O livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa de Paulo Freire faz uma abordagem a respeito de algumas das competências necessárias para a atuação do profissional da educação, saberes esses que ele julga essenciais. Freire escreve o texto com toda aquela sensibilidade que lhe é característica, brindando o leitor de um sentimento de esperança e convidando-o a lembrar a todo o momento da importância do professor e de sua contribuição social. Sua abordagem pedagógica nos apresenta reflexões importantíssimas a respeito da postura e da coerência que se exige de quem pretende educar.
O livro é dividido em três detalhados capítulos. No primeiro capítulo, Prática docente: primeira reflexão, Paulo Freire faz uma apresentação das características fundamentais da formação docente. Enfatiza a importância de alinhar a prática à teoria, da nossa capacidade de aprender e ensinar, e da necessária recusa ao ensino bancário, ensino esse que delega ao educando um mero papel receptivo de informação e não o reconhece como agente produtor de conhecimento. Deste modo, devem-se levar em conta as experiências prévias do educando, para que esse se reconheça como sujeito do processo, podendo assim estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais e a experiência social que temos como indivíduos.
O segundo capítulo, Ensinar não é transferir conhecimento, retoma e aprofunda a discussão sobre o erro de se pensar a educação como depósito de um conhecimento pré-adquirido ao educando. O professor, por vezes, costuma se blindar de críticas e sugestões quando está ministrando sua aula e age como se estivesse em um pedestal. Isso, de modo algum, é saudável na prática educativa. Para Freire, um dos principais fatores da relação professor-aluno é a humildade, é mostrar-se também sujeito no processo educacional, não como um depositador de saberes, mas sim como quem também aprende no exercício de ensinar.
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, 1996, p. 24)
Ainda nesse capítulo, o autor trata da necessidade de estarmos sempre abertos às indagações, às curiosidades dos alunos e da nossa característica de sermos seres condicionados, mas não determinados Como seres culturais, históricos, inacabados e conscientes do inacabamento, devemos unir esforços contra o discurso fatalista, pragmático e reacionário do pensamento neoliberal. É nesse capítulo também que, mais do que tratar a esperança como uma característica recomendável ao professor, Freire é enfático ao nos mostrar que mais do que isso, essa se faz imprescindível e inerente à prática educativa.
Para Freire, a aprendizagem é resultado da relação dialética entre os sujeitos envolvidos nela. A aprendizagem só ocorre efetivamente quando é significativa para quem aprende e para quem ensina, quando envolve sentimentos e quando a curiosidade ingênua transforma-se em epistemológica através da mediação do professor.
É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual o sujeito criador dá forma, estilo ou alma ao um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 25)
No terceiro e último capitulo, Ensinar é uma especificidade humana, Freire expõe da importância da solidez na formação do professor, já que não se pode ensinar o que não se sabe. “A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor” (FREIRE, 1996). Apenas um profissional qualificado poderá pensar certo e exercer a sua autoridade de maneira plena. Uma autoridade em exercício que seja democrática e que respeite a liberdade do educando na construção de sua autonomia. Ressalta ainda o seu compromisso com as pautas democráticas dirigidas aos menos favorecidos, um dos objetivos da educação progressista, já que o ato de ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, em prol dos condenados da terra, como o próprio dizia.
Essa obra de Paulo Freire, de modo geral, é um exercício de provação ética. Nos mostra que é possível e necessário acreditar num mundo melhor transformado pela educação. A pedagogia deve ser ética em si mesma e respeitosa às experiências e saberes prévios do educando, desenvolvendo assim um ambiente propício à autonomia, à produção de conhecimento e à formação individual. Não se trata de uma formação no sentido de treinamento de atividades puramente tecnicista ao educando, mas o contrário disso. Freire adverte que o tom otimista e esperançoso com que redige o texto não deve ser entendido como ingenuidade ou inocência, mas sim como traços do seu comprometimento com a causa. É no geral um exercício pedagógico de alimentar a esperança e concretamente um guia para a coerência entre discurso e prática. Paulo Freire nos mostra a grandeza de nossa profissão, lê-lo é tomar um gole de autoestima.
No meu caso, foi a leitura certa no momento certo. Um prato cheio para lembrar-nos do nosso poder de ação no mundo e do nosso compromisso por um futuro menos desigual. Já dizia Freire que está errada a educação que não reconhece a raiva justa, que não se indigna com as desigualdades e que não promove transformação. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever. Não podemos, porém, pensar que a execução desse exercício é fácil. Exige disciplina, coerência, pesquisa e, sobretudo, autoestima e vontade de mudança. Quem escolhe agir por essa profissão, escolhe agir por todos, mesmo que alguns não a reconheçam como capaz.
João Victor da Silva Pedrozo – UNILA. E-mail: joao.pedrozo@aluno.unila.edu.br
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