Com o advento da globalização e o concomitante processo de expansão das relações internacionais após o término da Guerra Fria, tornou-se imperativo que muitos países revejam suas estratégias de inserção internacional, de modo a universalizá-las e desconcentrá-las de sua base regional. Isso gera uma ampliação do número de parcerias detidas por um país, o que induz à necessidade de evidenciar a relevância de determinados relacionamentos face aos demais, ou seja, de singularizar determinadas parcerias enquanto especialmente relevantes para o cumprimento dos objetivos entendidos como prioritários relativamente à consecução do interesse nacional.
Ganha-se, portanto, cada vez mais espaço no discurso diplomático a utilização, embora ainda de forma vaga e vulgarizada, do conceito de “parcerias estratégicas”. Especialmente no que tange aos estudos sobre os movimentos recentes da política externa brasileira, torna-se mister a necessidade de melhor entender esse conceito, de forma a facilitar a compreensão das prioridades delineadas pela diplomacia brasileira.
Assim, com vistas a melhor compreender o lugar das parcerias estratégicas em meio às relações internacionais do Brasil, foi lançado no ano de 2013 a obra Parcerias Estratégicas do Brasil: os significados e as experiências tradicionais, organizada em dois volumes pelos professores Antônio Carlos Lessa, da Universidade de Brasília, e Henrique Altemani Oliveira, da Universidade Estadual da Paraíba e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Esse ambicioso empreendimento, parte da Coleção Relações Internacionais, conta com o apoio de um seleto grupo de pesquisadores de renomadas instituições brasileiras e estrangeiras, tais como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade Estadual da Paraíba e a Universidade Complutense de Madrid, e resulta do projeto “Parcerias estratégicas do Brasil: a construção do conceito e as experiências em curso”, desenvolvido entre os anos de 2007 e 2012 sob o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Além de situar o conceito em meio aos estudos desenvolvidos na grande área das Relações Internacionais, evidenciando o descompasso entre sua utilização no campo político e o seu pouco aprofundamento na academia brasileira, a obra analisa uma série de dezesseis estudos de caso, considerados emblemáticos para a aplicação do conceito. Em suma, a obra abrange tanto uma análise essencialmente teórica – tarefa esta dificultada pela escassez de estudos desta natureza -, quanto uma análise prática, com vistas a compreender se tal conceito reflete o real estado das relações que caracteriza.
Para tal, a obra se divide em dois volumes, cada qual com três partes. O primeiro volume se dedica à análise conceitual do termo “parcerias estratégicas” e ao estudo das experiências tradicionais desenvolvidas pela diplomacia brasileira. A primeira parte, composta por dois capítulos, estuda os marcos conceituais das parcerias estratégicas, enquanto que a segunda parte, em cinco capítulos, estuda os relacionamentos com alguns dos parceiros tradicionais do Brasil (Estados Unidos, União Europeia, Portugal, Japão e Espanha). Já a terceira parte, esta estuda as relações com os parceiros regionais do Brasil, ou seja, o seu entorno regional, iniciando-se por uma análise geral das relações com a América do Sul e partindo para análises específicas das relações com a Argentina e com a Venezuela.
Com relação ao segundo volume, a sua primeira parte se dedica exclusivamente à possibilidade de aplicar do conceito aos novos relacionamentos assinalados pela diplomacia brasileira como prioritários, a saber: o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), a Índia, a Rússia e os países árabes. A segunda parte, por sua vez, analisa a postura brasileira no que se refere ao multilateralismo, enfocando-se para tal na política externa brasileira para a Organização das Nações Unidas (ONU) e nas parcerias estratégicas brasileiras no contexto do multilateralismo comercial – dentro do qual se destaca a postura brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC). Já a última parte evidencia, para fins comparativos, duas experiências desenvolvidas por outros atores que não o Brasil, tanto na Ásia quanto na Europa.
Dessa forma, a obra evidência uma coerente problematização e análise do conceito de parcerias estratégicas na política externa brasileira, utilizando-se para tal de seis grandes categorias, divididas em dois volumes complementares entre si, no sentido de proporcionar ao leitor uma visão ampliada das diferentes aplicações que a diplomacia brasileira dispôs para o conceito de parcerias estratégicas (e.g. certas parcerias bilaterais tradicionais; novas prioridades; parcerias multilaterais).
Ao se observar especificamente aos estudos de caso propostos, nota-se a grande disparidade entre eles, apesar de serem abrangidos por uma mesma categoria conceitual (parcerias estratégicas). A título de exemplo, observou- -se a presença de relacionamentos que oscilam constantemente entre a aproximação e o distanciamento, como no caso dos Estados Unidos; entre o entendimento e a desconfiança, como no caso da Argentina e da Venezuela; relacionamentos historicamente relevantes pela política externa brasileira, como com a ONU; e relacionamentos que apenas recentemente ganharam maior desenvoltura, como as parcerias com a Espanha e com a Índia.
A obra evidencia, ademais, a necessidade de se ampliar os estudos sobre as parcerias estratégicas brasileiras, de modo a suplantar o caráter meramente ornamental que o conceito por vezes adquire no discurso político e confirmá-lo enquanto um efetivo arcabouço instrumental de análise das relações internacionais do Brasil.
Resenhista
Leonardo Carvalho L. A. Bandarra – Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: lclab90@gmail.com
Referências desta Resenha
ESSA, Antônio C.; OLIVEIRA, Henrique A. de (Orgs.). Parcerias Estratégicas do Brasil: os significados e as experiências tradicionais. Volume 1. Belo Horizonte: Editora Fino Traço, 2013. Resenha de: BANDARRA, Leonardo Carvalho L. A. Meridiano 47, v.15, n.141, p.59-60, jan./fev. 2014. Acessar publicação original [DR]
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