importante discussão acerca da convivência e da educação para a convivência, como questões prioritárias para o conjunto da cidadania, tendo em vista que a análise histórica revela que a convivência e a educação dos jovens têm sido tratadas como tema de grande preocupação pela sociedade diante da constatação da perda de valores básicos e também do aumento da violência em múltiplas formas.
A obra agrupa debates inspirados na experiência pessoal de Jares como pai, como professor, e como coordenador de programas de convivência realizados na Espanha. O trabalho apresentado pretende abordar cinco conteúdos essenciais, que originam os cinco capítulos nos quais se estrutura o livro: revelar os marcos e conteúdos da convivência; explicar os dados mais significativos de pesquisas que realizou na Galícia e nas Ilhas Canárias, Espanha, sobre a situação de convivência em centros educativos de Ensino Médio; apresentar propostas para fundamentar e tornar operativa a pedagogia da convivência nas escolas; expor uma experiência concreta do processo de implantação de uma equipe de mediação em uma escola de Ensino Médio; e, por último, refletir sobre o papel das famílias no processo de educar para a convivência.
Na introdução, Jares tece um breve comentário sobre o quanto determinados valores, formas de organização, sistemas de relação, normas, formas linguísticas, expressão de sentimentos, expectativas sociais e educacionais contribuem para determinado modelo de convivência na sociedade. Em determinadas populações e contextos sociais, bem como nos diferentes setores do sistema educacional, o autor constata que o “problema da convivência” é um dos aspectos que mais preocupam a sociedade, posto que o sistema econômico-social, a perda de respeito e dos valores básicos de convivência, a perda da liderança educativa da família e do sistema educacional, além do aumento da ocorrência e da visibilidade da violência, contribuem para a atual situação da convivência que se constata.
No primeiro capítulo, “Sobre a convivência e os conteúdos de uma pedagogia da convivência”, Jares contextualiza os diferentes âmbitos que considera mais importantes e que incidem na convivência. O autor chama a atenção para a importância da família, âmbito inicial de socialização, onde aprendemos os primeiros hábitos de convivência, às vezes, determinantes dos modelos de convivência futuros. O segundo grande âmbito de socialização, ao qual ele se refere, é o sistema educacional, como espaço que deixa vestígios no âmbito da convivência, tendo em vista que professores e professoras estimulam determinados modelos de convivência.
Outro âmbito de importante socialização é o grupo de iguais e que, por conta do tipo de relações sociais que vivemos, não se situa a partir da adolescência como era tradicionalmente, mas em idades mais precoces. Além disso, os meios de comunicação, particularmente a televisão, tem forte incidência nos modelos de convivência ao exercer enorme influência sobre determinados comportamentos, valores e relações sociais.
Os espaços e instrumentos de lazer, dominados por grandes centros comerciais e a consequente cultura do consumo, concomitantemente aos contextos político, econômico e cultural dominantes e que, inexoravelmente, condicionam a convivência social, obviamente não foram negligenciados pelo autor.
Após destacar os principais âmbitos em que ocorrem as diferentes formas de relação e de convivência, o autor destaca, ainda, conteúdos de natureza moral, ética, ideológica, social, política, cultural e educativa, com os quais a convivência tem referência. Ganham especial atenção os direitos humanos como marco regulador da convivência, pois, como lembra Jares (p. 29), os direitos humanos representam o consenso mais abrangente sobre valores, direitos e deveres para viver em comunidade.
Todavia, o cumprimento dos direitos é acompanhado de limitações, pois toda convivência também implica deveres para com os demais, sejam eles em qualquer âmbito: na família, na comunidade educacional, no país, assim como em relação aos valores de justiça, liberdade, paz, etc. Nessa perspectiva, com muita objetividade e clareza, o autor ainda faz referência a alguns conteúdos de natureza humana, de relação e de cidadania, esses fundamentais para a convivência. Dentre eles, destacam-se o respeito, o diálogo, a solidariedade, a não violência, a felicidade, e a esperança que, ligados ao otimismo, facilitam a convivência positiva e necessária para encarar a função educadora.
Ainda no primeiro capítulo, o autor lembra alguns fatores desagregadores da convivência, quando são listados o ódio, a ideia de inimigo, os fundamentalismos, as mentiras, a corrupção, e a dominação, que traz em seu bojo a detenção de um poder calcado no uso da violência.
Por fim, tendo em vista que, recentemente, na Espanha, foi aprovada a Lei Orgânica de Educação (LOE), a incorporação ao currículo da disciplina Educação para a cidadania e os direitos humanos, o autor apresenta algumas reflexões nesse sentido e aponta que, para que a nova disciplina seja apoiada e tenha valor, precisa ser integrada ao currículo com as maiores garantias e sob o aporte de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Direito e História, fundamentalmente.
Com o objetivo de analisar de forma global a relação entre conflituosidade e convivência, o autor apresenta, no segundo capítulo, os principais resultados de pesquisa realizada na Galícia, entre 1998 e 2002, e também na Comunidade Autônoma de Canárias, em 2002 e 2003. A convite do Instituto Canário de Avaliação e Qualidade Educacional (Icec), a pesquisa foi centrada em investigações sobre a percepção que professorado e alunado do Ensino Médio de escolas públicas e particulares conveniadas têm sobre diferentes dimensões da relação conflito/ convivência. As pesquisas apresentaram resultados semelhantes e, pelo fato de a investigação nas Ilhas Canárias ter sido publicada pelo Icec (2004), os resultados apresentados nessa obra são dados inéditos da investigação realizada na Galícia.
