Tradicionalmente, as relações internacionais sempre se comportaram no âmbito dos governos centrais dos Estados, e desenvolvidos sob os auspícios da atividade diplomática. No entanto, a partir das últimas décadas do século passado, um complexo fenômeno denominado de paradiplomacia tem imposto ações analíticas à Academia – mormente dentre os cânones de Direito, Ciência Política, Relações Internacionais e Administração Pública –, à Chancelaria dos governos centrais e às secretárias de governos subnacionais de vários países do globo.
Resultado de Tese apresentada no XLIV Curso de Altos Estudos do Ministério das Relações Exteriores, Instituto Rio Branco, em 2002, e, além de grande alento para estudiosos do tema – visto a escassa produção acadêmica e intelectual sobre paradiplomacia no País –, a obra de Lessa trata-se de contribuição tão valorosa quanto bem-vinda.
A expressão paradiplomacia foi “trazida ao debate pelo acadêmico basco Panayotis Soldatos para designar a atividade diplomática desenvolvida entre entidades política não-centrais desenvolvidas em diferentes Estados” (p. 15). Todavia, sabe-se que estes entes não centrais não dispõem dos atributos jurídico-políticos imprescindíveis ao exercício da diplomacia, incumbência esta do governo central, o que sem dúvida traz mais complexidade ao tema.
Como bem evidenciado na obra, principalmente no primeiro capítulo, a paradiplomacia no caso brasileiro foi estimulada não só pelas novas oportunidades oferecidas por um sistema internacional globalizado, com maior pluralidade de vetores (p.17), mas também pelos processos de redemocratização e descentralização político-administrativa das décadas de 1980/90. Não obstante, são ainda parcos no País os avanços jurídico-institucionais nessa área; assim, atores subnacionais criam situações inovadoras não representativas do marco constitucional pátrio.
Nessa esteira, Lessa se valeu de análise de documentação tanto das unidades federadas brasileiras quanto arquivos oficiais do Itamaraty. A pesquisa revela razoável desenvolvimento de atividades paradiplomáticas no Brasil, cuja tendência é, sem dúvida, de se proliferarem mais. As áreas dos acordos perpassam pelos campos do comércio, indústria (pequenas e médias empresas, joint-ventures, infraestrutura, energia, construção naval e zonas francas), agroindústria (pesca e agricultura), turismo, serviços (transporte e portos), meio ambiente, administração pública (planejamento urbano, segurança pública e legislação), governo (processo legislativo e eleitoral, políticas sociais e finanças públicas), educação, esporte e cultura, saúde e saneamento, ciência e tecnologia (informática) e integração regional, sendo os objetivos compreendendo a cooperação técnica, científica e tecnológica, a promoção de intercâmbio, informações recíprocas, investimento e capacitação (p. 113 a 118).
No entanto, o estabelecimento de contatos internacionais dos governos não-centrais se dá sob bases informais, ao arrepio da lei, impondo necessidade de reconstrução dos marcos legais que dêem conta da atividade internacional daqueles atores bem como das relações destes com o poder central do governo.
Lessa sinaliza iniciativas tendentes a dar respaldo institucional à atuação externa das unidades federadas. Contudo, a obra não dá conta do projeto de lei do Senado Federal n°98, de 2006, de autoria do senador Antero Paes de Barros, que dispõe sobre aplicação de normas internacionais no Brasil. O projeto destina aos entes não centrais, porém, somente a prática de convênios internacionais, o que já se trata de um – apesar de tímido – avanço jurídico em matéria de inserção internacional de entes federados brasileiros.
Além da excelente análise do caso nacional, o insigne diplomata examina também a forma pela qual a paradiplomacia se organiza em outros Estados, tanto de Estados nacionais federados como unitários, e tanto dos países em que a paradiplomacia é juridicamente institucionalizada – como nos casos da Suíça, Argentina, Alemanha e Rússia – como dos modelos em que o fenômeno não é institucionalizado – como o próprio Brasil, Estados Unidos, Canadá, entre outros –, proporcionando, assim, um mapeamento geral relevante das formas em que os governos não centrais vêem conduzindo suas respectivas gestões públicas internacionais e como os governos centrais desses países encaram tais iniciativas subnacionais. Em alguns casos, como no Canadá e Espanha, distintividades e identidades sócio-culturais por vezes influenciam as ações paradiplomáticas – devendo, entretanto, ser denominadas de protodiplomacia (p. 16) –, o que podem apontar para caso de enfraquecimento do Estado nacional, mas, de forma geral, as atividades subnacionais internacionais costumam trazem mais vantagens do que prejuízos, tanto para estes atores como para o Estado-nação de qual fazem parte.
Em que pese a pouca atenção que a Academia brasileira tem dedicado à temática por Lessa abordada, é notório que discussões sobre o tema devam ser mais fomentadas dentro da sociedade, com vistas a, principalmente, propor mais iniciativas do Legislativo quanto à instituição paradiplomacia.
Sem dúvida, esta obra, além de suprir lacuna considerável, propondo mais conhecimento à temática e seus desdobramentos, se estabelece como obra doutrinária entre os vindouros livros sobre esse não menos que extraordinário assunto.
Resenhista
Gabriel Fernandes Romero – Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília – UCB. E-mail: gromero_ucb@hotmail.com
Referências desta Resenha
LESSA, José Vicente da Silva. Paradiplomacia no Brasil e no mundo: o poder de celebrar tratados dos governos não centrais. Viçosa – MG: Editora UFV, 2007. Resenha de: ROMERO, Gabriel Fernandes. Meridiano 47, v.10, n.106, p.64-65, maio. 2009. Acessar publicação original [DR]
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