Parodie et analyse du discours (I. L. Machado)

MACHADO, Ida Lúcia. Parodie et analyse du discours. Paris: L’Harmattan, 2013. 134 p. Resenha de PESSOA, Sônia Caldas. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.1 São Paulo Jan./Apr. 2017.

O livro Parodie et analyse du discours [Paródia e análise do discurso] de Ida Lucia Machado, publicado pela editora francesa L’Harmattan, convida o leitor para um passeio teórico-metodológico a respeito da paródia. Com um roteiro leve e reflexivo, a leitura nos propõe alguns questionamentos importantes acerca da problemática do tema, sob a ótica da Análise do Discurso.

Ida Lucia Machado é uma das precursoras da Análise do Discurso no Brasil e uma das principais interlocutoras brasileiras nas relações entre o Brasil e a França em pesquisas fundamentadas na Teoria Semiolinguística desenvolvida por Patrick Charaudeau, parceiro teórico da autora em diversos eventos acadêmicos, pesquisas e publicações.

O prefácio de Parodie et analyse du discours é assinado por Charaudeau, que aborda dois aspectos principais. O primeiro diz respeito à temática do livro, ou seja, a paródia propriamente dita. E o segundo à importância teórica da obra de Ida Lucia Machado, uma vez que a autora revela como os instrumentos da Análise do Discurso podem contribuir para definições e categorizações da paródia. Ele ressalta o fato de a autora reunir um conjunto de teorias do discurso e apresentar, de maneira original, o seu próprio instrumental teórico.

Parodie et analyse du discours é dividido em cinco capítulos, brevemente apresentados aqui, e uma conclusão. No primeiro, La Parodie: premières approches [A paródia: os primeiros enfoques], a autora apresenta um percurso das principais teorias que trataram a paródia como objeto, dialogando com Quintiliano, Cícero, Tynianov, Genette, Barthes e Bakhtin, além de outros autores brasileiros e franceses, com o objetivo de contextualizar o quadro teórico traçado por ela.

No segundo capítulo, Parodie et semiolinguistique [Paródia e semiolinguística], a autora enfoca a Teoria Semiolinguística, concebida por Patrick Charaudeau, afirmando que garante liberdade ao pesquisador para se dedicar à análise e interpretação de diferentes conjuntos de textos. Machado ressalta a importância das inúmeras possibilidades de realizar a análise de interpretações eventuais de discursos sociais, independentemente de suas origens.

Com o título La Parodie: essai de classification [A paródia: tentativa de classificação], o terceiro capítulo, possivelmente o mais importante da obra, se propõe a classificar a paródia. Essa é uma das principais contribuições da pesquisadora sobre a temática. Aqui é detalhada uma das problemáticas centrais do livro: a paródia é um gênero ou os efeitos de gênero a incluem em um gênero maior? Afinal, o que é a paródia, esse objeto tão delicado? Em um trabalho de pesquisa minucioso, Machado discute a noção de gênero do discurso, retomando conceitos de pensadores como Jean Peytard, que foi seu diretor de tese de doutorado em Bensançon, na França, e de Bakhtin. A partir da noção de gênero, a autora analisa a construção da transgressão na paródia em duas dimensões.

É nesse momento que Machado retoma a definição de gênero transgressivo, que integra há anos os seus trabalhos. Para a autora, um gênero é transgressivo quando ‘ousa’ combinar em si diferentes tipos de discurso que tinham objetivos diferenciados, em suas origens, daqueles que adquirem quando se tornam um amálgama. Essa reunião pode se tornar insólita, para usar as palavras de Machado, sendo necessário considerar que a aliança que consolida esse encontro de gêneros será representada pela intenção de ironizar alguém ou alguma coisa. A paródia torna possível rir do que é sério, zombar do preconcebido; em suma, ela contém o mesmo movimento que gera a sua criação, a origem da transgressão genérica.

Machado se apoia em Bakhtin ao concluir que a paródia é um discurso carnavalizado, um fenômeno sócio-ritualizado no qual a essência pode ser transposta em um discurso oral ou escrito. A problemática da recepção da paródia e suas duas faces possíveis – mais evidente e mais sutil – são tratadas no quarto capítulo do livro intitulado Parodie: mise en forme et reception [Paródia: forma e recepção]. Já o último capítulo Parodie & Argumentation [Paródia & argumentação], ela apresenta uma rápida visão da paródia como fenômeno argumentativo, explorando a perspectiva de visadas e dimensões argumentativas.

A originalidade da pesquisa de Machado sobre a paródia é reconhecida há alguns anos na França. Em 2002 o professor e teórico francês Dominique Maingueneau chamava a atenção para o trabalho da autora no verbete “captation”, do Dictionnaire D’Analyse du Discours, ao mencionar a importância de pensar a captação do leitor sob o viés da paródia. O autor chama a atenção para uma reflexão de Machado sobre a posição ambígua do sujeito parodiador em relação ao sujeito parodiado, que estaria entre a fidelidade e a infidelidade, a proximidade e o afastamento.

Essa ambiguidade entre os sujeitos parodiador e parodiado, que Maingueneau discutiu baseado em Machado, está presente em grande parte da obra da autora, que considera a paródia um fenômeno linguageiro, um gênero transgressivo, que teria aparecido para transgredir uma ordem estável, como a desarrumar algo que já tivesse sido dito, escrito ou mostrado e mais ou menos aceito por uma comunidade de ouvintes, leitores ou espectadores.

Ouso dizer que a publicação, que tem 134 páginas em francês e ainda não tem tradução para o português, é uma síntese comprovação de parte da pesquisa e do conteúdo de disciplinas lecionadas pela autora no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de seus inúmeros trabalhos no Brasil e na França.

O livro integra a coleção Langue et Parole: Recherches en Sciences du langage, dirigida por Henri Boyer, da Université de Montpellier 3. Entre os objetivos da coleção está a publicação de trabalhos coletivos e individuais realizados no campo teórico e metodológico das Ciências da Linguagem, especialmente aqueles que fomentam debate e polêmica.

Concordamos, enfim, com Charaudeau, para quem Ida Lucia Machado fez uma obra criativa que aponta um primeiro elemento, importante, que nos instiga a buscar respostas para a questão elaborada pela própria autora: vivemos em um universo cultural que tende a se parodiar ao infinito? E, se isso é verdade, por que precisamos da paródia? A leitura pode ser uma pista interessante para responder essa questão. E se a autora afirma que não se trata de uma questão fechada, espera-se um segundo livro dela sobre a temática.

Sônia Caldas Pessoa – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil; soniapessoa@ufmg.br.

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