SANTOS, Ana Rocha; GONÇALVES, Cláudio Ubiratan. (Org.) Para dialogar na Geografia. São Cristovão: Editora UFS, 2010. 239 p. Resenha de: BARBOSA, David Tavares. Boletim Goiano de Geografia. Goiânia, v. 32, n. 1, p. 169-173, jan./jun. 2012.
O livro Para dialogar na Geografia, organizado por Ana Rocha Santos e Cláudio Ubiratan Gonçalves, está dividido em oito capítulos desenvolvidos pelos docentes do curso de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, campus da cidade de Itabaiana. Orientada pelo objetivo central de apontar tendências de estudo na Geografia brasileira contemporânea, esta obra apresenta um pertinente diálogo desenvolvido por geógrafos comprometidos com a transformação social de nossa sociedade.
Embora reunindo textos com uma grande variedade temática, os trabalhos são todos permeados pela proposta central de refletir sobre os desequilíbrios regionais brasileiros, levando em conta o papel desempenhado pelas políticas públicas na promoção do reordenamento territorial.
Nos dois primeiros artigos do livro, esta busca pela compreensão das questões regionais é feita pela adoção de uma perspectiva teórica múltipla.
Tal variedade de abordagens torna-se crucial nesta obra, pois seus autores compreendem que a região deve ser analisada e estudada a partir das diferentes relações que lhe (re)produzem.
O primeiro capítulo expõe a proposta de Ana Rocha dos Santos de promover uma reflexão sobre o papel do Estado-Nação na gestão contemporânea do território. Neste artigo, a autora enfatiza, de forma pertinente, o quanto esta gestão tem apelado para o fortalecimento dos espaços subnacionais – municípios – por meio de ações políticas de cunho descentralizante.
Para a autora, no âmago destas ações observam-se interesses que visam a permitir a continuidade da reprodução do capital no novo contexto político-econômico-financeiro surgido nas últimas décadas.
Neste novo cenário, os municípios seriam os responsáveis por adotar políticas que ofereçam alternativas aos problemas nacionais, provocados por instâncias e interesses internacionais, agindo na criação das condições necessárias ao processo de reestruturação produtiva. Atua riam, assim, no controle dos fluxos financeiros de empresas multinacionais, sem a autonomia de decisões que este novo papel de “condução da organização do capital mundial” possa requerer. Nesse contexto, a autora observa que as políticas internas dos países têm sido coordenadas por discursos de autonomia e participação, através da adoção de políticas descentralizadoras que racionalizam recursos e aproximam as esferas administrativas dos cidadãos.
No capítulo seguinte, da geógrafa Josefa de Lisboa Santos, observamos uma proposta de análise regional diferente da utilizada no primeiro capítulo. A proposta da autora é promover um debate sobre os desequilíbrios regionais pela análise da retórica presente nos discursos sobre o Nordeste, buscando assim expor a ideia de que, ao menos discursivamente, a natureza desta região tem sido interpretada como a causa principal da sua pobreza.
A autora constata nos discursos contemporâneos sobre o Nordeste a presença de um insistente determinismo geográfico, que tende a associar as variáveis clima e pobreza numa relação de causalidade. Nessas representações, a região Nordeste poderia então ser encarada como um “recorte espacial onde a característica física por si só desencadeia a ação” (p. 37).
Essa associação de cunho determinista teria se iniciado ainda em fins do século XIX, engendrada no discurso sobre as secas que surge nesta época, permitindo afirmar que o grande debate sobre as secas foram referenciais para a elaboração de um imaginário acerca do Nordeste.
No entanto, a permanência desses discursos, no imaginário e nas representações sobre esta região, teria ligações com as estratégias da elite regional conservadora, visando a angariar uma maior quantidade de verbas federais. Ao reforçarem a ideia do Nordeste como “região das secas”, estas elites contribuíram para “uma leitura da região com graves distorções sociais, cujo domínio econômico e político de uma oligarquia forte e resistente agravava a situação” (p. 41). Assim, Santos considera o regionalismo nordestino como “um discurso ideológico responsável por mascarar uma realidade e apresentar outra” (p. 55), de modo a promover uma homogeneização simbólica do espaço regional.
Os dois capítulos seguintes, escritos por Cláudio Ubiratan Gonçalves (Cap. 3) e Lucas Gama Lima (Cap. 4), promovem duas importantes revisões críticas acerca da temática do livro. No terceiro capítulo, é feita uma análise dos estudos regionais, a partir de uma perspectiva crítica que busca apontar o quanto seria relevante para a Geografia a promoção de uma análise regional baseada na ética. Na sequência, no capítulo quatro, Lima propõe em seu artigo um debate epistemológico sobre o conceito de território, refletindo sobre o papel das políticas de reordenamento territorial.
Estes artigos podem ser considerados complementares, pois observamos uma leitura sobre o território bastante próxima nos dois trabalhos. Ambos analisam o território por meio da análise das relações socioespaciais que forjam o processo de territorialização, das formas de uso e apropriação promovidas por aqueles que nele habitam. Conduzem, assim, a análise do território para uma investigação regional focada na análise dos sentimentos de pertencimento e dos vínculos comunitários entre seus habitantes.