A pesquisa foi estruturada em três blocos temáticos, estreitamente inter-relacionados e apresentados de maneira clara pelo autor: Conflito, disciplina e convivência; Percepção de violência e Estratégias para favorecer a convivência.
Os dados foram obtidos através da aplicação de questionários com 22 perguntas e 110 itens para o alunado e 32 perguntas com 208 itens para o professorado. As principais conclusões referidas pelo autor indicam que tanto professores quanto alunos possuem uma percepção negativa do conflito, que se explica pela confusão que se estabelece ao relacionar conflito com violência e indisciplina.
Jares aponta que modificar essa percepção negativa do conflito é um dos desafios prioritários a serem enfrentados para encarar a realidade do conflito como algo natural e tratá-lo, a partir daí, como uma oportunidade para aprender, ou seja, como um fato educativo. Outros dados demonstram que professores e alunos têm uma boa percepção da convivência entre ambos, mas também coincidem no fato de terem uma percepção negativa da indisciplina e da violência dos educandos na escola, resultados que podem estar relacionados a opiniões concentradas em determinados sujeitos, mais do que no conjunto, tanto pelos professores quanto pelos alunos.
Outro ponto relevante do estudo é que ambos reconhecem serem poucos os espaços destinados e muito raramente são utilizadas estratégias didáticas que favoreçam a convivência, confirmando, de forma clara e contundente, a escassa bagagem metodológica e organizativa que desafia os professores a melhorar a convivência nas escolas. Além disso, através da análise das diversas dimensões educacionais formuladas na pesquisa, é possível destacar uma visão pouco otimista dos sujeitos pesquisados sobre o uso de algumas atividades propostas pelo estudo para favorecer uma convivência positiva nas escolas.
Em relação ao medo de ir à escola e ao sentimento de apreço em relação aos seus próprios colegas e ao professorado, o estudo pôde analisar o desenvolvimento social dos alunos e a sua integração à vida escolar. Os dados refletem que a maioria dos estudantes nunca sentiu nenhum tipo de medo dos professores ou medo de ir à escola, mas a percentagem, quanto ao apreço do professorado, apresentou uma tendência negativa e, consequentemente, preocupante.
Após expor os dados da investigação, é no terceiro capítulo, “Âmbitos de intervenção”, que o autor apresenta propostas para centros educacionais a partir de três ideias fundamentais: o planejamento tanto para o espaço da classe quanto da escola, assim como da comunidade educativa (professores, alunos e mães/pais); grande repertório de atividades didáticas; e participação de todos os setores da comunidade educativa, a partir da ideia-chave de corresponsabilidade. Para a exposição desse “Plano de Intenção”, o autor precisou examinar o marco legislativo dessa temática, as propostas de escola e de aula, assim como a formação do corpo docente, tema, aliás, que deve exigir um esforço máximo por parte da administração educacional, das universidades e dos coletivos profissionais.
O quarto capítulo: “A mediação nas escolas”, é interessante por apresentar a experiência realizada em uma escola de Ensino Médio sobre um dos métodos de resolução de conflitos que está sendo utilizado em centros educativos: a mediação. Segundo Jares, a mediação consiste na intervenção de uma parte (alheia ao conflito e imparcial) com o objetivo de facilitar que as partes cheguem por si mesmas a um acordo por meio do diálogo, em que o processo de mediação passa de binária, entre as duas partes, a ternária, com a presença de um(a) mediador(a).
O que confere caráter educativo à mediação é o fato de que o mediador não tem poder para impor uma solução, cujos protagonistas do conflito são os que preservam o controle da situação e tentam chegar a um acordo. O capítulo revela como foi posto em andamento a experiência de mediação, a formação dos mediadores e mediadoras, as situações que intervieram, os obstáculos encontrados, as opiniões dos mediadores, o professorado, etc. Dentre as informações importantes, é possível destacar, nesse capítulo, a dificuldade apontada pelos mediadores em manter a imparcialidade durante os conflitos e a percepção do professorado em ressaltar a diminuição da conflituosidade na escola, desde a implantação do programa.
Ao considerar a família como âmbito fundamental na socialização e o impacto e comoção intelectuais causados no autor, devido às grandes mudanças que vêm ocorrendo na família espanhola, algumas análises são realizadas, no último capítulo: “Educar para a convivência desde as famílias”. Sobre o papel das famílias na educação para a convivência, o capítulo é organizado em três partes. Em um primeiro momento, é feita uma análise sobre as relações família-escola; num segundo momento, é feita uma abordagem dos diferentes erros que todos consideram estar sendo cometidos na educação de filhos e filhas; e, finalmente, algumas estratégias para favorecer a convivência nas famílias e facilitar a resolução pacífica de conflitos.
Diante do valor da educação e com a preocupação em fazer surgir uma rica reflexão acerca da pedagogia da convivência, como uma das alternativas possíveis para uma educação voltada para a paz, Jares encerra sua obra com um tema adequado à realidade atual. Os resultados obtidos em sua investigação demonstram a importância de pensar uma educação voltada para a mediação de conflitos, mas que apresente o enorme desafio, qual seja o de ser aplicada nos principais âmbitos da educação: a família e a escola.
Referências
JARES, Xesús R. Pedagogia da convivência. Trad. de Elisabete de Moraes Santana. São Paulo: Palas Athena, 2008. p. 239.
Lisiane Reis Brum – Licenciada em Educação Física. Coordenadora-Geral da Academia-Escola da Universidade de Caxias do Sul. Mestranda em Educação pela mesma instituição. E-mail: lrbrum@ucs.br
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