Gonçalves desenvolve seu estudo tendo como pano de fundo o estudo da região do Cariri cearense, e expõe sua crença na importância dos estudos da ética na Geografia. Num cenário em que verificamos um modelo de desenvolvimento capitalista desigual e em ampla expansão, faz-se necessário um debate baseado na ética e na justiça social, que convoque a responsabilidade de nossos atos individuais e os nossos posicionamentos políticos na sociedade.
No capítulo seguinte, Lima promove um debate relevante sobre o conceito de território, mostrando o quanto este conceito na Geografia ainda não é um consenso entre os pesquisadores, constituindo, ao contrário, objeto de muitas divergências, assentadas nas diferentes influências histórico-sociais de cada pesquisador.
Por meio da revisão do conceito de território, o autor intenta em seu artigo descrever e analisar o papel das recentes políticas públicas de reordenamento territorial. Na sua compreensão, observa-se na atualidade uma valorização do território como ator do desenvolvimento, destacandose o papel atribuído ao desenvolvimento local. O autor observa ainda que se tem atribuído um caráter salvacionista às políticas de desenvolvimento em escala territorial, centrado no papel dos autores locais.
Os últimos capítulos do livro constituem estudos de caso, que nos permitem compreender de que modo se inscrevem as políticas de reestruturação territorial implementadas por políticas públicas governamentais.
Assim, temos as análises de Oliveira sobre o acesso à água em tempos de neoliberalismo (Cap. 5); Carvalho e sua reflexão sobre o âmbito geográfico da questão hídrica (Cap. 6); Silva e suas considerações acerca das disputas territoriais ocasionadas pelo petróleo no estado de Sergipe (Cap. 7); e Valio, que tece suas análises sobre a variabilidade pluviométrica num municipio do semiárido sergipano (Cap. 8).
No capítulo produzido por Cristiane Fernandes de Oliveira, a autora procura compreender as relações sociais e econômicas que se desenvolveram em torno da questão da água, apresentando debates acerca dos problemas de disponibilidade e acesso à água, além do papel das políticas neoliberais no incentivo ao crescimento da valoração da água como recurso econômico.
Em sua análise, a autora procura explicitar o quanto a água tem se transformado num recurso econômico estratégico essencial para a reprodução privada do capital. Para ela, os debates sobre este recurso tem se intensificado nas discussões ambientais desenvolvidas a partir da década de 1990, permeadas por um discurso extremamente pessimista, que acaba por contribuir muito mais com os interesses econômicos do que para a resolução dos problemas propriamente ditos. Assim, acredita a autora que a “escassez da água” e o debate que se segue à detecção deste problema têm contribuído, de forma mais concreta, com o desenvolvimento de uma estratégia econômica privada por parte de corporações/grupos transnacionais. Ou seja, a água têm sido discutida mais como bem econômico do que como um recurso natural comum a todos.
No capítulo que se segue, Márcia Eliane Silva Carvalho promove sua reflexão visando a compreender o papel fundamental da água na organização espacial da sociedade, destacando o quanto este recurso se destaca como elemento geoestratégico de um território. Para esta autora, faz-se necessário, sempre que se debater os recursos hídricos, vinculá-los às questões do uso do solo e da ocupação humana. Só com este posicionamento, o debate das questões hídricas estará vinculado a um planejamento ambiental que pense este recurso de forma indissociável do todo que o circunda.
No capítulo 7, Gicélia Mendes da Silva tece suas reflexões acerca da relação observada entre a distribuição dos royalties do petróleo entre municípios sergipanos e as disputas territoriais decorrentes deste processo.
Enfatizando a análise dos conflitos territoriais nos municípios de Pacatuba e Pirambu, no estado de Sergipe, o debate que a autora promove neste artigo baseia-se na discussão da necessidade de revisar a legislação do petróleo em vigor.
Já no capítulo que encerra o livro, David Alves Valio também promove uma reflexão acerca de questões municipais do estado de Sergipe, centrando sua análise na variabilidade climática do município de Nossa Senhora da Glória. O autor encara este fenômeno, tão característico da região Nordeste, relacionando-o com as questões políticas e socioeconômicas atreladas às secas que afetam esta região.
Neste texto, o autor mostra que, mesmo com as características naturais do Nordeste não sendo as mais favoráveis, não se deve negligenciar as questões de cunho econômico/político que favorecem uma pequena parte da população, contribuindo para agravar as questões sociais da região.
Com estas contribuições, os autores da obra convidam os leitores a uma reflexão sobre as questões regionais brasileiras. Conjugam, assim, esforços na busca de um diálogo que alerta a sociedade sobre a urgência na mudança dos desequilíbrios regionais brasileiros, visto que essas desigualdades constituem verdadeiras barreiras ao desenvolvimento de uma justiça social comum a todos os cidadãos.
David Tavares Barbosa – Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestrando em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco.
Boletim Goiano de Geografia. Goiânia, v. 32, n. 1, p. 169-173, jan./jun. 2012.
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